quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Perda de faturamento de usinas eólicas e solares , Jerson Kelman, FSP

 


No passado, uma nova usina de geração de energia elétrica que se interligasse ao sistema de transmissão em alta voltagem era caracterizada pela quantidade de energia que produziria durante uma seca extrema e pelo preço unitário dessa energia.

O ritmo de entrada de novas usinas obedecia ao planejamento governamental centralizado, como na União Soviética. O parque gerador era constituído quase inteiramente por usinas hidroelétricas, que conseguem injetar na rede elétrica a sua plena potência quase instantaneamente, caso necessário. Assim como uma Ferrari, ao fazer uma ultrapassagem. Havia também as termoelétricas flexíveis, que eram acionadas apenas durante as secas.

Ambas, hidro e termoelétricas, utilizam máquinas síncronas, cuja inércia é fundamental para manter o equilíbrio instantâneo entre produção e consumo de eletricidade.

A imagem mostra um parque eólico com várias turbinas eólicas brancas em uma área montanhosa. O céu está claro com algumas nuvens, e a vegetação ao redor é predominantemente verde, com uma estrada de terra visível ao longo do terreno. No fundo, mais turbinas eólicas podem ser vistas se estendendo pela paisagem.
Complexo eólico Rio do Vento, operado pela Casa dos Ventos no Rio Grande do Norte - Divulgação

No presente, parte relevante da matriz é formada por geradores solares e eólicos, que têm a vantagem de não depender de combustíveis fósseis, assim como as hidroelétricas. Porém, têm a desvantagem de não possuir os atributos "Ferrari" das hidroelétricas. Por isso a variação de ventos e insolação ao longo do dia pode provocar falhas e instabilidades na rede elétrica. Para evitar blecautes, o Operador Nacional do Sistema (ONS) às vezes restringe a geração de fontes solares e eólicas. É o chamado curtailment.

O problema se agrava quando insolação e vento fortes coincidem com fraca demanda energética. Situações desse tipo ocorrem cada vez mais frequentemente porque o Congresso Nacional tem aprovado leis e adotado procedimentos que desmantelam a governança do setor elétrico e incentivam a instalação de novas usinas de geração de forma descontrolada, desatrelada do crescimento da demanda.

Quando ocorre um curtailment, o gerador solar ou eólico tem que comprar de outros geradores a energia que vendeu e que poderia produzir, mas que foi impedido de injetar na rede.

Segundo a regra atual, esse gerador tem direito a ressarcimento —custeado por todos os consumidores via encargo setorial (embutido nas contas de luz)— apenas quando o curtailment é causado por alguma indisponibilidade do sistema de transmissão. Nas outras situações, cada prejuízo deve ser arcado pelo correspondente gerador. Em 2024, a soma desses prejuízos atingiu cerca de R$ 1 bilhão.

É compreensível que os geradores eólicos e solares queiram ampliar as regras de ressarcimento, o que elevaria a conta de luz de todos os consumidores. Afinal, são também vítimas de uma legislação mal concebida.

Porém, quando o ONS provoca um curtailment devido à ausência de atributos necessários à segurança sistêmica desses geradores, ou devido à súbita variação da demanda energética agregada por efeito de igual variação da geração distribuída (telhados ou "fazendas" solares), não me parece razoável que o correspondente custo seja alocado à maioria dos consumidores, na forma de um encargo mais gordo embutido na conta de luz.

Afinal são esses consumidores que já pagam caro pelos serviços sistêmicos prestados pelas usinas hidroelétricas e termoelétricas. Ou seja, penso que o custo do curtailment deveria ser alocado a quem objetivamente lhe deu origem, mesmo sem intencionalidade.

Anúncio de Zuckerberg comprova o declínio da cultura woke, FSP

 Leandro Narloch

Jornalista e autor de 'Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil' (ed. Globo), entre outros

Em 2017, o engenheiro do Google James Demore publicou um memorando interno com a sua opinião sobre os motivos da menor presença de mulheres entre os programadores. Dias depois, foi demitido pelo Google.

Esse episódio é considerado o marco de início da cultura woke, ou identitária, a onda de exibicionismo moral e de intolerância supostamente em defesa de minorias e grupos discriminados.

Agora parece que temos um marco do declínio da cultura woke: o anúncio de Mark Zuckerberg de que o Facebook e o Instagram vão aderir às notas de comunidade e garantir liberdade de expressão de opiniões políticas ou sobre gênero.

A imagem mostra o logotipo da Meta, que consiste em um símbolo azul em forma de infinito, acompanhado da palavra 'Meta' em letras pretas. A parte inferior da imagem apresenta um close do rosto de Zuckerberg.
Mark Zuckerberg, CEO da Meta, e um telefone exibindo a página do aplicativo do Facebook - Drew Angerer/7.jan.25/AFP

Demorou um bocado, mas Zuckerberg falou verdades. Está certíssimo ao se livrar das agências de fact-checking, que ganharam o nome de "left-checking", por se concentrarem nas mentiras da direita e passarem pano para as da esquerda.

O viés das agências de checagem estava acumulando esqueletos no armário da Meta. O principal deles foi o caso da reportagem do New York Post sobre o laptop de Hunter Biden. A matéria foi tratada como desinformação e censurada pelo Facebook e Twitter, mas investigações posteriores confirmaram o que dizia.

Além disso, o X mostrou que as notas de comunidade prestam um serviço de checagem custando muito menos. Um estudo publicado em abril pelo Journal of the American Medical Association concluiu que as notas de comunidade do X funcionam bem para conter a desinformação sobre a vacinação contra Covid: 93% delas citam fontes com boa credibilidade.

