quinta-feira, 10 de setembro de 2020

A forte recuperação das vendas no varejo, OESP

 Celso Ming, O Estado de S.Paulo

10 de setembro de 2020 | 18h58

Desta vez, o passado surpreendeu. Os números que dão conta do desempenho do setor de varejo são de julho – já estamos quase em meados de setembro – e foram melhores do que vinham supondo analistas e consultores de economia.

Pois em julho o varejo restrito cresceu 5,2% sobre o mês anterior (veja o gráfico) e o ampliado, que incorpora vendas de veículos e de materiais de construção, saltou 7,2%. No mesmo período, as vendas dos supermercados cresceram 9,9% e as de aparelhos domésticos, 25,6%.

Esse desempenho dos supermercados já vinha sendo notado por outro indicador: pelo aumento dos preços dos alimentos, de 4,9% ao longo do ano até agosto. Nessa categoria, os campeões da alta no mesmo período foram o leite longa vida (23,0%), o arroz (19,3%) e o óleo de soja (18,6%).

É preciso levar em conta que esses números altos se devem, em parte, à base excepcionalmente baixa (em junho) com que foram comparados, pelo que aconteceu ao longo do auge da pandemia. Mesmo assim, quase ninguém contava com esse desempenho.

Como o desemprego vinha forte e continua forte, esse resultado não se deveu ao aumento da renda do trabalho, mas a dois outros fatores: à distribuição do auxílio emergencial à população carente (o que explica a forte evolução das vendas dos supermercados) e a certo aumento das reservas feitas pelas famílias nos meses anteriores pela queda do consumo. Essa reativação do consumo está ajudando a melhorar o astral da indústria. 

Agora vem certa recuperação dos serviços, especialmente na área dos cuidados pessoais e na das viagens. Nesta quinta-feira, a companhia aérea Gol informou que as receitas com vendas de passagens aumentaram 34% em agosto sobre julho.

Reabertura dos Shoppings em São Paulo
Movimento em shopping de São Paulo logo após a reabertura do comércio. Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 11/6/2020

Mas, atenção, os que vêm festejando a recuperação em 'V', como alardeia o ministro da Economia, devem seguir devagar com esse andor, pela própria natureza do aumento do consumo em julho. Este implicou escolhas por parte do consumidor, que reduziu momentaneamente suas despesas com serviços, bares, restaurantes e aumentou as de alimentos e de aparelhos domésticos, já que ele sentiu que tinha de compensar em alguma coisa as agruras do confinamento. Essas transferências dentro do orçamento doméstico não se devem  ter repetido nessas proporções em agosto e setembro e não devem se repetir nos meses seguintes.

O impacto do auxílio emergencial vai agora ser menor e tende a acabar. E o desemprego continuará a fazer estragos. Os acordos entre empresas e sindicatos que garantiram estabilidade temporária deverão se extinguir e virá em seguida o ajuste das folhas de pagamento à nova situação dos mercados.

Também não ajuda uma boa retomada o bate-cabeças dentro do governo, a calamitosa situação fiscal, a falta de empenho para dar andamento às reformas e a prostração nos investimentos. Mas tudo pode mudar quando chegar a vacina redentora ou, pelo menos, até que se saiba que esta estará disponível.

CONFIRA

» A exuberância do agro

O desempenho do agronegócio continua excelente e atinge a exuberância quando comparado com o de outros setores. Tanto a Conab como o IBGE preveem novos recordes de produção física de grãos ao longo deste ano. O gráfico mostra os dados da Conab. O setor tira proveito também dos bons preços, principalmente das commodities cotadas em dólares. Essa boa fase será o principal impulso para o início do plantio de primavera, que começará com as chuvas de outubro/novembro.

Vivendo em apneia com a política ambiental do Brasil, FSP

 Por Rafael Loyola

Prendemos o ar com sustos ambientais no Brasil, mas a Amazônia pode nos trazer fôlego

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Mais um evento de apneia. Aquela suspensão momentânea da respiração. Podia ser por uma razão prazerosa como a prática de mergulho livre sem equipamentos. Mas não. Minha apneia costuma ocorrer quando leio o jornal.

A “Folha de S. Paulo”, em parceria com o Instituto Talanoa, contabilizou 195 atos referentes à política ambiental brasileira publicados no “Diário Oficial” entre março e maio deste ano. No mesmo período do ano passado, não passaram de dezesseis. Esse aumento de mais de 1.200% causa apneia nos cientistas que, como eu, trabalham e acompanham a questão ambiental no Brasil.

Dia sim, dia não, prendo a respiração ao ler mais um projeto de lei, mais uma pauta do Congresso, mais um decreto publicado. Em geral esses atos normativos vêm enfraquecendo a governança e a gestão ambiental brasileira. Mas os sustos são de tal ordem que cruzaram o Atlântico e quicaram em governos e empresas europeias. Atingiram também o setor privado em terras tupiniquins.

