quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Zuckerberg está certo sobre as ordens secretas de censura de Moraes, FSP

 Há muitas razões para encarar com ceticismo —e como oportunismo político— o anúncio de Mark Zuckerberg, CEO da Meta, nesta terça-feira (7). O próprio Zuckerberg frequentemente defendeu e até impôs o tipo exato de censura política online que condenou.

A primeira vez que relatei a censura das big techs foi ao documentar em 2016 a estreita relação do Facebook com o governo israelense. A plataforma aprovava mais de 95% dos pedidos de censura contra jornalistas e ativistas palestinos. Pouco antes da eleição de 2020 nos EUA, o Facebook suprimiu reportagens que desfavoreciam Joe Biden.

homem branco franze o cenho
Mark Zuckerberg, CEO da Meta, em depoimento ao Senado dos EUA em janeiro de 2024 - Andrew Caballero-Reynolds - 31.jan.2024/AFP

Em 2021, o Facebook baniu o então presidente Donald Trump de sua plataforma por dois anos. Durante a pandemia, a empresa removeu uma ampla gama de opiniões divergentes das ortodoxias sobre a Covid-19, a pedido do governo Biden —incluindo visões que o próprio Zuckerberg mais tarde admitiu serem "debatíveis" ou "até verdadeiras".

Independentemente das motivações, há um ponto em que Zuckerberg está inegavelmente correto. Em uma declaração amplamente entendida como direcionada ao Brasil e ao STF, o fundador do Facebook afirmou que "países latino-americanos têm tribunais secretos que podem ordenar que empresas removam conteúdos de maneira silenciosa".

O motivo pelo qual esse comentário foi associado ao Brasil é simples: isso acontece no Brasil. Ironicamente, os mesmos grandes veículos de mídia e autoridades governamentais que protestaram contra a nova política da Meta, alertando sobre os perigos da "desinformação" —e insistindo que só eles podem definir a verdade— espalharam desinformação em resposta.

Eles acusaram Zuckerberg de fazer tal afirmação sobre o Brasil "sem evidências". A verdade é exatamente o oposto: as evidências são claras e abundantes.

Em abril passado, este jornal publicou um editorial com o título: "Censura promovida por Moraes tem de acabar". O texto alertava sobre exatamente o que Zuckerberg apontou ontem: "Ordens secretas de Alexandre de Moraes proíbem cidadãos de se expressarem em redes sociais". E acrescentava: "O secretismo dessas decisões impede a sociedade de escrutinar a leitura muito particular do texto constitucional que as embasa".

Em janeiro de 2023, obtive e publiquei uma dessas muitas ordens secretas de censura emitidas por Moraes. Para entender a veracidade das alegações de Zuckerberg sobre o Brasil, basta ler a ordem de Moraes.

Datada de 11 de janeiro de 2023, foi endereçada a seis plataformas de mídia social, incluindo Facebook e Instagram, da Meta. O ministro do STF ordenava que as plataformas banissem imediatamente as contas de uma longa lista de políticos, jornalistas e comentaristas, incluindo deputados e senadores eleitos.

Como parte da ordem, Moraes exigiu que as plataformas mantivessem a censura em sigilo: "Diante do caráter sigiloso destes autos, deverão ser adotadas as providências necessárias para a sua manutenção", escreveu ele.

Antes de publicar essas ordens, entrevistei várias pessoas cujas contas foram banidas por determinação de Moraes. Nenhuma delas foi informada da existência das ordens ou recebeu explicações sobre o banimento, muito menos teve a oportunidade de contestar sua validade.

Isso é, por definição, uma ordem secreta de censura. Desde então, outras ordens similares de Moraes foram reveladas, incluindo por jornalistas que trabalharam nos chamados Twitter Files.

Pode-se, se quiser, justificar o esquema de censura secreta de Moraes, como muitos já fizeram, junto com tudo o mais que ele realiza. Mas não se pode negar —pelo menos não de forma honesta— a existência desse processo judicial secreto de censura.

Problema do governo Lula não é a comunicação, FSP

 

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) começou o que pode vir a ser uma reforma ministerial pela área da comunicação. Paulo Pimenta, um político petista, deixa a Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) e quem assume o posto é o marqueteiro Sidônio Palmeira.

