quarta-feira, 10 de julho de 2024

Por que a produtividade deve ser nossa prioridade, O Globo Fabio Giambiagi

O PIB de um país só pode aumentar por conta de um dos seguintes fenômenos: i) porque há mais pessoas produzindo; ii) porque há mais capital, na forma de máquinas, equipamentos ou construção civil; e/ou iii) porque, dada a mesma quantidade desses fatores, eles são combinados de forma a poder produzir mais.

Comecei a estudar Economia em 1980. Nos 40 anos anteriores, com todas as qualificações que possam ser feitas à qualidade das estatísticas antigas, o fato é que a produtividade por pessoa ocupada no Brasil aumentara à respeitável taxa de 4,2% a.a. Já nos 43 anos entre 1980 e 2023, a mesma variável se expandiu ao ritmo vergonhoso de 0,1 % a.a.

Talvez nada expresse de forma mais eloquente do que essa comparação a ideia de que nosso país “parou no tempo”. Com um agravante: o assunto passa a anos-luz das questões discutidas no ambiente político, onde perdemos tempo com propostas equivocadas, quando não ocupados com debates ridículos.

Discutimos uma isenção fiscal aqui, um aumento de gastos lá, quando, como diz o Prêmio Nobel Paul Krugman, “no longo prazo, a produtividade é quase tudo”.

Procurando dar nossa contribuição ao debate, com meu colega José Ronaldo de Castro Souza Jr organizamos o livro “O desafio da produtividade” (Editora Lux), que acabamos de lançar e no qual 31 especialistas se debruçaram sobre os diferentes aspectos que afetam essa variável, procurando explicar as razões de nosso desempenho tão medíocre e sugerir caminhos para o futuro.

O livro se inicia com duas epígrafes, das quais uma sintetiza a dimensão política do desafio. A frase é de Juan Carlos Torre, membro da equipe de Raul Alfonsín e que quase 4 décadas depois daquele governo politicamente notável, mas economicamente desastroso e com quase todos os atores da época já falecidos, publicou as memórias sobre aquela experiência, onde reconheceu que “o pensamento progressista argentino esteve tradicionalmente voltado para os temas da distribuição de renda e da defesa dos recursos nacionais.

As questões referentes ao crescimento e a como fazer para gerar racionalidade econômica nunca ocuparam um lugar central na sua agenda”. A mesma reflexão, ipsis litteris, poderia ser feita sobre a intelligentzia progressista brasileira.

Dividimos o tratamento do tema, conceitualmente, em quatro partes. A primeira é uma introdução com os aspectos gerais da questão. A segunda é uma espécie de survey da literatura especializada sobre o tema.

A terceira está associada à seguinte reflexão: “Por que nossas políticas públicas prejudicam a produtividade do país?” e traz um conjunto de capítulos nos quais faz-se uma espécie de compêndio de nossas falhas históricas que explicam o pobre desempenho das últimas quatro décadas, indo desde os problemas de nosso sistema tributário até a cada vez mais grave questão da nossa insegurança jurídica, passando pelas distorções da legislação trabalhista, os equívocos de nossa política comercial, as mazelas da nossa educação e de nossa infraestrutura, etc.

Finalmente, a quarta parte traz um conjunto de capítulos englobados na ideia de “O que fazer?” e sugere desenvolver os temas da inovação e da melhora das práticas de gestão e incorporar os temas da transição energética, fechando com uma espécie de roteiro que coloque o aumento da produtividade no topo da agenda de prioridades do país.

Em 2004, num outro livro que organizei, Armando Castelar concluía seu capítulo com o título “Por que o Brasil cresce pouco?” dizendo que “se nos próximos 20 anos o Brasil quiser repetir o excelente desempenho de 1930-1980, será necessário combinar uma queda do custo do investimento, com um aumento da poupança nacional e políticas que sustentem um significativo crescimento da produtividade”.

É deprimente que, 20 anos depois, essas palavras continuem sendo atuais. Nesse ínterim, se nos fue la vida. Está na hora do tema passar a ser tratado como prioritário pela liderança política do país.


terça-feira, 9 de julho de 2024

Joel Pinheiro da Fonseca Democracia e moderação salvaram a França hoje; mas há um amanhã, FSP

 Macron e todos os que acreditam numa sociedade aberta e plural respiram aliviados com o mau resultado do Reunião Nacional nas eleições legislativas francesas. Foi —é preciso lembrar— o melhor resultado de sua história, mas ficou aquém da esperada maior bancada e ainda mais de uma maioria de parlamentares.


Apesar disso, não parece que o discurso nacionalista, anti-imigração e anti-integração global (ou, no caso da UE, continental) vá desaparecer. Ele segue forte e, se seus adversários não conseguirem entregar resultados e narrativas mais persuasivas, crescente. Marine Le Pen declarou que sua vitória foi "apenas postergada". Está nas mãos de Macron e da coalizão entre esquerda e centro enterrar ou cumprir essa profecia.

Franceses se reúnem na place de la République, em Paris, para celebrar resultado das eleições legislativas na França


Macron, que depois do primeiro turno parecia o grande derrotado, emerge agora não como o vencedor triunfante, mas como um líder que ao menos conseguiu se manter. A frente partidária vencedora —a Nova Frente Popular, de esquerda— não tem maioria para indicar um primeiro-ministro sozinha. Terá que negociar com os centristas, formar coalizão, algo tão normal para nós. Assim, o próximo primeiro-ministro será alguém de esquerda, mas não um radical.

