domingo, 1 de outubro de 2023

Tiro no escuro - Ana Paula Vescovi, FSP

 Ainda é pouco claro o conteúdo da Reforma Tributária da renda pretendida pelo governo. Os objetivos mais óbvios seriam: maior justiça contributiva, simplificação para redução de litígios e custos de transação, além de aproximação com padrões internacionais. A neutralidade da carga tributária sobre as empresas contempla um importante atributo adicional.

Contudo, um sinal sobre a reforma da renda foi enviado ao Congresso com a proposta de extinção dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), o que implica elevação da carga tributária sobre empresas dos mais diferentes setores. Esse é um tema ainda pouco conhecido pela sociedade e é aplicado somente para as maiores companhias, aquelas sujeitas ao regime do Lucro Real.

Ilustração no formato horizontal retrata uma balança rústica e dourada em desequilíbrio. Do lado esquerdo o prato está mais baixo e contém um saco de dinheiro na cor bege amarrado pela boca com uma corda amarelada e com um cifrão preto impresso. O prato do lado direito, que está mais alto, contém uma empresa na cor laranja com duas janelas de vidro na frente e uma chaminé na parte de trás. Do lado direito, tem também 8 ícones de pessoas, na cor azul acinzentado, caindo do prato.  O fundo da ilustração é na cor branca com degradê de laranja para branco nos quatro cantos.
Ilustração mostra balança rústica em desequilíbrio - Amarildo

A tributação sobre a renda das empresas ocorre pela taxação do lucro gerado. Alguns países diferenciam a tributação dos lucros retidos na empresa, para financiar seu próprio crescimento, daqueles que são distribuídos para os acionistas e investidores na forma de dividendos. Esse mecanismo, conhecido como Allowance for Corporate Equities (ACE), procura incentivar a retenção de lucros na empresa, bem como menor endividamento.

Por aqui, o lucro é tributado pelo IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e pela CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Considerando os dois somados, a carga tributária é heterogênea em função do tamanho das empresas, pois coexistem diferentes regimes, tais como o Simples, o Lucro Presumido e o Lucro Real. As grandes companhias pagam entre 34% e 45%, contra pouco mais de 20% na média da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

A carga tributária para as maiores empresas é assim tão alta porque se decidiu isentar a distribuição dos lucros (dividendos) e compensar essa medida com o aumento da carga nominal de impostos sobre os lucros das empresas (IRPJ/CSLL). Tecnicamente, seria uma opção por uma tributação única, ao invés de um modelo dual, no qual a alíquota corporativa é menor, mas os lucros distribuídos (dividendos) são tributados.

Mas nem tudo é tão simples em se tratando de tributos no Brasil. Logo após a implementação do Plano Real, introduziu-se um novo mecanismo. A ideia era considerar que parte dos lucros distribuídos seria equivalente à remuneração obtida pelos acionistas com a aplicação de seu capital em um ativo financeiro sem risco, que é o JCP. Essa parcela, presumida, passou a ser tributada como se fosse uma aplicação financeira, ou seja, a 15%, sendo dedutível da base do IRPJ/CSLL. Na prática, isso reequilibrou o impacto final da carga tributária sobre o lucro corporativo, a partir do fim da correção monetária dos balanços.

Em uma simulação simples, quando se incluem os efeitos do JCP, a carga tributária sobre grandes empresas é reduzida entre 6 e 8 pontos percentuais. Extinguir o mecanismo, portanto, traz um par de efeitos, tal como o aumento da carga tributária (em vez de 15%, uma parcela do lucro distribuído como JCP, limitada a 50%, será tributado a 34% ou 45%), com consequente aumento de custos para as empresas. Adicionalmente, o fim do JCP tende a ensejar comportamentos diferentes no referente à retenção ou à distribuição de lucros.

Por isso tudo, deveria fazer parte de uma estratégia ótima para melhorar o desenho da tributação sobre lucros corporativos reequilibrar o combo que envolve o IRPJ/CSLL, a tributação dos dividendos e o mecanismo do JCP. Por exemplo, se o lucro fosse tributado com taxas mais próximas à da renda das pessoas físicas (27,5%) para evitar arbitragens, e se os dividendos fossem tributados na sua totalidade a 15%, a extinção do JCP poderia reequilibrar a conta. Essa opção equivale a adotar a tributação dual (lucro corporativo + dividendos), como já ocorre em vários países.

Ademais, nesse reequilíbrio entre o IRPJ/CSLL e dividendos, o grupo dos regimes especiais (Simples e Lucro Presumido) também sofreria elevação de carga tributária, dado que a tributação sobre lucros distribuídos deveria ser homogênea. O tamanho da empresa que gera lucros nada tem a ver com o tamanho da renda dos seus acionistas. Um pequeno poupador pode ser investidor em ações de grandes companhias abertas, por exemplo.

Vale a discussão sobre a adoção do ACE, observando-se sempre a neutralidade tributária. Do lado do fisco, não há condição de haver perda de arrecadação, por causa do desequilíbrio presente nas contas públicas.

