Fiquei feliz ao ler nesta Folha que foi criada no Brasil a Eu Decido, a primeira associação em defesa do direito à morte assistida. Essa é uma bandeira que empunho há décadas. Não sou, porém, muito otimista em relação à possibilidade de resultados concretos em breve.
A conjuntura política por aqui nos transportou metaforicamente para uma caverna do Taleban. Não só não vemos avançar liberdades individuais já consagradas nos países desenvolvidos, como a de usar drogas ou abortar, como ainda lidamos com a ameaça de retrocessos. O leitor se lembrará da recente tentativa da bancada da Bíblia de aprovar uma lei que equipararia abortos tardios a homicídios. Meninas estupradas que só descobrissem a gravidez com mais de 20 semanas e abortassem, como a lei hoje autoriza, ficariam sujeitas a um castigo maior do que o reservado a seus estupradores.
E a situação é preocupante mesmo fora do circo performático em que o Congresso Nacional se converteu. É incrível que a Prefeitura de São Paulo, a maior e mais cosmopolita cidade do país, esteja restringindo o acesso a serviços de aborto legal.
O STF até ensaiou alguns passos liberalizantes. Foi o caso da decisão que excluiu a possibilidade de sanções penais para a posse de pequenas quantidades de maconha. Mas o tribunal se vê enredado em tantas controvérsias políticas que teve de pisar no freio da agenda pró-autonomia.
Longe de mim negar as enormes dificuldades para regular questões como mercado de drogas e morte assistida. Há aí dilemas impossíveis. A revista The Atlantic acaba de publicar uma boa reportagem sobre os problemas por que passa o Canadá com sua avançadíssima legislação de eutanásia.
Meu ponto é que, se formos recusar o corolário mais elementar do Estado liberal moderno, que é o de garantir a autonomia individual de forma robusta, então podemos aposentar as declarações de direitos das Cartas, fechar cortes de Justiça, restituir a autoridade do "pater familias" e recriar conselhos tribais que diriam o que é e o que não é aceitável.