quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

O verdadeiro desafio de Trump, Elio Gaspari, FSp (definitivo)

 Na segunda-feira, Donald Trump assumirá pela segunda vez a Presidência dos Estados Unidos, na crista de uma espetacular vitória eleitoral. Desde novembro, no seu estilo teatral, ameaçou anexar o Canadá, ocupar a Groenlândia e retomar o canal do Panamá. Tudo fumaça. Trump tem uma queda por fantasias. Ora assusta os americanos dizendo que os imigrantes comerão seus cachorrinhos, ora tenta assustar o mundo, insinuando que usará a força militar para respaldar seus delírios expansionistas.

Faz tempo, aconselhando Bill Clinton, o marqueteiro James Carville fulminou: "É a economia, estúpido." Trump assumirá uma semana depois de a China ter revelado que fechou 2024 com um superávit comercial de US$ 990 bilhões. Esse resultado surpreendeu o mundo.

A imagem mostra um homem branco e loiro, de terno preto, acenando com a mão direita, em frente a bandeiras da China e dos Estados Unidos. As bandeiras estão dispostas em um fundo decorado com flores e pássaros. O homem parece estar se afastando da câmera.
Donald Trump em visita a Pequim durante seu primeiro mandato como presidente dos EUA - Thomas Peter - 6.nov.2024/Reuters

As indústrias chinesas conseguiram uma coisa parecida com o desempenho dos Estados Unidos nos anos seguintes à Segunda Guerra, quando a Europa estava arruinada. Panamá? Groenlândia? Canadá? Imigrantes? Nada disso, é a China, bobão.

O repórter Keith Bradsher, que cobre o comércio do Império do Meio desde 1991, mostrou que, numa ponta, a indústria chinesa responde por um terço da produção mundial. Sozinha, produz mais que os EUA, Japão, Alemanha e Coreia, somados. Noutra ponta, a China forma mais engenheiros e profissionais correlatos que todos os jovens diplomados em faculdades americanas.

Quando os Estados Unidos se reaproximaram da China, acreditavam que uma abertura econômica estimularia a democratização do país. Supunham também que seus produtos ganhariam aquele imenso mercado. A China não se democratizou e são os americanos que estão comprando manufaturas chinesas.

Pode-se tomar o Brasil como um exemplo da miopia americana, e de Trump, bem como da astúcia dos governantes chineses. Em nome de um conservadorismo iracundo, o presidente eleito dos Estados Unidos flerta com Jair Bolsonaro. Durante seus quatro anos de governo, o ex-capitão hostilizou a China, sem qualquer vantagem. Pequim continuou sendo o maior parceiro comercial do Brasil. Pior: a fábrica de automóveis chinesa BYD produzirá carros elétricos e híbridos na planta de Camaçari que, outrora, foi da Ford americana.

A China transformou-se numa potência comercial porque apropriou-se da grande lição do presidente americano Calvin Coolidge (1923-1929): "O principal negócio do povo americano é o negócio". Para Trump, o negócio dos Estados Unidos parece ser a encrenca.

Elon Musk, seu deslumbrado conselheiro, encarna esse viés. Com o espírito inovador do empresariado americano, ele fabrica os carros elétricos Tesla. No último trimestre de 2024, a BYD chinesa superou-a em vendas. No Brasil, Musk meteu-se numa briga pueril com o Supremo Tribunal.

(Enquanto isso, sem polêmicas, a China arrocha a internet, com a complacência de Musk. Trump ameaça banir a rede social TikTok e os chineses podem vendê-la. Para quem? Elon Musk. Inimigos, inimigos, negócios à parte.)

Os governantes chineses têm uma agenda de interesses e investem em projetos de infraestrutura pelo mundo afora. Enquanto isso, Trump ameaça governar os Estados Unidos com uma agenda de encrencas, aliando-se com encrenqueiros.

O poder pelo poder, Ruy Castro - FSP

 Que cansaço. Em 2025, Donald Trump, às vésperas do segundo mandato, lembra o Jair Bolsonaro de 2019, que, por sua vez, era a versão jeca do Trump de 2017. Mesmas mentiras, mesmas ameaças, mesmas frases para espantar, mesmas bazófias para otários. Uma coisa é a campanha que engabela os pascácios, outra é transportá-la para a administração. Talvez seja esta a estratégia: enquanto os factoides são discutidos com indignação, as medidas realmente importantes de seu projeto político vão sendo tomadas sem serem percebidas.


Para garantir o ingresso na Casa Branca pela primeira vez, Trump prometeu deportar 11 milhões de imigrantes, construir um muro gigante entre os EUA e o México (pago pelos mexicanos), barrar a entrada de muçulmanos, acabar com "essa bobagem" de aquecimento global, investir no tratamento de saúde mental para evitar assassinatos em massa, reprimir os movimentos negros ("causa de problemas") e declarar aos 35 anos o limite de "vida útil" para as mulheres —depois disso, deviam "sair de cena".

Desta vez, ameaça (de novo) "deportar em massa imigrantes ilegais" (o que ele sabe que não é possível), terminar o muro (do qual só construiu uma fração), taxar os produtos estrangeiros, leia-se chineses, sem excluir os brasileiros, e "perfurar, perfurar, perfurar", inclusive o Ártico, embora este já passe por um estado crítico de degelo. Tudo de novo, daí o cansaço. As novidades são o perdão para os 1.500 criminosos que invadiram o Capitólio no 6/1/2021 e a anexação do Canadá aos EUA e a tomada pela força da Groenlândia e do Canal do Panamá. Grande parte disso é conversa fiada, jogo de cena.