Fazer uma reforma tributária da renda neutra do ponto de vista arrecadatório, mudando o desenho do sistema para torná-lo mais simples, justo e eficiente, é o caminho correto. A decisão de reduzir ou aumentar a carga tributária no país é uma escolha social e está diretamente correlacionada com o nível dos gastos públicos e a sua capacidade de melhorar o bem-estar social para, assim, legitimar o sistema e reduzir comportamentos elisivos.

As discussões recentes sobre as reformas tributárias podem mudar a feição do país, tornando-nos uma sociedade mais eficiente, elevando a sua renda média. Mas, para isso, muito dependerá o desenho dessas reformas.

Tributar o lucro corporativo sem respeitar os princípios básicos de uma tributação ótima e elevar a carga tributária das empresas pode reduzir o potencial do crescimento do país e desperdiçar uma oportunidade que tão cedo poderá não ter o mesmo espaço para discussão.

O almirante de Bolsonaro era mais influente do que Mauro Cid, Elio Gaspari, FSP

 Pela sua própria função, o tenente-coronel Mauro Cid era a figura mais ostensiva da copa de Jair Bolsonaro.

Mais discreto, mais influente e mais expansivo, ainda que desligado do trato com assuntos pessoais do chefe, era o almirante Flávio Rocha, que irá para a reserva no ano que vem. Ele chefiava a Secretaria de Assuntos Estratégicos.

Na fatídica reunião de Bolsonaro com os embaixadores estrangeiros para desacreditar as urnas eletrônicas, Cid apareceu bastante, mas Rocha teve muito mais peso, da concepção à execução.

Homem  branco de cabelo curto preto, do peito para cima. Ele olha para frente e veste terno e gravata cinza.
O Almirante Flávio Rocha em atividades no Palácio do Planalto - Marcos Correa/Presidência da República

DESIGUALDADE MINISTERIAL

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, precisa conferir o seu prazo de validade.

Colocada numa pasta destinada a impulsionar agendas positivas, conseguiu torná-la fonte de inércia e encrencas.

MADAME NATASHA

Madame Natasha está triste com a aposentadoria da ministra Rosa Weber. Respeitou-a pelo que disse e também pela forma civilizada com que administrou seu silêncio.

Natasha encantou-se com a classificação que a ministra deu ao 8 de janeiro: "Dia da Infâmia".

A boa senhora reconhece que não cabia à ministra registrar a mais famosa referência a um dia infame, mas não custa relembrar a fala do presidente Franklin Roosevelt ao Congresso americano depois do ataque à base naval de Pearl Harbor:

"Ontem, 7 de dezembro de 1941, um dia que viverá na infâmia, os Estados Unidos foram súbita e deliberadamente atacados por forças navais e aéreas do Império do Japão...."

O CNJ E A REPÚBLICA DE CURITIBA

Em surdina e com relatórios técnicos, a correição do Conselho Nacional de Justiça está produzindo uma descrição minuciosa da onipotência da Operação Lava Jato e da Vara Federal dirigida pelo então magistrado Sergio Moro.

A Corregedoria não fala, investiga e escreve. Quem lê suas peças, aprende. Quem não as lê, que as lesse.

OUTUBRO DE 1963

Há 60 anos, Jacqueline Kennedy viajou para um cruzeiro de duas semanas a bordo do iate do milionário grego Aristóteles Onassis, que acabaria se tornando seu segundo marido. Três dias depois, o primeiro, presidente dos Estados Unidos, combinou que no dia 22 de novembro iria a Dallas, no Texas.

Lee Oswald, um sujeito que, aos 24 anos, nunca acertara o passo na vida, estava no México. Ao voltar para os Estados Unidos, decidiria ir para Dallas, onde sua mulher russa vivia com a filha.

O veneno tem um nome: reeleição, Elio Gaspari, FSP

 O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, expôs o veneno que debilita a política nacional:

- Eu indago, o instituto da reeleição no Poder Executivo fez bem ao Brasil? A minha percepção é de que não foi bom para o país. Quando se coloca no colégio de líderes, todos tendem a acreditar que o fim da reeleição seja bom para o Brasil.

O instituto da reeleição para cargos executivos, criado em 1997, tornou-se uma anomalia política. O presidente, governador ou prefeito assume pensando só nela. Desde seu surgimento, já patrocinou políticas econômicas e sanitárias ruinosas, chegando às articulações golpistas de Jair Bolsonaro.

Rosto de um homem branco no centro da imagem. Ele veste terno preto. No lado direito, uma luz vermelha aparece em desfoque.
Presidente do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), concede entrevista coletiva sobre atividades legislativas - Edilson Rodrigues-14.set.23/Agência Senado

O Brasil já teve instituições ruinosas como a escravidão, a legislação sobre terras e até mesmo a organização tributária. Todas elas nasceram de interesses econômicos. Beneficiavam ou beneficiam classes sociais. A reeleição saiu do nada, impulsionada apenas pelo interesse dos indivíduos de permanecer no poder. Seu patrono, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, reconheceu, em 2020, que historicamente foi um erro. Lula e Jair Bolsonaro candidataram-se combatendo-a. Sentando na cadeira, mudaram de ideia.

Pacheco diz que o Senado está "muito ávido" para debater o fim da reeleição. É improvável que se consiga acabar com ela de chofre, mas é possível que o Congresso vote uma emenda constitucional que acabe com a reeleição para presidentes, governadores e prefeitos eleitos a partir de 2026.