sexta-feira, 12 de julho de 2024

Entenda como é o uso de drogas em países que foram além da descriminalização, FSP

 

SÃO PAULO

descriminalização do porte de maconha para uso decidida pelo STF (Supremo Tribunal Federal) tem movimentado debates sobre outros passos nas políticas de drogas no Brasil. No mundo, alguns países têm experimentado diferentes modelos de uso recreativo regulado da droga.

É o caso de Espanha e de Malta. Para driblar as barreiras legais contra a legalização na União Europeia, esses países optaram por incluir outras soluções sob a descriminalização.

No caso da Cannabis, é possível adquirir a droga por meio dos clubes canábicos, que em geral são associações sem fins lucrativos para cultivo e distribuição a um número limitado de membros.

Em Barcelona, na Espanha, até estrangeiros podem —fazendo contato e recebendo um convite— se juntar aos clubes, que cobram pela assinatura e pela droga.

A imagem mostra um pote de vidro em foto vertical aberto contendo ervas secas. De cada lado estão potes parecidos, fechados com tampas metálicas.
Flores de maconha usadas em um estudo no Colorado, nos EUA - Kevin Mohatt - 19.dez.2019/Reuters

Mas o uso de drogas em público continua sendo alvo de sanções como multas, confisco das substâncias e suspensão de documentos. De acordo com o site Talking Drugs, as penalidades na Espanha variam de 601 a 30 mil euros (R$ 3.576 a R$ 178,5 mil).

Já a Alemanha, que copiou o modelo dos clubes canábicos para até 500 membros, permite que cidadãos portem até 25 gramas e fumem maconha em público, exceto nos arredores de escolas, centros esportivos ou zonas movimentadas de pedestres (entre 7h e 20h).

Em Luxemburgo, apesar da legalização da maconha para uso recreativo e de cultivo doméstico de até quatro plantas, há penalidades para quem porta a droga ou faz uso dela em público, com multas que vão de 25 a 500 euros (R$ 149 a R$ 2.975). Fumar na presença de menores pode resultar em até seis meses de prisão.

A pena sobe bastante para quem planta Cannabis fora de casa ou cultiva mais do que as quatro plantas permitidas. São até cinco anos de prisão e uma multa de até 250 mil euros (R$ 1,5 milhão). Atualmente, o país discute a criação de clubes canábicos.

No Canadá, que regulamentou a maconha em 2018, adultos a partir dos 19 anos devem seguir as mesmas regras aplicadas ao uso de tabaco, mantendo distância de locais públicos com prática de esportes, prédios públicos, áreas comuns de condomínios ou dormitórios e pontos de ônibus, entre outros.

As experiências em diferentes níveis de reforma na política de drogas —da descriminalização à regulação— têm modelos adaptados, mas são, em geral, particulares. Cada país experimenta essas mudanças de formas diferentes.

O uso e a aquisição de maconha na Jamaica, por exemplo, são legalizados para o rastafarianismo, bem como para uso médico. O restante do público que for pego na condição de usuário (porte até 56,7 gramas ou de até cinco plantas em casa) fica sujeito a multa de 500 dólares jamaicanos (pouco mais de R$ 17).

Já a Tailândia viu seu mercado canábico mirar cifras bilionárias há cerca de dois anos após uma legalização do uso recreativo por meio da retirada da droga de uma lista de substâncias controladas, mas deve voltar a restringir o uso ao medicinal.

As categorias como descriminalização ou legalização podem significar coisas diferentes. Na Holanda, por exemplo, há uma descriminalização informal, com a tolerância do consumo de maconha em espaços públicos e o comércio da droga nos chamados "coffee shops" —abastecidos de forma ilegal— famosos em Amsterdã.

Nos Estados Unidos, maconha ainda é ilegal sob a lei federal, mas 24 estados e Washington, D.C. (Distrito de Columbia, semelhante ao Distrito Federal no Brasil) legalizaram o uso recreativo da droga.

Em geral, o uso é proibido ou dificultado em espaços públicos movimentados ou perto de menores de idade, e as plantas cultivadas devem ser mantidas fora da visão de terceiros. O delivery é comum, mas pode ser proibido, a exemplo da lei do Maine, nas "drug free zones" (áreas livres de drogas), como os arredores de escolas.

Nevada proíbe o uso público e só permite o plantio se o interessado residir a 40,2 km da loja mais próxima. Já em Vermont, onde também é proibido fumar fora de casa, a lei permite o cultivo simultâneo de até seis plantas, desde que apenas duas estejam maduras. Em Michigan, é possível cultivar até 12 plantas, comprar até 70,8 gramas e guardar até 283 gramas em casa, mas o porte permitido é de, no máximo, 15 gramas.