Isso mais a realidade das regras fiscais da UE e dos movimentos do mercado deve proteger o país do terraplanismo econômico de um Mélenchon, líder do França Insubmissa, partido mais radical da NFP. Um parlamento fragmentado que ao menos depende dos centristas é melhor para o presidente do que um no qual direita ou esquerda pudessem governar sozinhas.

Analisando essa vitória de esquerdistas e centristas, dois elementos saltam aos olhos. O primeiro é a importância das regras eleitorais. A eleição em dois turnos incentiva a moderação e a formação de alianças. Vimos isso no Brasil em 2022: Lula ganhou por um fio, graças à aliança com Simone Tebet e com a pequena parcela de eleitores liberais da "terceira via".


A diferença é que a aliança na França cobrava um preço mais alto: diversos candidatos tiveram que abrir mão de suas candidaturas. E assim chegamos ao segundo elemento: uma disposição inédita, tanto de centristas quanto de esquerdistas, de colocarem suas diferenças de lado para juntos combaterem a direita nacionalista. Esse tipo de abnegação virtuosa não se vê todo dia. A estratégia deu certo.

Do outro lado do Canal da Mancha, em 4 de julho, a esquerda também teve uma vitória avassaladora. O Partido Conservador caiu de podre depois de 14 anos no poder. Nesse meio tempo, os trabalhistas expulsaram sua ala mais radical e deram uma guinada ao centro.

A ala do Partido Conservador que defendia o brexit teve sua chance. Depois de todas as promessas, chegou o momento de entregar a melhora na qualidade de vida, que não veio, e a população se fartou. Democracia é também a possibilidade de errar, aprender e corrigir os erros.

Regras do jogo racionais —que estimulam a moderação— e respeitadas e disposição de fazer política para construir frentes amplas deram conta do desafio de hoje. Mas ele continua posto no amanhã. E, aí, não haverá mera estratégia eleitoral que dê conta. Será preciso mostrar à sociedade que a direita nacionalista não tem respostas para os problemas que ela própria foi pioneira em apontar. E isso passa por reconhecer esses problemas —os custos da imigração e da integração regional—, implementar soluções concretas e traçar uma narrativa que vença o pessimismo reacionário. Na falta disso, chegará uma hora em que essa direita também terá sua chance no poder. Democracia tem dessas.


Vitória de Trump dificultará a vida de evangélicas brasileiras, Juliano Spyer, FSP

 Por que evangélicos nos EUA continuam apoiando Donald Trump, apesar de ele ter passado os últimos anos sendo investigado e julgado por escândalos que incluem agressão sexual e difamação, falsificação de documentos, envolvimento nos ataques ao Capitólio, fraude fiscal e subversão eleitoral?

E, mais importante do que isso, cabe perguntar: de que maneira o hoje provável retorno de Trump à Casa Branca influencia o campo evangélico conservador no Brasil?

Quando concorreu pela primeira vez em 2016, Trump não era o candidato do coração dos evangélicos dos EUA. Ele recebeu o apoio deles por representar a alternativa "menos pior", do ponto de vista dos costumes, à candidata democrata da época, que era Hillary Clinton.

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro durante as celebrações de Sete de Setembro - ADRIANO MACHADO/Adriano Machado - 7.set.2022/Reuters

Hoje, essa percepção mudou. "Evangélicos veem o legado cristão de seu país sendo atacado", explica o jornalista Tim Alberta, autor de "The Kingdom, the Power, and the Glory" ("O Reino, o Poder e a Glória", em tradução literal), lançado no ano passado. "Eles entendem que ‘os bárbaros estão nos portões’ e que precisam de um bárbaro para protegê-los."

Ou seja: as faltas de Trump se tornam virtudes aos olhos desses cristãos. O atual candidato republicano é alguém que, conhecendo o mundo do pecado, está melhor capacitado para lidar com essa ameaça. (Ouvi algo parecido em 2018, durante uma pesquisa, sobre por que evangélicos preferiam Bolsonaro a Marina Silva.)

Ao mesmo tempo, vale lembrar que não foi Trump quem levou ultraconservadores cristãos para a Casa Branca. "Há fotos de (George W.) Bush e assessores no Salão Oval fazendo orações", lembra Donizete Rodrigues, professor colaborador na Universidade de Columbia, que pesquisa cristianismo e política nos Estados Unidos.

Assim como acontece lá, cristãos radicalizados no Brasil são uma minoria barulhenta. Eles se mantêm influentes em suas igrejas lembrando os outros membros da ameaça que a esquerda, vista como anticlerical e antifamília, representa. Para eles, o retorno de Trump à Presidência fortalece a ideia de que Bolsonaro também poderá concorrer e vencer em 2026 no Brasil.

Uma nova gestão de Trump também ampliará a pressão sobre mulheres cristãs. Em vez de igualdade de papéis, a noção do complementarismo sustenta que homens são mais qualificados para a liderança. Aquelas que resistem são desqualificadas como "feministas" e "esquerdistas".

Mas mulheres representam 60% dos evangélicos no Brasil e foi graças à atuação de lideranças como Michelle e Damares que a maioria delas escolheu Bolsonaro em 2022. Essa tensão entre o homem que manda e a mulher que detém o poder representa uma oportunidade para quem quiser disputar a atenção desse grupo.