Há uma crescente cobrança pela adoção de uma agenda sustentável no ambiente corporativo, impulsionada por investidores europeus. Fazendo coro a essa cobrança, recentemente CEOs de empresas brasileiras e ex-ministros do meio ambiente escreveram ao governo federal e vimos o posicionamento contundente do setor financeiro, todos demandando uma visão de desenvolvimento sustentável no país.

Nessa esteira, o papel da Amazônia é crucial. Com a imagem arranhada, o governo criou o Conselho Nacional da Amazônia Legal. Seu coordenador, o vice-presidente Hamilton Mourão, conversou com gestores de fundos internacionais e bancos privados no Brasil para buscar apoio a iniciativas de restauração de pastagens degradadas e reflorestamento na Amazônia. Em troca, prometeu reduzir o desmatamento e as queimadas em toda região.

É uma tomada de fôlego diante de tantos sustos. Do ponto de vista político, a Amazônia é um ativo que concede um poder enorme ao Brasil. Sua proteção é um assunto de interesse global, e, por isso, para captar recursos que permitam um desenvolvimento de fato sustentável na região, o país precisa aproveitar os mecanismos financeiros associados aos acordos das convenções de biodiversidade e de mudança do clima. A conversa com o setor privado e financeiro pode ser um alento. Isso porque precisamos de proteção e recuperação na Amazônia, mas também é preciso desenvolver a região.

O potencial que pode ser gerado pela bioeconomia na Amazônia é gigantesco. Essa atividade pode trazer 400 milhões de dólares em investimento para o Brasil e criar aproximadamente 200 mil empregos, segundo dados da Associação Brasileira de Inovação. A economia baseada em produtos oriundos da biodiversidade já movimenta cerca de 11 trilhões reais mundo afora, comercializando resina, bio-óleo, nanocelulose, nanofibras e produtos florestais madeireiros e não-madeireiros.

Em dezembro de 2018, a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos publicou o relatório “Potência ambiental da biodiversidade: um caminho inovador para o Brasil”. Nesse documento, diversos cientistas brasileiros, inclusive este colunista, contextualizam as crises climática e de biodiversidade no Brasil e indicam soluções cada vez mais necessárias e imediatas. As soluções concentram-se em reposicionar a natureza no centro de nossa vida, nossa sociedade e nossos negócios.

É preciso repensar nossa imagem no exterior para atrair recursos que nos ajudem a fazer a transição para uma economia verde. Para isso, o diálogo do governo com a sociedade — ouvindo a ciência, o setor produtivo, a sociedade civil — é fundamental. Será necessário ter fôlego para vencer obstáculos e encontrar consensos sobre a questão. O que não dá é para continuar vivendo em apneia.

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Rafael Loyola é biólogo e doutor em ecologia. É diretor científico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, professor da Universidade Federal de Goiás e membro da Academia Brasileira de Ciências.

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Extinta há um ano, Dersa inicia demissões e negocia guarda de documentos sob investigação, OESP

 Bruno Ribeiro, O Estado de S.Paulo

10 de setembro de 2020 | 18h16

processo de extinção da estatal Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa), uma promessa do governador João Doria (PSDB) aprovado pela Assembleia Legislativa em 10 de setembro do ano passado, completa um ano com o início do processo de demissão de cerca de 200 funcionários, enquanto passa por um processo de discussões sobre como ficará a guarda de documentos sensíveis às investigações da Operação Pedra no Caminho, braço da Lava Jato em São Paulo que apura desvio de recursos na obra do Rodoanel na gestão Geraldo Alckmin (PSDB).

Os cerca de 200 funcionários devem ser mandados embora da estatal em um processo que ocorre em três etapas. Um que teve início na semana passada, outro que deve ocorrer ainda neste mês e um final, em outubro. Cerca de outros 70 funcionários da empresa devem ser mantidos no serviço público.

Dersa inicia demissões e negocia guarda de documentos sob investigação
Documentos das obras do Rodoanel passaram por um processo de inventário Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Essas pessoas são, na maioria, agentes da Dersa cujo trabalho estava relacionado à operação das balsas que o Estado têm, especialmente na travessia Santos-Guarujá. O serviço, que era feito pela Dersa, passará a ser operado pelo Departamento Hidroviário, um órgão da Secretaria Estadual de Transportes, pasta a qual a Dersa também estava subordinada. 