Já em Washington e Illinois, o cultivo para uso não medicinal continua proibido, mesmo com a legalização da maconha para fins recreativos.

Estados também podem definir quantidades de acordo com o produto final, como é o caso de Nova Jersey. É permitido, em cada transação, adquirir 28,35 gramas da flor seca, quatro gramas de concentrados em resina ou seu equivalente em líquido ou óleo para vapes, ou dez pacotes de 100 mg de balas.

Em Nova York, é permitido usar maconha onde se usa tabaco, segundo o governo estadual, e fica vetado o uso dentro de veículos, restaurantes (e seus pátios), propriedade federal e em parques e praças, regra replicada na cidade homônima.

Já na Califórnia, que legalizou a maconha em 2018, é proibido consumir Cannabis em locais públicos, assim como em Massachusetts e no Colorado, que legalizou o uso recreativo em 2012. Conhecido pelo turismo nos resorts de esqui em Aspen, o estado permite que turistas comprem 28 gramas de maconha, mesma quantidade permitida aos residentes, o que é comum onde o uso recreativo é legalizado.

As diferenças entre regiões também ocorrem na Austrália, onde a maconha foi descriminalizada nos territórios da Capital, do Norte e Meridional. Na capital, também foi retirado o caráter criminal do porte de metanfetamina, anfetamina, cocaína, psilocibina, heroína, MDMA e LSD, como ocorre em outros países.

Mas quem for pego com alguma dessas drogas, mesmo com as quantidades permitidas, pode pagar multa de cem dólares australianos (R$ 370, aproximadamente) e ser direcionado a um programa de avaliação e tratamento voluntário.

Se uma pessoa estiver com três ou mais das substâncias permitidas, pode ser condenada a até seis meses de prisão. No território do Norte, quem for flagrado pode receber multa de 200 dólares australianos (R$ 740), que deve ser paga em até 28 dias para evitar uma acusação criminal.


Governo tem resistência a criar subsídio para o setor de energia eólica, FSP

  

BRASÍLIA

A escassez de novos contratos de geração de energia eólica fez o segmento entrar em contato com o governo e acusar usinas solares de concorrência desleal por contarem com subsídios e importarem suas placas fotovoltaicas da China.

Dentre o pedidos feitos ao governo, está o corte de impostos para o parque fabril e medidas voltadas à exportação. No entanto, a inclusão de novos subsídios em um eventual pacote de socorro à indústria eólica gera resistências na equipe econômica, preocupada com o desequilíbrio nas contas públicas e com as distorções já existentes na conta de luz.

Em vez disso, a preferência é tentar mitigar os problemas por meio de mudança em linhas de crédito público. Conforme relatos feitos à Folha, uma abordagem por meio dos empréstimos é mais aceita devido à visão de que a indústria eólica usa fábricas nacionais com mais intensidade do que a solar —que conta com condições similares de crédito e cresce em ritmo acelerado no país usando em grande parte produtos importados.

Torres eólicas da cidade de Dom Inocêncio, no interior do Piauí e sede do maior parque eólico da América Latina. É um dos locais mais atrativos para a geração desse tipo de energia

Dados da balança comercial mostram que, em 2023, o Brasil importou US$ 3,8 bilhões (R$ 20 bilhões) em placas solares –praticamente tudo da China. Já o desembarque de componentes eólicos, em comparação, ficou em torno de 6% desse valor.

Ambos os setores apresentam um histórico de crescimento firme na matriz energética brasileira, mas a geração fotovoltaica avançou sete vezes o ritmo observado na eólica desde 2014.

As mudanças estudadas pelo governo seriam feitas no crédito direcionado do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A intenção é melhorar condições para operações com mais conteúdo nacional, o que pode trazer alívio ao setor eólico –embora a ideia seja não prejudicar os empreendimentos solares.

De acordo com o BNDES, atualmente as condições de financiamento são as mesmas para projetos eólicos e solares –exceto para projetos de energia solar do tipo A (com mais componentes nacionais). Nesse caso, há redução de taxa do banco para um patamar entre 1,05% e 1,1% ao ano (contra 1,45% a 1,5% nas demais fontes). No caso das eólicas, não existe o benefício.

Representantes das empresas já se encontraram em diferentes ocasiões com o governo para negociar uma política setorial, argumentando que, neste ano, nenhum novo contrato para usinas de geração eólica foi assinado. Como os efeitos na produção são observados nos anos seguintes, o temor é de agravamento no cenário de demissões e fechamentos de fábricas que atendem ao setor.

Para analisar o assunto, o governo montou um grupo de trabalho coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic). As discussões tiveram relatoria da própria Abeeólica e o documento final foi encaminhado à Casa Civil no mês passado. O Mdic afirma que o texto não representa necessariamente a posição da pasta.

