quinta-feira, 11 de julho de 2024

Hélio Schwartsman - Conceitos de esquerda e direita já não fazem muito sentido, FSP

SÃO PAULO

Com a descriminalização do porte de maconha, o Brasil se junta a um rol de países que implementaram ao menos algum tipo de mudança sobre o uso de drogas. Mas o mapa dessa e de medidas mais avançadas, como a legalização do uso medicinal ou recreativo e a regulação de um mercado, pode revelar o peso tanto de questões culturais e políticas quanto de econômicas.

Na última segunda-feira (1º), por exemplo, a Alemanha passou a permitir o funcionamento de clubes canábicos, associações sem fins lucrativos que produzem e distribuem maconha entre um número limitado de membros. A modalidade já é conhecida na Espanha e funciona, segundo defensores da descriminalização de drogas, como uma maneira de o usuário acessar a droga sem apelar para o mercado ilegal —coisa que falta no Brasil.

Já no campo da redução de danos, relatório conjunto do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência e da Rede Europeia de Redução de Danos publicado em dezembro de 2023 apontou que as salas de consumo seguro de drogas eram ao menos cem no mundo em 2022, operando em países como Bélgica, Dinamarca, França, Grécia, Portugal, Austrália, Canadá e México, entre outros.

A imagem mostra um quiosque iluminado com luzes verdes em frente a uma loja do Burger King. O quiosque possui três guarda-sóis decorativos verdes com folhas de maconha e há diversos itens à mostra. Há pessoas sentadas em cadeiras ao redor do quiosque. A fachada do Burger King é visível ao fundo, com o logotipo iluminado
Quiosques com produtos de Cannabis em Phuket, na Tailândia - Jorge Silva - 27.ago.2023/Reuters

Embora haja uma concentração aparente em países desenvolvidos de avanços na regulação do acesso a drogas e em abordagens diferentes da repressão, nações fora desse eixo também registram avanços na descriminalização de drogas, segundo Matthew Wilson, diretor de divisão do programa global de políticas de drogas da Open Society Foundations.

"O Uruguai foi o primeiro país a legalizar [Cannabis] no mundo, e a África do Sul acaba de aprovar uma nova regulação que permite uso e cultivo."

Para Wilson, países desenvolvidos podem se sentir mais confiantes e menos pressionados pela comunidade internacional para mudar suas políticas domésticas, mas alguns exemplos, como o do Uruguai, mostram que essa pode não ser a regra predominante.

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A Tailândia, por exemplo, permitiu o uso recreativo em 2022 e viu um mercado com cara de bilionário surgir nos últimos dois anos. Embora esteja no meio de um debate para voltar criminalizar esse tipo de consumo, o país destoa dos vizinhos na Ásia.

De acordo com Paulo Pereira, que coordena o Grupo de Pesquisas Internacionais sobre Políticas de Drogas da PUC-SP, o caminho das reformas de políticas de drogas no mundo pode indicar uma visão da extensão dos Estados sobre a vida cotidiana, mas também carrega o peso de anos de proibicionismo.

"É uma hipótese, mas na periferia do sistema internacional, particularmente em Ásia e África, houve um investimento grande em criminalização das drogas e ainda não há um incentivo, como houve na Tailândia, para que a Cannabis tenha expressão política e econômica." O incentivo do governo tailandês para a atividade incluiu a distribuição de 1 milhão de mudas de maconha.

Ainda, a pressão civil em países ocidentais por reformas em políticas de drogas poderia estar ligada a noções mais difundidas de liberdades individuais e costumes mais liberais, como é o caso do Uruguai, segundo Pereira, que tem um histórico mais progressista em relação a aborto e casamento homoafetivo.

No México, a declaração de inconstitucionalidade da proibição de cultivo, colheita, transporte e distribuição da maconha teve, no argumento da Suprema Corte, a defesa do livre desenvolvimento da personalidade.

O tema de costumes também põe a decisão do STF no Brasil em perspectiva, segundo o pesquisador, já que o país tem um histórico de repressão violenta a drogas e de limitação a direitos como aborto legal e casamentos homoafetivos.

Por outro lado, segundo Pereira, as iniciativas para repensar o tema de drogas têm acontecido mesmo em locais com restrições históricas. É o caso da maconha, que tem ganhado espaço com a produção legal para via medicinal em MarrocosZimbábue e Lesoto, na África.

Semeando o futuro: a luta diária contra a seca extrema no sertão nordestino, FSP

Alcione Albanesi

Fundadora e presidente da ONG Amigos do Bem, que atua no sertão nordestino há 30 anos com projetos contínuos em educação, saúde, infraestrutura e geração de emprego e renda

No vasto cenário do sertão nordestino, onde a seca e a fome são não apenas desafios sazonais mas uma dura realidade diária, enfrentada por milhões de brasileiros, muitas comunidades lutam sem acesso a água potável, recorrendo a fontes contaminadas apenas para sobreviver.

É nesse contexto desolador que o Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) e celebrado em 17 de junho, surge para ressaltar a urgente necessidade de mobilização em iniciativas que enfrentem esses fenômenos devastadores, que assolam inúmeras pessoas no Brasil e ao redor do mundo.