Por trás da troca está a tese disseminada em gabinetes de Brasília segundo a qual o governo se comunica mal —um lugar-comum do exercício do poder que raramente se pode sustentar.

Em geral cercados por auxiliares pouco dispostos a contrariar o chefe, governantes sempre tendem a acreditar que estão fazendo um bom trabalho, preferindo os fatos e números favoráveis e deixando de lado os demais.

Se a avaliação popular não acompanha o juízo que o mandatário faz de si mesmo, uma reação frequente é concluir que o governo falha em divulgar suas realizações —não em gerir o país.

No caso de Lula, chama a atenção que o desempenho da economia e do emprego nos últimos dois anos, melhor do que o esperado pelos analistas, não se traduza em índices mais robustos de popularidade. Isso não é tão paradoxal assim, porém.

O eleitorado costuma avaliar governos a partir de uma combinação subjetiva de percepções e expectativas, na qual o bem-estar material sem dúvida tem grande peso. Mas bons números no PIB e no mercado de trabalho nem sempre se refletem na vivência cotidiana de todos, ou podem ser ofuscados por dissabores como a alta da inflação, fora inúmeros fatores não econômicos.

Um bom marqueteiro até pode conseguir, momentaneamente, valorizar as boas notícias e suavizar as más, mas não se deve esperar que seja capaz de mudar substancialmente a opinião pública.

Os índices de popularidade do governo Lula pouco mudaram desde o início de seu terceiro mandato. Segundo o Datafolha, ele tem hoje 35% de aprovação e 34% de reprovação; em seu o melhor momento, foi considerado ótimo ou bom por 38%.

A avaliação, portanto, não sofreu grande impacto de indicadores econômicos favoráveis. Isso deve tirar o sono do presidente da República e de seus aliados, já que, daqui para a frente, o cenário deverá ser menos benigno.

A alta do dólar e dos juros, para a qual o petista contribuiu, projeta maior risco inflacionário e um crescimento econômico menor. Enfrentar o desajuste orçamentário, que está na raiz da turbulência financeira, exige providências que contrariam a base petista.

A conjuntura internacional também piorou substancialmente. Dentro de alguns dias haverá a posse de Donald Trump nos EUA, cercada por temores de tarifas de importação e juros mais altos.

Ainda pelo Datafolha, 61% dos brasileiros consideram que a economia está no rumo errado —má notícia para um governo que ainda não firmou marcas em outros setores. Uma reforma ministerial faria melhor, nesse contexto, em mirar eficiência gerencial e maior sustentação no Congresso.

editoriais@grupofolha.com.br

Convertidos - Jesus foi batizado, será que eu deveria ser?, questionou-se ex-espírita convertido católico, FSP

 Anna Virginia Balloussier

São Paulo

O analista de dados Arthur Rezende, 24, converteu-se ao catolicismo após querer entender melhor o que tinha a dizer "uma instituição de 2.000 anos, sólida". Ele conta sobre essa jornada em depoimento à Folha.

Meus pais são espíritas, mas eu era espírita não só porque eles eram. Estudava os livros básicos da doutrina, o do Allan Kardec. Desde pequeno frequentava o centro, já participei de reuniões mediúnicas.

No Brasil tem vários tipos de espírita, como os ex-católicos que se converteram ao espiritismo e renegam tudo o que tem a ver com a Igreja Católica. E tem as pessoas que se convertem às duas coisas, né? São católicos, são espíritas, tem uma certa mistura ali.

A visão que eu sempre tive era de que [as duas religiões] são coisas diferentes e tal. Minha visão era bem a visão do brasileiro médio sobre a Igreja Católica.

Um jovem homem com óculos está posicionado à esquerda da imagem, olhando para o lado. Ele usa uma camiseta escura e tem cabelo curto e liso. O fundo é de uma cor azul sólida, criando um contraste com a sua figura.
Arthur Rezende, que decidiu se converter católico depois da pandemia - Karime Xavier/Folhapress

Na pandemia, parei de frequentar o centro por razões óbvias. Foi quando comecei a pesquisar mais na internet [sobre catolicismo], mais pelo interesse na religião como um todo.

E aí, nessa época, eu falei: cara, não sou batizado, né? Esse foi um grande clique de conversão para mim.

Eu não era batizado. Jesus foi batizado. Será que eu deveria ser batizado? Será que não? Mas o que é o batismo?

