"Volte para o navio, c*!" A célebre frase que estampou camisetas e alimentou memes —como "keep calm and vada a bordo, cazzo!" (fique calmo e…)—, dita ao então capitão Francesco Schettino, apontado como responsável pelo naufrágio do cruzeiro Costa Concordia, na Itália, completa dez anos nesta quinta (13).
Aos 61, Schettino cumpre pena de 16 anos numa prisão em Roma, e sua vida no cárcere é cheia de rumores curiosos, como um suposto pedido de uma garrafa com água do mar, por sentir falta da brisa.
Em reportagem recente publicada no jornal italiano La Stampa, o ex-capitão aparece como um detento exemplar, que estuda jornalismo e direito e é gentil e respeitoso com todos. Ele também se dedica a práticas esportivas e aguarda a volta das visitas de sua filha, Rossella, suspensas devido à Covid.
Há relatos ainda de que Schettino estaria deprimido, com medo de ligar a TV e ver o que foi veiculado sobre ele. À Folha o advogado Saverio Senese diz que "as notícias são quase todas falsas". "Não é verdade que ele pede água do mar", afirma, por email. "É verdade que ele estuda, faz esporte e, sobretudo, trabalha."
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Sanese diz ainda que, em razão de seu comportamento, Schettino já recebeu diversas autorizações para passar o dia com sua mãe idosa —o ex-capitão já poderia pedir a mudança para cumprir uma pena alternativa, mas não quer que a defesa entre com a solicitação. O advogado, que entrou no ano passado com um pedido de revisão de sentença —ainda não discutido—, não deu detalhes do motivo.
"Ele é responsável, mas não culpado, pelas mortes", afirma. "Para ele, [a tragédia] foi causada por uma série de problemas técnicos: o gerador de emergência, as portas estanques, os guinchos de alguns botes salva-vidas que não funcionaram, as portas do elevador que não fecharam automaticamente."
A pena de Schettino foi determinada em julgamento de 2015, no qual ele foi condenado por homicídio culposo (sem a intenção de matar), responsabilidade pelo naufrágio e abandono da embarcação antes da chegada das equipes de resgate —o que levou à frase do oficial da Guarda Costeira Gregorio De Falco.
Desde o início, o caso do Costa Concordia foi turbulento. O cruzeiro com 4.229 passageiros deveria cumprir um itinerário de sete dias entre Civitavecchia, a 70 km de Roma, e Savona, próximo a Gênova.
O então capitão, no entanto, desviou a embarcação para a ilha Giglio, levando o navio de 114,5 mil toneladas a 150 metros da costa. A manobra fez com que o barco batesse em rochas.
Há diferentes versões sobre o que teria motivado Schettino a aproximar tanto o cruzeiro da pequena ilha no mar Tirreno. Ele diz que a ideia era saudar locais e marinheiros, além de oferecer uma bela paisagem aos passageiros. Outros, porém, afirmam que ele queria se exibir para a amante, Domnica Cemortan.
Logo após o incidente, ela negou ter um caso com o então capitão e disse que não se encontrava na cabine de comando no momento do choque. Poucas semanas depois, porém, admitiu em depoimento estar apaixonada e que acompanhava Schettino quando o navio colidiu. No fim de 2013, em audiência, forneceu mais detalhes.
"Tudo parecia normal, não consegui ver nada porque estava muito escuro. Em certo momento, um oficial se confundiu ao executar uma ordem. Schettino o criticou e repetiu a ordem. Alguns minutos depois aconteceu o que aconteceu. Não senti o impacto, mas vi luzes de emergência se acenderem."
O oficial era o timoneiro indonésio Jacob Rusli Bin, apontado por Schettino como responsável pelo desastre. À época, o então advogado do capitão, Bruno Leporatti, chegou a afirmar que o cliente considerava ter conseguido salvar muitas vidas ao realizar uma difícil manobra de emergência com as âncoras depois do acidente, o que deixou o barco mais perto da costa.
Uma revisão do caso pelo History Channel, entretanto, apontou que a âncora foi jogada incorretamente, fazendo o barco se inclinar ainda mais. Além disso, Schettino não alertou imediatamente o serviço de resgate.
O impacto ocorreu por volta de 21h45, no horário local, e a primeira pessoa a chamar as autoridades foi alguém na costa. O navio foi contatado por volta das 22h, mas o capitão levou 20 minutos para contar o que houve. Enquanto isso, os passageiros jantavam quando a luz acabou, uma batida foi sentida e eles caíram no chão. Quando a energia voltou, o comandante anunciou avarias no gerador e garantiu um conserto rápido, mas alguns dos passageiros perceberam que o barco começava a se inclinar.
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A demora na reação foi fortemente criticada à época pelo comandante-geral da Capitania dos Portos da Itália, Marco Brusco. "Se o comandante Schettino não tivesse perdido uma hora preciosa, teria saído tudo bem. Todos os botes salva-vidas seriam baixados com tranquilidade, com todos os passageiros a bordo. Para completar, o capitão saiu do barco, e as ordens que chegavam eram contraditórias."
O ex-capitão alegou que, com a inclinação do barco, teria escorregado e caído sentado em um dos botes e, por isso, deixado o navio antes de retirar todos os passageiros. A versão foi desmentida em uma ligação a um amigo, na qual o comandante dizia que, quando percebeu que o navio estava se inclinando, saiu.
Ao falar por telefone com Schettino, o oficial da Guarda Costeira identificou, pelas respostas sobre a situação na embarcação, que o então capitão já não se encontrava mais dentro do cruzeiro. Deu então a famosa ordem, em bom italiano. Schettino, no entanto, entrou num táxi e fugiu para um hotel.
As buscas pelos desaparecidos continuaram por semanas depois do naufrágio, e o Costa Concordia permaneceu na ilha Giglio por mais dois anos e meio, até ser transportado para Gênova.
Seu capitão, hoje, enfrenta apenas a calmaria do cárcere.