terça-feira, 14 de janeiro de 2025

O olhar apurado de Thomaz Farkas, FSP

 Vicente Vilardaga

São Paulo

O fotógrafo Thomaz Farkas conseguiu combinar com maestria o experimentalismo com as imagens documentais. Na juventude, se dedicou a registrar cenas do seu entorno, primeiro no Pacaembu, onde morava, tanto da construção do estádio nos anos 1940 quanto da torcida nos jogos que ali se disputavam.

Na mesma época, direcionou seu olhar para o centro da cidade, nas imediações da rua São Bento, onde seu pai, Desidério, fundou a primeira loja da Fotoptica.

Quem quiser ver uma incrível exposição de suas fotos deve ir ao IMS (Instituto Moreira Salles) até março. Em "Thomaz Farkas, todomundo" é possível perceber o grande alcance de sua arte e também conhecer seu trabalho como documentarista que fazia imagens do povo e lutava contra um sistema opressor.

Nascido em 1924 em Budapeste, capital da Hungria, ele fotografou incansavelmente até os 25 anos de idade e foi um dos pioneiros no Brasil a captar imagens em cores.

Centro de São Paulo
Rua São Bento, centro de São Paulo: imagens coloridas da região na década de 1940 são raras

Na maturidade, optou pelos documentários cinematográficos, buscando personagens fundamentais, como Pixinguinha e Hermeto Pascoal, e registrando a vida das pessoas comuns.

Na fase inicial de seu trabalho, um de seus interesses principais eram as multidões. Aos 18 anos, ingressou no influente Foto Cine Clube Bandeirante, avançado centro de debates sobre fotografia.

No Pacaembu, em preto e branco, captou, entre 1942 e 1947, a torcida em polvorosa e os olhares concentrados nos jogos, sempre explorando as luzes e as sombras e preocupado com as formas.

Na região central, estreitou sua relação com a cidade circulando pelos dois lados do viaduto do Chá. Seu foco estava na efervescência das ruas, tomadas por pessoas trajadas elegantemente.

Estádio do Pacaembu: na juventude, Farkas se dedicou o estádio e o bairro
Arquibancada do Pacaembu lotada, em 1942: na juventude, Farkas se dedicou a fotografar o estádio

Como diz um dos curadores da mostra no IMS, Sérgio Burgi, a exposição é uma oportunidade de fazer uma apresentação integrada da obra de Farkas. Os outros curadores são Juliano Gomes e Rosely Nakagawa

"Pudemos mostrar os mundos paralelos do cinema e da fotografia na sua obra", afirma Burgi. "Ele compreendeu a dimensão social, política e humanística das imagens que captava."

Segundo Burgi, suas imagens do centro de São Paulo têm um sentido documental, mas também são uma experiência de linguagem. Fotos coloridas da região são raríssimas na segunda metade da década de 1940.

Thomaz Farkas
Autorretrato do fotógrafo de 1942: combinação de experimentalismos com visão documental

Um dos fundadores da moderna fotografia brasileira, Farkas demonstrava inquietude, grande senso crítico e refletia sobre os ambientes que registrava.

Estava sempre atento aos movimentos, seja na dança, nos esportes universitários, no futebol ou no universo do trabalho. Ele cursou engenharia na escola Politécnica da USP e, a partir da década de 1960, assumiu a direção da Fotoptica.

Por ser dono de uma loja de equipamentos fotográficos, tinha grande facilidade de acesso aos materiais necessários para o seu ofício.

Mas o dado fundamental é que em vez de se tornar apenas um comerciante, ele se transformou num artista e também num financiador de cineastas perseguidos pela ditadura.

Multidão reunida
Pessoas reunidas em uma escada em Salvador na década de 1970: imagens do povo

A partir dos anos 1950, seu interesse migra da fotografia para o cinema. Dirigiu e produziu quase 40 documentários, sempre ligado em experimentações formais e com uma visão política progressista.

Seu primeiro curta-metragem, chamado "Estudos", se perdeu. Em 1954 filmou no parque do Ibirapuera "Pixinguinha e a Velha Guarda do Samba", um clássico.

Entre as obras cinematográficas que dirigiu ou produziu se destacam "Brasil Verdade", "Todomundo", "Hermeto Campeão", "Jânio a 24 Quadros", "Coronel Delmiro Gouveia", "Subterrâneos do Futebol" e "Viramundo". Farkas morreu em 2011, aos 86 anos, e foi um homem antenado com seu tempo.

