Por Rafael Loyola
Prendemos o ar com sustos ambientais no Brasil, mas a Amazônia pode nos trazer fôlego
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Mais um evento de apneia. Aquela suspensão momentânea da respiração. Podia ser por uma razão prazerosa como a prática de mergulho livre sem equipamentos. Mas não. Minha apneia costuma ocorrer quando leio o jornal.
A “Folha de S. Paulo”, em parceria com o Instituto Talanoa, contabilizou 195 atos referentes à política ambiental brasileira publicados no “Diário Oficial” entre março e maio deste ano. No mesmo período do ano passado, não passaram de dezesseis. Esse aumento de mais de 1.200% causa apneia nos cientistas que, como eu, trabalham e acompanham a questão ambiental no Brasil.
Dia sim, dia não, prendo a respiração ao ler mais um projeto de lei, mais uma pauta do Congresso, mais um decreto publicado. Em geral esses atos normativos vêm enfraquecendo a governança e a gestão ambiental brasileira. Mas os sustos são de tal ordem que cruzaram o Atlântico e quicaram em governos e empresas europeias. Atingiram também o setor privado em terras tupiniquins.
Há uma crescente cobrança pela adoção de uma agenda sustentável no ambiente corporativo, impulsionada por investidores europeus. Fazendo coro a essa cobrança, recentemente CEOs de empresas brasileiras e ex-ministros do meio ambiente escreveram ao governo federal e vimos o posicionamento contundente do setor financeiro, todos demandando uma visão de desenvolvimento sustentável no país.
Nessa esteira, o papel da Amazônia é crucial. Com a imagem arranhada, o governo criou o Conselho Nacional da Amazônia Legal. Seu coordenador, o vice-presidente Hamilton Mourão, conversou com gestores de fundos internacionais e bancos privados no Brasil para buscar apoio a iniciativas de restauração de pastagens degradadas e reflorestamento na Amazônia. Em troca, prometeu reduzir o desmatamento e as queimadas em toda região.
É uma tomada de fôlego diante de tantos sustos. Do ponto de vista político, a Amazônia é um ativo que concede um poder enorme ao Brasil. Sua proteção é um assunto de interesse global, e, por isso, para captar recursos que permitam um desenvolvimento de fato sustentável na região, o país precisa aproveitar os mecanismos financeiros associados aos acordos das convenções de biodiversidade e de mudança do clima. A conversa com o setor privado e financeiro pode ser um alento. Isso porque precisamos de proteção e recuperação na Amazônia, mas também é preciso desenvolver a região.
O potencial que pode ser gerado pela bioeconomia na Amazônia é gigantesco. Essa atividade pode trazer 400 milhões de dólares em investimento para o Brasil e criar aproximadamente 200 mil empregos, segundo dados da Associação Brasileira de Inovação. A economia baseada em produtos oriundos da biodiversidade já movimenta cerca de 11 trilhões reais mundo afora, comercializando resina, bio-óleo, nanocelulose, nanofibras e produtos florestais madeireiros e não-madeireiros.
Em dezembro de 2018, a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos publicou o relatório “Potência ambiental da biodiversidade: um caminho inovador para o Brasil”. Nesse documento, diversos cientistas brasileiros, inclusive este colunista, contextualizam as crises climática e de biodiversidade no Brasil e indicam soluções cada vez mais necessárias e imediatas. As soluções concentram-se em reposicionar a natureza no centro de nossa vida, nossa sociedade e nossos negócios.
É preciso repensar nossa imagem no exterior para atrair recursos que nos ajudem a fazer a transição para uma economia verde. Para isso, o diálogo do governo com a sociedade — ouvindo a ciência, o setor produtivo, a sociedade civil — é fundamental. Será necessário ter fôlego para vencer obstáculos e encontrar consensos sobre a questão. O que não dá é para continuar vivendo em apneia.
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Rafael Loyola é biólogo e doutor em ecologia. É diretor científico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, professor da Universidade Federal de Goiás e membro da Academia Brasileira de Ciências.
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