A escassez de novos contratos de geração de energia eólica fez o segmento entrar em contato com o governo e acusar usinas solares de concorrência desleal por contarem com subsídios e importarem suas placas fotovoltaicas da China.
Dentre o pedidos feitos ao governo, está o corte de impostos para o parque fabril e medidas voltadas à exportação. No entanto, a inclusão de novos subsídios em um eventual pacote de socorro à indústria eólica gera resistências na equipe econômica, preocupada com o desequilíbrio nas contas públicas e com as distorções já existentes na conta de luz.
Em vez disso, a preferência é tentar mitigar os problemas por meio de mudança em linhas de crédito público. Conforme relatos feitos à Folha, uma abordagem por meio dos empréstimos é mais aceita devido à visão de que a indústria eólica usa fábricas nacionais com mais intensidade do que a solar —que conta com condições similares de crédito e cresce em ritmo acelerado no país usando em grande parte produtos importados.
Dados da balança comercial mostram que, em 2023, o Brasil importou US$ 3,8 bilhões (R$ 20 bilhões) em placas solares –praticamente tudo da China. Já o desembarque de componentes eólicos, em comparação, ficou em torno de 6% desse valor.
Ambos os setores apresentam um histórico de crescimento firme na matriz energética brasileira, mas a geração fotovoltaica avançou sete vezes o ritmo observado na eólica desde 2014.
As mudanças estudadas pelo governo seriam feitas no crédito direcionado do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A intenção é melhorar condições para operações com mais conteúdo nacional, o que pode trazer alívio ao setor eólico –embora a ideia seja não prejudicar os empreendimentos solares.
De acordo com o BNDES, atualmente as condições de financiamento são as mesmas para projetos eólicos e solares –exceto para projetos de energia solar do tipo A (com mais componentes nacionais). Nesse caso, há redução de taxa do banco para um patamar entre 1,05% e 1,1% ao ano (contra 1,45% a 1,5% nas demais fontes). No caso das eólicas, não existe o benefício.
Representantes das empresas já se encontraram em diferentes ocasiões com o governo para negociar uma política setorial, argumentando que, neste ano, nenhum novo contrato para usinas de geração eólica foi assinado. Como os efeitos na produção são observados nos anos seguintes, o temor é de agravamento no cenário de demissões e fechamentos de fábricas que atendem ao setor.
Para analisar o assunto, o governo montou um grupo de trabalho coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic). As discussões tiveram relatoria da própria Abeeólica e o documento final foi encaminhado à Casa Civil no mês passado. O Mdic afirma que o texto não representa necessariamente a posição da pasta.
O documento, não tornado público e obtido pela Folha, sugere ainda medidas tributárias ao segmento para incentivar a exportação (pelo chamado drawback, que reduz ou elimina impostos sobre insumos desde que eles sejam usados em bens destinados ao mercado externo).
Também propõe extinção de subsídios para a geração distribuída (quando a energia é produzida perto de onde será usada, como painéis solares em casas, em vez de usinas distantes). De acordo com a Abeeólica, essa expansão é custeada pelo consumidor e distorce a oferta.
um plano de exportação de turbinas eólicas, adequações no financiamento, inclusão de baterias associadas a geração renovável em leilões de renováveis e fomento a serviços ligados ao segmento.
O cenário de baixa demanda se formou por uma combinação de motivos, de acordo com . Além do crescimento da energia solar, com seus preços competitivos e consequente maior apelo entre os consumidores do mercado livre (indústrias e grandes comércios), é citado o barateamento da energia no país devido à melhora no nível das hidrelétricas nos anos recentes.
Elbia Gannoum, presidente da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), afirma que foi discutida com o governo uma lista de potenciais medidas, incluindo um plano de alívio de impostos para a cadeia de produção e para a exportação –para que a indústria nacional de componentes eólicos não se desmobilize em momentos de menor demanda no mercado doméstico.
"Pedimos para desonerar a exportação. É uma política tributária para uma cadeia que vai exportar e gerar emprego", diz. "No momento de baixa, podemos exportar", afirma.
A Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos) tem afirmado ao governo que as fabricantes instaladas no Brasil já sofreram diversos reveses decorrentes de políticas públicas que privilegiaram as importações em detrimento da produção nacional. A entidade também demanda taxas maiores para aerogeradores importados.
Apesar da preocupação e das diferentes medidas na mesa, na equipe econômica é dito que ajuda não é subvenção. De acordo com uma pessoa que acompanha de perto as discussões, a demanda por energia vai continuar crescendo e a análise deve se voltar a encontrar meios de manter as fontes renováveis competitivas com medidas regulatórias, como as de crédito.
A visão sobre a demanda é reforçada por estimativas da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia, que vê um momento de excesso de oferta de energia, mas calcula uma necessidade de expansão ligada ao ritmo de avanço do PIB (Produto Interno Bruto) nos próximos anos.
"Conjunturalmente, o Brasil vive uma sobreoferta de energia. Nesse contexto, considerando oferta e demanda, o preço tende a cair, influenciando decisões de investimento em qualquer negócio", afirma Thiago Ivanoski, diretor de Estudos Econômicos e Ambientais da EPE.
"Entretanto, os estudos de planejamento indicam que, com o crescimento da economia e o aumento de demanda, a maior parte da expansão indicativa deve se dar por meio de energia renovável", diz.
Consultada, a Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) nega que o segmento tenha vantagens creditícias e afirma ter uma carga tributária total maior. A entidade diz que as empresas do ramo têm menores custos devido à maturidade tecnológica e de mercado e que o discurso das empresas eólicas "transfere uma responsabilidade do próprio setor de se manter competitivo".
"Vale ressaltar que o mercado de energia elétrica tende cada vez mais a sua liberalização, dependendo cada vez menos de leilões e cada vez mais de empreendedores no ambiente de contratação livre", afirma a Absolar, em nota. "Dentro deste ambiente justo e competitivo, cada setor deve apresentar suas soluções e conquistar seu espaço, e quem ganha com isso são os consumidores", diz.
MEDIDAS SUGERIDAS PELA ABEEÓLICA
Desoneração da cadeia de fabricação, para reduzir custos de matérias-primas e insumos para componentes como pás e torres.
Incentivo ao regime drawback, para exportação de máquinas e equipamentos eólicos.
Adequações nas linhas de crédito, melhorando condições de financiamento de geração de energia eólica, prover novas linhas de crédito para exportação de bens de capital e reduzir a volatilidade da TLP (Taxa de Longo Prazo) para maior previsibilidade.
Extinção de subsídios para geração distribuída, para evitar distorções na expansão da oferta de geração.
Inclusão de baterias no leilão de reserva de capacidade, para aumentar a eficiência do armazenamento de energia renovável.
Aprovação do marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono, garantindo segurança jurídica e fomentando investimentos.
Fomento ao setor de serviços de manutenção das usinas, com redução temporária de impostos para serviços prestados no exterior (para que empregados ociosos sejam usados em fábricas estrangeiras).
Aprovação do marco legal das eólicas offshore, para desenvolver a indústria eólica offshore com segurança jurídica e estabilidade.
Aprovação do marco legal do mercado de carbono, para estabelecer regras para descarbonização da economia.
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