É possível que seus auxiliares, todos com interesse pessoal em questões essenciais, cumpram suas ameaças e passem a boiada. Mas certo mesmo é que, além de seu controle já assegurado da Suprema Corte, Trump irá tentar se reforçar na costura jurídica de instituições que lhe possibilitem eternizar-se no poder.

O poder pelo poder sem saber muito bem o que fazer com ele não é uma fantasia. É um desvio frequente na política. E não é um privilégio da extrema direita.

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Wegovy reduz inflamação no fígado e previne cirrose, diz farmacêutica, FSp

 Laiz Menezes

São Paulo

Wegovy, medicamento com o mesmo princípio ativo da Ozempic e já usado para obesidade, mostrou eficácia em pacientes com inflamação e fibrose no fígado, quadro que pode levar à cirrose, de acordo com resultados preliminares de estudo da fabricante dinamarquesa Novo Nordisk.

O estudo de fase 3 divulgado em dezembro pela farmacêutica envolveu mais de 1.200 pacientes com a doença e fibrose hepática moderada a avançada em 39 países, incluindo o Brasil. O total de participantes foi dividido em dois grupos: metade recebeu o medicamento com a substância semaglutida, enquanto o restante recebeu placebo.

Uma subanálise do estudo acompanhou 800 pacientes durante 72 semanas. No grupo placebo de pacientes com fibrose hepática, 22,5% tiveram melhora no quadro sem piora na inflamação. Já com o uso da semaglutida, o percentual sobe para 37%. Dos participantes que tinham somente inflamação no fígado, 34,1% do grupo placebo tiveram melhora, comparado com 62,9% no grupo tratado com o Wegovy.

A imagem mostra canetas de injeção do medicamento Wegovy, com destaque para uma caneta FlexTouch de 0,5 mg. Ao fundo, há caixas do medicamento com informações em diferentes idiomas, incluindo o nome 'wegovy' e a substância ativa 'semaglutid'.
Wegovy mostrou eficácia no tratamento de inflamação e fibrose hepática, com melhora significativa em comparação ao placebo, em estudo com 800 pacientes - Staff/Reuters

A melhora ocorrida no grupo placebo —ainda que menos significativa que nos pacientes que receberam o medicamento— acontece porque a inflamação e fibrose hepática é tratada, também, pela mudança no estilo de vida.

A gordura no fígado não alcoólica, esteatose hepática metabólica, está associada a fatores como obesidade, diabetes, sedentarismo e herança genética. Se progredir, pode gerar complicações como a cirrose, quando o fígado deixa de desempenhar suas funções normalmente e pode precisar de transplante, explica a hematologista e uma das autoras do estudo, Cláudia Oliveira.

"O sistema imune, ao reconhecer o excesso de gordura no fígado, envia células inflamatórias para o órgão, causando um processo inflamatório. Esse processo causa a fibrose hepática, que dificulta a função do órgão. Com o tempo, a fibrose pode evoluir para cirrose", explica Oliveira, que também é vice-coordenadora da pós-graduação em Ciências em Gastroenterológica da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).

A cirrose não chega a ser irreversível, mas o paciente depende de medicamentos para manter o que os médicos chamam de compensação da cirrose. A condição pode levar ao câncer de fígado e doenças cardiovasculares.

No estudo da Novo Nordisk, a farmacêutica aponta que o Wegovy também proporcionou um maior controle da pressão arterial e do diabetes tipo 2, além de significativa perda de peso, o que auxilia no tratamento das condições relacionadas ao diabetes e à obesidade.

Os efeitos adversos mais comuns do uso do medicamento foram gastrointestinais, como náusea e diarreia, e o perfil de segurança foi consistente, sem novos riscos identificados além dos sintomas que já podem acometer pacientes que usam o Wegovy para tratamento da obesidade.

Segundo a empresa, os resultados serão submetidos neste ano à agências regulatórias para aprovação do Wegovy como tratamento de pacientes com gordura e fibrose hepática. No Brasil, o pedido será analisado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Hoje não existe um tratamento específico para os casos iniciais. Em geral, eles são revertidos com adoção de estilo de vida saudável, alimentação equilibrada e prática regular de exercícios físicos.

Um estudo publicado em 2023 examinou mortalidade e incapacidade causadas por 369 doenças em 204 países e territórios, entre 1990 e 2019. A América do Sul foi o continente que registrou o maior aumento de adolescentes com acúmulo de gordura no fígado.

A América do Sul e a América do Norte tiveram o maior aumento relativo de casos da doença em adolescentes (39,2% e 36,8%, respectivamente). Os números foram considerados significativamente maiores do que os dos demais continentes: a Europa ficou em terceiro lugar (27%), seguida da Ásia (25%), África (19%) e Oceania (17,9%).

No Brasil, a estimativa é que um terço das pessoas com mais de 35 anos apresente gordura no fígado e tenha maior risco de desenvolver diabetes do tipo 2, segundo estudo de 2023 conduzido por pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e da USP.

Em até metade das pessoas com esteatose, o quadro pode evoluir para uma inflamação do fígado chamada de esteatohepatite não alcoólica, que recentemente ganhou um outro nome: doença hepática gordurosa metabólica. No Brasil, não há uma droga específica para o tratamento da esteatohepatite associada à disfunção metabólica.