Segundo a Igreja Católica, o batismo é um sacramento. Ah, mas o que é um sacramento? E aí fui estudando e entrando em contato com coisas definitivamente católicas.

Num primeiro momento, [acessei] muito material do padre Paulo Ricardo. Lembro de cair num vídeo dele assim: por que o católico não pode ser espírita?

Acho que a [incompatibilidade] central é a definição de quem é Cristo.

Para o espírita, Jesus é um ser evoluído, que foi criado como todos nós, nasceu simples e ignorante, e foi evoluindo ao longo de milhares de anos. Hoje faz parte dos espíritos iluminados, é como se fosse um guia espiritual da Terra.

Na Igreja Católica, Jesus Cristo é Deus que se fez homem, na trindade Pai, Filho e Espírito Santo.

Na minha concepção, se a gente fosse capaz de compreender Deus, ele não seria Deus. Se a gente conseguisse racionalmente olhar e dizer "ah, Deus é isso". Mas, ao mesmo tempo, existe um caminho racional. Eu fui atrás das duas coisas e comecei a comparar [espiritismo e catolicismo].

Sempre achei importante ter uma religião, né? Eu estava num limbo. Não, acho que não dá mais para ser espírita. E virar católico parecia uma coisa radical.

A fé é de Deus para nós, né? Então, não é dizer "ah, eu virei católico porque eu fui estudar". Mas, para mim, o processo de conversão passou por essa parte racional, vamos dizer assim.

Dava para contar nos dedos as vezes em que eu tinha ido na missa —sei lá, para o batismo de alguma prima. Tive uma ex-namorada que era católica. Eu não conseguia imaginar casar [com ela] justamente pensando nessa diferença de religião.

Antes, para mim a igreja era algo completamente irracional. Eu via as pessoas indo se confessar e achava, "pô, que hipocrisia, ficar fazendo um monte de merda e depois ir lá e se confessar". Tipo, para que serve isso?

Percebi que a ideia que eu tinha, de que era uma historinha que meia dúzia de pessoas inventaram, falava sobre uma instituição de 2.000 anos, sólida. Bom, acho que preciso ser humilde e entender quais são os argumentos de São Tomás de Aquino para essas coisas que a igreja defende, por exemplo.

Estudei os sacramentos: o que é o batismo, o que é o casamento, o que é a confissão —essa percepção de que não é o padre que está ali decidindo se vai perdoar [quem confessa um pecado].

O argumento é que isso que foi instituído por Jesus, dando a autoridade aos seus sucessores, que são os apóstolos, e depois aos sucessores deles, os padres. Quando o padre dá o perdão dos pecados, está agindo "in persona Christi", no lugar de Cristo.

Então, eu estava nesse limbo. Achei que precisava resolver isso. Tem um serviço de assinatura católica muito legal, Minha Biblioteca Católica. Eles mandam um formulário em que perguntam: você é católico? Botei: não. Mas teve um momento em que falei: não dá para voltar pra trás, certo? Sou católico.

O batismo não foi essa experiência mística para mim. Quando vejo outros adultos e crianças sendo batizados, me emociona. Mas no dia lá acho que eu estava meio anestesiado. Foi em 2022.

Me casei em setembro de 2023. Minha esposa é católica. Descobri que ela era meio "católica de IBGE" [não praticante]. Ela ficou mais interessada e se aproximou da igreja mais ou menos nessa época em que eu estava me convertendo.

A liturgia ao redor da missa é belíssima. E eu gosto de música, né? Então, poder ter a oportunidade de estar num coral, com um canto gregoriano, com um órgão, acho belíssimo.

Na minha bolha, a percepção é de que tem mais pessoas se convertendo, tentando deixar de ser um "católico de IBGE" para ser um católico que entende o que é a igreja. Na Catedral da Sé, 300 jovens e adultos receberam o sacramento do Cristo [no último sábado de novembro], a crisma.

Quando a pessoa entende que a igreja não é essa visão estereotipada que a gente vê na escola, não é esse monte de bobagem, ela vai perceber uma riqueza absurda.


Entenda a série

Folha questionou um evangélico, um católico, um muçulmano, uma umbandista e uma hare krishna sobre os motivos que os levaram a trocar de crença. As respostas, em formato de depoimento pessoal, serão publicadas a partir desta quinta (26), na série Convertidos.