Como cidades do Ceará combatem o calor pavimentando ruas com concreto, DW FSP

 Priscila Carvalho

Deutsche Welle

Diante das altas temperaturas que persistem quase o ano todo, cidades do Nordeste estão adotando medidas para mitigar o calor extremo e seus impactos no ambiente urbano.

Um desses exemplos é a cidade de Fortaleza, no Ceará, que vem substituindo o asfalto pelo concreto na pavimentação de ruas, avenidas e estradas da região, com o intuito de diminuir as ilhas de calor.

A imagem mostra uma rua pavimentada com pedras, em um dia ensolarado. À esquerda, há algumas árvores e, à direita, casas com portas e janelas visíveis. A rua se estende em linha reta, com uma leve inclinação ao fundo. Não há pessoas visíveis na cena.
Pavimentação em piso intertravado tem sido adotada para melhorar a qualidade das vias em diversos municípios cearenses - Equipe de fiscalização da Secretaria das Cidades/Divulgação

A medida não se limita somente à capital cearense e já pode ser observada em municípios como Sobral, Crato e outros. Segundo a Secretaria das Cidades do estado, as obras para substituição já ocorrem em 39 municípios e 12 regiões, com o intuito de trocar a matéria-prima usada na pavimentação em diversos locais.

Especialistas ouvidos pela DW Brasil apontam a iniciativa como positiva, já que o concreto pode durar por mais tempo. "Do ponto de vista prático, o pavimento asfáltico normalmente, tem um custo inicial mais baixo, mas ele se desgasta mais facilmente ao longo do tempo, tem uma durabilidade menor em comparação com o concreto, que tem um custo inicial geralmente mais alto, mas requer menos manutenção ao longo do tempo", explica Iuri Bessa, professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Concreto reflete melhor a radiação solar

O engenheiro da Coordenadoria de Obras Urbanas da Secretaria das Cidades do Ceará, Bruno Nobre, ressalta a economia gerada pela troca de material. "A pavimentação asfáltica está mais sujeita a variação do preço do petróleo, tendo em vista que este elemento faz parte de sua composição, e requer uma logística mais complexa para realizá-la", diz.

Na questão ambiental, o asfalto está mais sujeito a absorção da radiação solar, contribuindo para as altas temperaturas em espaços urbanos. Já o concreto apresenta melhores condições de refletividade, que contribuem para uma menor absorção de calor, além de melhorar a iluminação das vias no período noturno.

A substituição do asfalto pelo concreto e pela pavimentação em piso intertravado tem sido adotada como uma alternativa para melhorar a qualidade das vias em diversos municípios do Ceará.

O asfalto é amplamente utilizado nas cidades devido ao seu custo inicial mais baixo e flexibilidade. Ele é composto por uma mistura de agregados (como pedras e areia) e ligante asfáltico, um derivado do petróleo que atua como "cola" na estrutura.

No entanto, o material é sensível a altas temperaturas, podendo amolecer e sofrer deformações permanentes ao longo do tempo, o que aumenta a necessidade de manutenção, de acordo com Webert Silva, engenheiro civil e doutorando em engenharia de transportes pela UFC e em sistemas de transporte pela Universidade de Lisboa.

Custo inicial mais alto

Por outro lado, o concreto é um material rígido, formado pela combinação de cimento, água e agregados. "O pavimento rígido tende a ter três vezes mais vida útil que o asfalto. Por isso começamos a dar ênfase nesse material e nos blocos intertravados. Atualmente, é o que estamos priorizando no Ceará", diz Ilo Santiago, superintendente adjunto de Rodovias da Superintendência de Obras Públicas do Estado do Ceará (SOP).

Contudo, seu custo inicial é mais alto, o que demanda planejamento estratégico para implementação, segundo os especialistas ouvidos pela reportagem.

De acordo com Bessa, o tipo de pavimento suporta melhor as cargas dos coletivos e dura mais tempo. Por isso, de acordo com o professor, a modalidade vem sendo usada em corredores de ônibus pela prefeitura de Fortaleza. Além da capital do Ceará, cidades como Recife já usam esse tipo de pavimentação, ressalta o especialista.

Os pisos intertravados, também chamados de pavimentos de blocos de concreto, são uma alternativa eficiente para pavimentação e também vêm sendo usados em diversas cidades do Ceará. "O pavimento intertravado está começando a crescer mais aqui no Brasil, principalmente em Fortaleza", sublinha Silva.

