A escassez de água deixou de ser um evento excepcional para se tornar uma realidade cíclica no estado de São Paulo. Diante disso, a Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos) colocou em consulta pública um conjunto de documentos que representa um avanço decisivo na forma como o estado planeja, comunica e executa ações em períodos de restrição hídrica.
As novas diretrizes, consolidadas na minuta de deliberação sobre medidas operacionais em situações de escassez, formam o primeiro marco regulatório estadual permanente de contingência hídrica do país. Elas integram aspectos técnicos, jurídicos e institucionais que antes se encontravam dispersos em deliberações temporárias. O resultado é um modelo que dá previsibilidade às decisões, segurança jurídica aos prestadores e transparência à sociedade.
A proposta tem como base um sistema de faixas de atuação (F0 a F7), que traduzem em linguagem operacional os diferentes níveis de severidade da escassez. Cada faixa corresponde a um conjunto de medidas técnicas —como o Regime Diferenciado de Abastecimento (RDA) e a Gestão de Demanda Noturna (GDN)— aplicadas de modo progressivo e reversível.
Outra inovação relevante é a obrigatoriedade dos Planos de Contingência, que padronizam diagnósticos hidráulicos, ações preventivas e protocolos de comunicação, garantindo que decisões sobre racionamentos ou rodízios se baseiem em dados objetivos e critérios claros.
A deliberação também reforça a integração entre a Arsesp e a SP Águas, por meio do Comitê Interagências de Segurança Hídrica. Essa coordenação assegura que as medidas regulatórias se fundamentem em projeções hidrológicas consistentes, como as apresentadas na Nota Informativa Conjunta das duas agências, que define cenários de vazões e limites operacionais para manter ao menos 30 % do volume útil agregado dos reservatórios metropolitanos.
A metodologia hidrológica utilizada pela SP Águas baseia-se na simulação determinística de cinco cenários de vazões históricas representativas —incluindo a média de longo termo e anos críticos como 2014 e 2021— a partir dos quais são geradas as curvas de contingência que orientam as faixas de atuação. O método não emprega, até o momento, simulações estocásticas como as de Monte Carlo, mas abre caminho para essa evolução.
A adoção de modelos probabilísticos poderia aperfeiçoar a estimativa dos riscos de depleção dos reservatórios e alinhar a regulação paulista a padrões internacionais de gestão por risco e incerteza climática. Porém, qualquer que seja o método preditivo, nunca será possível "acertar na mosca". Por isso, não se deve avaliar decisões tomadas sob incerteza ex-ante à luz do conhecimento ex-post sobre o que de fato ocorreu.
Mais do que reagir a crises, o modelo propõe uma regulação preventiva —que antecipa cenários, define responsabilidades e organiza fluxos de decisão com base em evidências técnicas. Essa mudança de paradigma aproxima São Paulo das melhores práticas internacionais em segurança hídrica e gestão de riscos climáticos, recomendadas por organismos internacionais, como a OCDE.
Há ainda um aspecto democrático a destacar: o processo de consulta pública, aberto até 22 de novembro, permite que concessionárias, especialistas, municípios e sociedade civil contribuam com sugestões. A regulação do futuro será aquela capaz de prevenir o colapso antes que ele se instale, traduzindo dados científicos em decisões transparentes e tempestivas. O pacote em consulta pública da Arsesp é um passo concreto nessa direção e um exemplo de planejamento regulatório moderno, participativo e baseado em evidências.

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