O documento, não tornado público e obtido pela Folha, sugere ainda medidas tributárias ao segmento para incentivar a exportação (pelo chamado drawback, que reduz ou elimina impostos sobre insumos desde que eles sejam usados em bens destinados ao mercado externo).

Também propõe extinção de subsídios para a geração distribuída (quando a energia é produzida perto de onde será usada, como painéis solares em casas, em vez de usinas distantes). De acordo com a Abeeólica, essa expansão é custeada pelo consumidor e distorce a oferta.

um plano de exportação de turbinas eólicas, adequações no financiamento, inclusão de baterias associadas a geração renovável em leilões de renováveis e fomento a serviços ligados ao segmento.

O cenário de baixa demanda se formou por uma combinação de motivos, de acordo com . Além do crescimento da energia solar, com seus preços competitivos e consequente maior apelo entre os consumidores do mercado livre (indústrias e grandes comércios), é citado o barateamento da energia no país devido à melhora no nível das hidrelétricas nos anos recentes.

Elbia Gannoum, presidente da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), afirma que foi discutida com o governo uma lista de potenciais medidas, incluindo um plano de alívio de impostos para a cadeia de produção e para a exportação –para que a indústria nacional de componentes eólicos não se desmobilize em momentos de menor demanda no mercado doméstico.

"Pedimos para desonerar a exportação. É uma política tributária para uma cadeia que vai exportar e gerar emprego", diz. "No momento de baixa, podemos exportar", afirma.

A Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos) tem afirmado ao governo que as fabricantes instaladas no Brasil já sofreram diversos reveses decorrentes de políticas públicas que privilegiaram as importações em detrimento da produção nacional. A entidade também demanda taxas maiores para aerogeradores importados.

Apesar da preocupação e das diferentes medidas na mesa, na equipe econômica é dito que ajuda não é subvenção. De acordo com uma pessoa que acompanha de perto as discussões, a demanda por energia vai continuar crescendo e a análise deve se voltar a encontrar meios de manter as fontes renováveis competitivas com medidas regulatórias, como as de crédito.

A visão sobre a demanda é reforçada por estimativas da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia, que vê um momento de excesso de oferta de energia, mas calcula uma necessidade de expansão ligada ao ritmo de avanço do PIB (Produto Interno Bruto) nos próximos anos.

"Conjunturalmente, o Brasil vive uma sobreoferta de energia. Nesse contexto, considerando oferta e demanda, o preço tende a cair, influenciando decisões de investimento em qualquer negócio", afirma Thiago Ivanoski, diretor de Estudos Econômicos e Ambientais da EPE.

"Entretanto, os estudos de planejamento indicam que, com o crescimento da economia e o aumento de demanda, a maior parte da expansão indicativa deve se dar por meio de energia renovável", diz.

Consultada, a Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) nega que o segmento tenha vantagens creditícias e afirma ter uma carga tributária total maior. A entidade diz que as empresas do ramo têm menores custos devido à maturidade tecnológica e de mercado e que o discurso das empresas eólicas "transfere uma responsabilidade do próprio setor de se manter competitivo".

"Vale ressaltar que o mercado de energia elétrica tende cada vez mais a sua liberalização, dependendo cada vez menos de leilões e cada vez mais de empreendedores no ambiente de contratação livre", afirma a Absolar, em nota. "Dentro deste ambiente justo e competitivo, cada setor deve apresentar suas soluções e conquistar seu espaço, e quem ganha com isso são os consumidores", diz.

MEDIDAS SUGERIDAS PELA ABEEÓLICA

  • Desoneração da cadeia de fabricação, para reduzir custos de matérias-primas e insumos para componentes como pás e torres.

  • Incentivo ao regime drawback, para exportação de máquinas e equipamentos eólicos.

  • Adequações nas linhas de crédito, melhorando condições de financiamento de geração de energia eólica, prover novas linhas de crédito para exportação de bens de capital e reduzir a volatilidade da TLP (Taxa de Longo Prazo) para maior previsibilidade.

  • Extinção de subsídios para geração distribuída, para evitar distorções na expansão da oferta de geração.

  • Inclusão de baterias no leilão de reserva de capacidade, para aumentar a eficiência do armazenamento de energia renovável.

  • Aprovação do marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono, garantindo segurança jurídica e fomentando investimentos.

  • Fomento ao setor de serviços de manutenção das usinas, com redução temporária de impostos para serviços prestados no exterior (para que empregados ociosos sejam usados em fábricas estrangeiras).

  • Aprovação do marco legal das eólicas offshore, para desenvolver a indústria eólica offshore com segurança jurídica e estabilidade.

  • Aprovação do marco legal do mercado de carbono, para estabelecer regras para descarbonização da economia.