Praticidade e benefícios ambientais

Na prática, eles são "subtipos" do concreto e são utilizados em obras de urbanização como calçadas, estacionamentos, vias urbanas e áreas de lazer. Eles consistem em peças pré-moldadas que se encaixam sem o uso de argamassa ou cola, com estabilidade garantida pelo preenchimento das juntas com areia. Essa característica facilita reparos, pois os blocos podem ser removidos e recolocados sem danos permanentes.

Além da praticidade, os pisos intertravados oferecem benefícios ambientais importantes. Diferentemente do concreto convencional ou do asfalto, eles são permeáveis, permitindo que a água da chuva infiltre no solo. Essa capacidade ajuda a prevenir alagamentos e melhora o equilíbrio hídrico em áreas urbanas.

A troca do asfalto pelo concreto ou piso intertravado é um processo estratégico que considera aspectos técnicos, econômicos e ambientais. Ele também tem sido aplicado em projetos de requalificação urbana, por sua estética e funcionalidade. Além de vias do bairro, o material já foi aplicado em pontos turísticos importantes do estado, como o centro histórico de Sobral e na estrada CE-090, que liga as praias de Icaraí e Cumbuco, famosas no litoral cearense.

A imagem mostra uma rua vazia, com calçamento em pedras. A via é larga, com faixas brancas no centro, e cercada por muros e algumas árvores ao fundo. O céu está nublado, sugerindo um dia sem sol.
Formado por blocos, piso intertravado permite que água da chuva infiltre no solo, prevenindo alagamentos - Comunicação-SOP Ceará

Sustentabilidade x conforto térmico

A escolha entre asfalto e concreto para pavimentação envolve diversos fatores, incluindo sustentabilidade e conforto térmico. De acordo com Lucas Babadopulos, doutor em engenharia civil pela Universidade de Lyon (França), a sustentabilidade deve ser analisada sob diferentes aspectos, sendo os principais: ambiental, econômico e social.

Ele ressalta que, enquanto o concreto é mais sustentável em termos de refletividade solar e conforto térmico, o seu impacto ambiental pode ser maior devido à produção do cimento, que emite uma quantidade considerável de carbono. No entanto, o uso de materiais reciclados, como agregados alternativos, pode contribuir para reduzir a poluição gerada pela indústria do concreto.

Por outro lado, Silva também destaca a sustentabilidade do concreto, especialmente com a incorporação de resíduos na sua produção. Ele aponta que o concreto pode ser mais sustentável que o asfalto quando utiliza materiais alternativos, como cinzas de carvão ou resíduos da construção civil.

Quanto ao conforto térmico, o concreto é uma opção mais vantajosa do que o asfalto. Esse material, com sua coloração mais clara, reflete mais radiação solar, o que contribui para a redução do calor no ambiente urbano.

Babadopulos explica que, em dias ensolarados, o pavimento de concreto não aquece tanto quanto o asfalto, que pode atingir temperaturas de até 70 graus Celsius. Com a substituição, é possível reduzir a sensação térmica em até 10°C.

"Pavimentos intertravados de concreto são vantajosos por manterem temperaturas mais amenas, especialmente em horários de maior incidência solar, como ao meio-dia até", complementa Silva.

Futuro e avanço no Brasil

Embora a substituição do asfalto por concreto seja uma medida que não ocorre apenas em cidades do Ceará, especialistas apontam que é necessário alternativas conjuntas para diminuir as temperaturas em regiões do Brasil.

Para o engenheiro Bessa, a troca do asfalto pelo concreto é um passo importante, mas precisa estar integrado com outras ações. "Substituir o asfalto pelo concreto não é uma solução definitiva, mas faz parte de um planejamento urbano que inclui a arborização, a redução do uso de veículos pessoais e o aumento do transporte não motorizado, como as bicicletas", ressalta.

Ele defende que medidas complementares, como a melhoria da drenagem e o uso de energias limpas, devem acompanhar essas mudanças, para um impacto mais efetivo no longo prazo.

Segundo Silva, a substituição não vai solucionar completamente a formação das ilhas de calor, mas é uma medida que ajuda a reduzir o problema. Ele destaca ainda que, apesar de não ser uma solução única, a combinação do concreto com a arborização e um planejamento urbano mais voltado para os pedestres pode ter um impacto positivo. "Quem mais sente o calor é o pedestre. Por isso, o foco deve ser em criar ambientes urbanos que favoreçam quem caminha pelas ruas", completa.