Mas outra parte do pessoal que deve permanecer no serviço público são pessoas ligadas à três principais obras que a Dersa mantinha no Estado, o trecho Norte do Rodoanel, a duplicação da Rodovia dos Tamoios, no trecho de serra, e as novas pistas partindo da Tamoios e se ramificando entre São Sebastião e Caraguatatuba, no litoral norte, que são chamadas de Contornos da Tamoios.

No caso específico do Rodoanel, há ainda a preocupação com a guarda de toda a documentação da obra, que pode ser necessária para os desdobramentos da investigação da Operação Pedra no Caminho, que apura irregularidades nas obras da rodovia e tem como alvo o ex-presidente da Dersa Laurence Casagrande Lourenço.

Outro ex-presidente, Paulo Vieira de Souza, também é réu em três ações penais por atos de corrupção ligados à obra. Ele já tem uma condenação em primeiro grau, ocorrida no ano passado, por fraude em licitação nas investigações do cartel do Rodoanel. Já a ação penal que tornou Alckmin réu no mês passado cita repasses feitos pela Odebrecht ao ex-governador para obtenção de vantagens em obras do Trecho Sul do Rodoanel, inaugurado em 2010, entre outras.

Toda a memória documental das obras do Rodoanel passou por um processo de inventário, com a identificação de pessoas responsáveis pela guarda dos papéis, dentro da Secretaria Estadual de Logística e Transportes ou em empresas especializadas pela guarda de documentos contratadas pelo governo, em uma negociação que envolveu a Justiça, os Ministérios Públicos Estadual e Federal, além da Procuradoria-Geral do Estado. 

Além dessa guarda, os ex-funcionários da Dersa mantidos no serviço público devem auxiliar a secretaria dos Transportes no gerenciamento de cerca de 10 mil imóveis que a Dersa tem nas 39 cidades da Grande São Paulo – para fazer o Rodoanel, a estatal teve de comprar todos os terrenos ao redor da capital por onde a rodovia passaria.

  

Por fim, as secretarias de Transporte e Habitação tiveram de negociar como manter o benefício de contratos de aluguéis sociais para cerca de 700 famílias que foram desalojadas para a construção do Rodoanel e, até hoje, não tiveram a compensação oficializada. Esse é um passivo estimado em cerca de R$ 40 milhões. 

Secretaria lança site de transparência específico para as obras rodoviárias

Paralelamente aos serviços da Dersa, a Secretaria Estadual de Logística e Transporte prepara, para os próximos dias, o lançamento de um site de transparência específico para as obras rodoviárias em andamento, que estão a cargo do Departamento de Estradas de Rodagem (DER). É o DER quem publicou o edital nesta quarta-feira, 9, para a retomada das obras do Rodoanel e das novas obras da Tamoios.

Esse site terá as 132 obras rodoviárias do Estado em um mapa, em que o usuário poderá clicar na obra e ter dados sobre a licitação, a empresa vencedora, o prazo e ver imagens feitas por drones e por fiscais. Rodoanel e Tamoios também devem ser incluídas no serviço. 

A Secretaria de Logística e Transportes deve ter um orçamento próximo de R$ 4 bilhões no ano que vem, devido às restrições orçamentárias decorrentes da recessão provocada pelo coronavírus. É um valor sem reajustes em relação ao orçamento atual para a manutenção das estradas paulistas. Só obras já em andamento estão mantidas, mas há algumas exceções: obras tidas como “prioritárias” pelo governo, cuja conclusão ou os impactos serão sentidos até 2022, ano eleitoral, ou serviços qualificados como extremamente necessários, além das obras do Rodoanel e as duas obras ligadas à Tamoios. 

 

PARA ENTENDER

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As datas, definições partidárias, candidaturas e a cobertura especial do jornal das campanhas pelo País e nos Estados Unidos

A secretaria também passou a última semana preparando um texto substitutivo ao Projeto de Lei 529, que prevê a reforma administrativa do Estado. O substitutivo deve reformular o artigo 36 do projeto, que dava a entender que agências reguladoras poderiam sofrer intervenções do governo do Estado. A proposta do Estado é que as agências tenham de arbitrar a execução de contratos caso haja mudanças em leis que afetem contratos de concessão.

O artigo foi pensado para dar segurança jurídica a partir de um caso específico, a desativação da Companhia de Entreposto e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (Ceagesp). O plano do governo é que o entreposto dê lugar a vários armazéns ao redor da capital. E o setor privado defende que os novos armazéns estejam às margens do Rodoanel, o que é melhor do ponto de vista da logística.

Mas os contratos originais do Rodoanel não preveem serviços desse tipo na beira da rodovia. Então a ação da Agência Reguladora dos Serviços Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) era necessária no processo, uma vez que previa um conflito entre a legislação e o contrato. A nova redação deve esclarecer que a ação das agências deve ser para buscar tanto o cumprimento dos contratos quanto a aplicação da lei.