sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Túnel da Sena Madureira, parque Jurubatuba, Raposo Tavares: quando o transporte destrói lugares Mauro Calliari, FSP

 Findas as eleições, parecia que as cadeiradas e brincadeiras da 5ª série poderiam dar lugar a conversas de adultos. A julgar por alguns projetos em andamento, a gestão municipal e estadual têm muito a fazer se quiserem aumentar a qualidade da discussão de ideias.

Três novos projetos de mobilidade explicitam a falta de visão de cidade:

São soluções para problemas de mobilidade que desconsideram soluções urbanísticas.

Dão prioridade absoluta para os automóveis, sem considerar alternativas de transporte público ou mobilidade ativa.

Implicam perdas de áreas verdes;

E, em nenhum deles, houve a preocupação de se comunicar com as pessoas que serão impactadas.

Túnel da Sena Madureira

Em troca de evitar o cruzamento com a Domingos de Moraes, um túnel irá destruir 85 casas. Os mais de 200 moradores nunca receberam informação sobre o projeto até virem o primeiro trator; 165 árvores serão cortadas e um córrego já foi cimentado, apesar de fazerem parte dos "corredores verdes", priorizados no Planpavel, um documento da própria prefeitura.

Prolongamento da marginal ao lado do rio Jurubatuba

Em 2023, a Prefeitura lançou uma licitação para prolongar a Marginal Pinheiros. A nova pista vai ocupar o último pedaço vazio ao lado do rio Jurubatuba, com mais de 6 km de extensão.

Eu visitei o lugar e fiquei espantado com o verde e o silêncio, só cortado pelo trem do outro lado do rio. No lugar de um parque linear gigante, veremos faixas de concreto, que provavelmente estarão congestionadas logo.

Anos atrás, técnicos da prefeitura escreveram uma nota técnica que dizia: "A ausência de vias marginais expressas neste território é uma grande (e última) oportunidade de garantir que a cidade se relacione com seus rios". E, ato contínuo, propõe a continuação da marginal, rebatizada de "via parque".

Nova Raposo Tavares

Já critiquei o projeto, tocado pelo governo estadual, numa coluna anterior. Trata-se de alargar e facilitar acessos da estrada na chegada a São Paulo. Como nos outros projetos, não houve discussão sobre transportes alternativos, nem sobre o impacto dos novos túneis e pontes, da derrubada de árvores e da destruição dos bairros.

Novas soluções para novos tempos

É claro que há que se discutir os problemas de mobilidade. A Raposo está congestionada, a zona sul precisa de acessos, etc etc.

Mas onde está a integração entre os projetos de mobilidade e os de urbanismo? Por que o transporte público é sempre a última opção? Por que os projetos são lançados sem discussão e sem comunicação? Como usar melhor os mais de R$ 2 bilhões de verba municipal previstos? Só como exemplo: eles seriam suficientes para comprar mil ônibus elétricos e ainda multiplicar por dez a verba anual de reforma de calçadas.

Já vimos o que acontece quando a passagem de automóveis se torna a única prioridade. Os viadutos do Parque Dom Pedro, o Minhocão e as marginais desfiguram para sempre os lugares onde passam. Na cidade onde tudo é passagem, não há permanência.

Em São Paulo, a distância entre os planos de longo prazo e as decisões do dia a dia, FSP

 A prefeitura apresentou o Plano Municipal Hidroviário, que pretende unir Tietê, Pinheiros e represas para criar um sistema de transporte ao redor da cidade. É estimulante ver um projeto tão importante, de mobilidade e sustentabilidade sendo discutido em audiências públicas, numa iniciativa que junta várias secretarias municipais e a USP.

As imagens apresentadas no plano são lindas e fazem sonhar com uma cidade com águas limpas, rios navegáveis e margens bem cuidadas.

Bem, aí, surge a questão inevitável: a cidade está conseguindo tocar projetos de longo prazo? Dá para confiar nos planos que perpassam várias gestões?

Temo que a resposta seja duplamente negativa.

Viagem experimental da modalidade de barco da Uber no Rio Pinheiros, próximo ao Parque Bruno Covas. - Danilo Verpa/31.jul.2024/Folhapress

Primeiro, porque planos tendem a ser reconfigurados ou ignorados em administrações sucessivas. Um projeto gigante como esse, que dura décadas e promete custar mais de R$ 8 bilhões, vai precisar de um órgão de execução que sobreviva a mudanças políticas e articulação com outros municípios.

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Segundo, porque a administração atual, que foi capaz de se mobilizar para produzir um plano interessante e estratégico como esse, parece hesitante em seguir com ênfase a cartilha da mobilidade sustentável nas ações do dia a dia.

Para começar, tudo que diz respeito à mobilidade ativa anda devagar. Apesar de andar e pedalar serem os meios de transporte mais limpos (pedestres e ciclistas emitem zero gramas de CO2), a Prefeitura construiu muito menos ciclovias e refez muito menos calçadas do que as metas que ela própria estabeleceu. Para piorar, há mais paulistanos morrendo atropelados a cada ano, o que é estimulado pela falta latente de fiscalização. O medo e a falta de estruturas são desincentivos a andar a pé e bicicleta, e incentivos ao uso de transporte individual, numa indesejada inversão de prioridades.

transporte público também é muito menos poluente que o individual, mas não avança, mesmo num ano com caixa para investimentos. Os ônibus elétricos chegaram a apenas 3% da frota contra os 20% previstos. Os corredores de ônibus, que aumentam a velocidade média e são um precioso incentivo à troca de transporte deixaram de ser construídos (6 km contra meta de 40 km). É significativo que a Prefeitura tenha acabado de autorizar a presença de táxis sem passageiros em corredores de ônibus, potencialmente diminuindo uma das maiores vantagens do transporte público.

Para terminar, muitas ações parecem ir na contramão da sustentabilidade. O túnel da Sena Madureira, ao custo de R$ 600 milhões, não prevê transporte público, cortará árvores e destruirá casas. A extensão da marginal Pinheiros vai passar por cima de uma área verde permeável – o futuro parque Jurubatuba – e um incinerador em São Mateus pode vir a derrubar dez mil árvores.

Torço para paulistanos do futuro poderem se transportar de barco por rios limpos e relaxar em parques espetaculares. Entretanto, é difícil imaginar que isso aconteça sem uma mudança nas prioridades das ações de curto prazo, decididas no calor cada vez maior do dia a dia da cidade.