Vi comentaristas do UOL e da GloboNews dizendo que Zuckerberg "se ajoelhou a Trump" e que defende redes sociais "sem nenhum tipo de freio, limite ou regulação". Bobagem.

Zuckerberg sabe muito bem que redes sociais sem moderação seriam um inferno. YouTube, Twitter e Meta quebram a cabeça para manter suas redes como ambientes minimamente saudáveis. Removem ou desfavorecem milhões de publicações violentas, racistas, pornográficas e com conteúdos tóxicos, como as que ensinam adolescentes a se mutilar.

O dono da Meta deixou claro que se orgulha da atenção que dá a conteúdos perigosos sobre "drogas, terrorismo, exploração de crianças". O que vai deixar de fazer é restringir opiniões sobre imigração ou gênero "que estão fora de sintonia com o discurso predominante".

Mais uma vez, está certíssimo. Nos últimos anos, ativistas criaram uma oposição entre minorias discriminadas e a liberdade de expressão. Venderam a ideia de que discordar do movimento negro, gay trans ou feminista equivale a ser racista, homofóbico, transfóbico ou machista. Na verdade, a busca pelas melhores soluções contra a discriminação e a desigualdade exige um debate aberto, em que ideias possam ser livremente defendidas ou criticadas.

E é um tanto simplista dizer que a Meta resolveu adular Trump. Há uma ressaca das posições identitárias não só entre as grandes empresas, mas também entre a esquerda.

Logo após a eleição de Trump, a democrata Alexandria Ocasio-Cortez removeu de suas redes menções a "pronomes adequados". No Brasil, durante a eleição municipal, Guilherme Boulos sentiu o ônus de seu partido defender a linguagem neutra.

Por fim, Zuckerberg está certíssimo ao criticar os "tribunais secretos" de censura na América Latina, dos quais a própria Folha foi vítima. Agora precisa sair do discurso, enfrentar os desmandos antidemocráticos de Alexandre de Moraes e expor as ordens secretas de censura que suas redes tiveram que obedecer no Brasil.

Com Zuck e Musk na coleira, mentiroso Trump late para o mundo, Marcos Augusto Gonçalves, FSP

 Numa patética declaração de sabujice e oportunismo, Mark Zuckerberg ajoelhou e rezou para Donald Trump, o novo presidente CEO dos Estados Unidos, conhecido mentiroso serial.

O anúncio da reviravolta na política de moderação de conteúdos na Meta, dona do Facebook e do Instagram, não pareceu ter nada a ver com convicções e princípios. Foi uma rendição governista em defesa de seus bilhões, o que diz muito sobre a situação da comunicação de massas em nossos tempos de big techs e pós-verdades.

A declaração fez lembrar aqueles vídeos gravados à força por ativistas "arrependidos", com uma arma fora de cena apontada para sua testa. É bastante preocupante que o arrependido tenha citado um suposto consenso de ideias na América e aceitado docilmente a coleira de Trump para latir com o pitbull louro contra o mundo, especialmente o ocidental.

Em sua defesa da desinformação, com sórdida manipulação de estereótipos, o famoso Zuck considerou que o governo americano é o único defensor da liberdade de expressão, em contraste com a Europa reguladora e com a América Latina e seus "tribunais secretos" a ameaçar o "free-speech".

Um homem com cabelo cacheado e óculos escuros está em um palco, usando uma camiseta preta com texto. Ele parece estar se preparando para falar em um evento, com um fundo desfocado que sugere um ambiente de apresentação.
Mark Zuckerberg usa óculos de realidade aumentada da empresa durante evento na Califórnia - Manuel Orbegozo - 12.dez.24/Reuters

Os EUA, não é demais lembrar, aprovaram lei para banir o TikTok, mantêm uma prisão secreta em GuantánamoCuba, fora de qualquer regramento democrático, paparicam a ditadura assassina e repressora da Arábia Saudita e têm longa tradição de desestabilizar regimes escolhidos pelas urnas. Sim, é forte democracia, em muitos aspectos exemplar —mas contra ela Trump sempre investiu.

Zuckerberg não deu bola para Rússia e para a China, talvez para não chatear o "boss", amigo de Putin, e o novo correligionário, Elon Musk, que tem negócios no gigante asiático e não abre o bico para falar de restrições a direitos naquele país.

Pode-se rejeitar decisões do STF em seu ativismo crescente, simbolizado pelo importante mas pouco transparente e interminável inquérito conduzido por Alexandre de Moraes. Aqui mesmo seus excessos já foram criticados —e acrescentaria apreensão sobre como está se encaminhando o julgamento do Marco Civil da Internet.

Daí a cair na conversa mistificadora, populista e nociva de Zuckerberg vai longa distância. Trump, aliás, traz, como se sabe, esse risco da retomada da polarização. Mesmo críticos democráticos de Lula ou do STF podem ser capturados pela armadilha do alinhamento com o polo da direita trumpista e seu exército fascistoide que diz defender liberdade de expressão.

O apagão total de matizes se anuncia incontível, e assim voltaremos a chafurdar no atoleiro do qual na verdade ainda não saímos.

O tema da regulação das plataformas é complexo, não há espaço para discuti-lo aqui. Mas vale lembrar que tem seus elementos ocultos, mais ameaçadores do que os fantasiosos "tribunais secretos" temidos pelo magnata de camiseta da Meta: os algoritmos. Não é possível falar em plena liberdade de expressão e transparência sem luz sobre esses editores digitais. Recomendaria a leitura de "A Máquina do Caos", de Max Fisher.

Na imprensa profissional existem filtros, posicionamentos públicos e jornalistas responsáveis pelas publicações. A empresa é solidária em condenações da Justiça. Mas como responsabilizar algoritmos e a "comunidade" de Musk e Zuckerberg?