No Brasil, cerca de 38 milhões de pessoas vivem em áreas onde a seca e a desertificação representam ameaças constantes. Em escala global, aproximadamente 55 milhões de indivíduos sofrem com a seca anualmente, conforme aponta a ONU. Porém, a luta no sertão nordestino é ainda mais desafiadora, pois a escassez de água é uma batalha secular, enfrentada por gerações.

Hoje, o semiárido nordestino, considerada entre as regiões áridas uma das mais populosas do mundo, abriga 28 milhões de habitantes segundo o Instituto Nacional do Semiárido (Insa).

A escassez de recursos no sertão nordestino é resultado de diversos fatores interligados. A irregularidade das chuvas torna a disponibilidade hídrica extremamente desafiadora. Além disso, a degradação do solo e os efeitos das mudanças climáticas têm contribuído significativamente para um cenário ainda mais árduo.

Ilustração colorida mostrando um cacto verde com espinhos à esquerda e uma figura humana estilizada à direita. A figura humana tem pele marrom, um olho grande e está estendendo o braço para cima em direção a uma gota de água azul. O fundo é laranja com um grande círculo amarelo representando o sol.
Claudia Liz/Folhapress

Em 2023, por exemplo, o Nordeste enfrentou a maior seca dos últimos 40 anos, em decorrência do fenômeno climático El Niño, conforme aponta o Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), ligado ao governo federal. Esse evento, que tem se estendido até o primeiro semestre de 2024, é caracterizado pelo aquecimento anormal das águas na faixa equatorial do oceano Pacífico, o que altera drasticamente os padrões de chuva em diversas regiões do mundo, incluindo o Nordeste brasileiro.

A combinação desses fatores cria uma vulnerabilidade única em diversos povoados distribuídos pela região. Essa realidade afeta não apenas a disponibilidade de água mas também a segurança alimentar e o bem-estar de milhares de famílias.

Diante desse cenário desolador, é urgente que cada indivíduo e empresa se mobilize e volte seu olhar para o sertão do nosso país.

Ao investirmos nesses povoados, não apenas oferecemos recursos básicos como contribuímos para proporcionar uma mudança completa nas futuras gerações, com educação, saúde e oportunidades de emprego e renda, rompendo um ciclo de pobreza.

Iniciativas como a da ONG Amigos do Bem demonstram o enorme potencial de transformação. Em 2023, atendendo mensalmente mais de 150 mil pessoas em 300 povoados, distribuímos mais de 1,3 bilhão de litros de água. Com o apoio de milhares de amigos e cerca de 11 mil voluntários, já perfuramos 75 poços e construímos 123 cisternas. Além disso, todos os meses, 800 cisternas e caixas d’água são abastecidas com nossos caminhões-pipa.

Segundo um estudo do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), o Retorno Social sobre Investimento (Sroi) da ONG Amigos do Bem é de incríveis 6,45. Ou seja, cada R$ 1,00 doado se transforma em R$ 6,45 em benefícios concretos para a população do sertão. Esse alto índice, somado às ações práticas da organização, demonstra o enorme potencial de impacto positivo que iniciativas focadas no desenvolvimento sustentável da região podem ter não apenas na melhoria da qualidade de vida mas também no fortalecimento da economia regional.

Acredito firmemente que a miséria tem solução, mas isso só é possível com o apoio de muitos amigos. Cada ato de solidariedade representa um avanço rumo a um futuro mais digno.

O dia de combate à desertificação nos convida à reflexão sobre os perigos que assolam o sertão do nosso país e nos instiga a intensificar nossos esforços contra a extrema seca e pobreza que afligem a região. A indignação precisa ser acompanhada de ação.

Cada um de nós pode ser o agente de mudança que a região requer, doando, voluntariando-se ou apoiando iniciativas transformadoras. Unidos podemos superar até os ambientes mais áridos e criar um horizonte de possibilidades para as futuras gerações.

Nasce uma ferrovia, RF

 No Cerrado brasileiro, 8 mil toneladas de trilhos, 25 mil dormentes de concreto e 10 unidades de AMV’s (aparelhos de mudanças de via) já foram adquiridos para o arranque das obras de superestrutura da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico). O projeto, que prevê a ligação entre Mara Rosa (GO) e Água Boa (MT) em 365 km, avançou no último ano, junto com as licenças ambientais e desapropriações do trecho que atravessa Goiás, com 240 km. A expectativa é que até o final de 2024, pouco mais de um terço da obra esteja pronto. Atualmente, o avanço físico está em 13%, de acordo com informações da Vale, responsável pela construção, e da Infra SA, subconcessionária da ferrovia.

É no estado de Goiás que a infraestrutura está a pleno vapor, totalizando cinco lotes numa extensão aproximada de 170 km. Na maior parte deste trecho, o trabalho é de supressão vegetal, terraplanagem e drenagem. A superestrutura – momento da obra em que a ferrovia começa a nascer com trilhos, dormentes e lastro – teve início em abril deste ano, para execução nas alças Sul e Norte e em parte da linha tronco até aproximadamente o km 08, a partir de Mara Rosa. Duas passagens inferiores, sob as rodovias GO-154 e GO-437 estão concluídas. Na divisa com Mato Grosso, também foram iniciados os trabalhos de mobilização para a construção de uma ponte ferroviária sobre o Rio Araguaia, com 1.600 metros, que correspondem ao lote 7.