quarta-feira, 17 de junho de 2020

Antonio Delfim Netto Respeito ao STF, FSP

Quem desrespeita o Supremo nega a democracia e deve pagar por isso

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Os 18 meses do governo Bolsonaro permitem classificar a sua pessoa física —sem violar a liturgia do cargo— como uma contradição ambulante. Não deve ser julgado pelo que pensa nem, muito menos, pela sinceridade com que diz o que pensa, mas por suas reações —empiricamente verificáveis— aos problemas que pretendeu resolver, frequentemente com insucesso. Uma das mais visíveis contradições é entre a sua palavra de “democrata” (“a Constituição garante a plena liberdade de manifestação”) e o seu comportamento “fascista” (“A Constituição sou Eu!”).

No processo de aprendizado do delicado exercício da democracia, os três Poderes da República têm testado os seus limites, o que leva, inevitavelmente, à judicialização do exercício da política e à sua reação, a “politização da atividade judicante”. Não é, entretanto, jabuticaba nacional. É um fenômeno que ocorre em todas as repúblicas democráticas que praticam o Estado de Direito, o que as levou a criar mecanismos para mitigá-lo. Nossa solução foi criar um Supremo Tribunal Federal, com 11 cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, escolhidos pelo presidente da República e aprovados por maioria absoluta no Senado. A ele entregamos, precipuamente, a defesa da Constituição, ou seja, das nossas liberdades.

Para os constituintes céticos e jejunos em direito constitucional, era difícil acreditar que tal “sacralização” pudesse transformar mesmo o mais ético dos juristas num “santo” a quem deviam confiar a proteção da sua liberdade. A sua “conversão” foi produzida pelos argumentos dos constituintes juristas. Onze cidadãos brasileiros respeitáveis, para os quais a nação concedeu a suprema honra de guardiões da Constituição, teriam argumentos e contra-argumentos para afinal decidir —por maioria— a solução que melhor obedece à letra e ao espírito dos constituintes. Por construção, portanto, o Supremo só é supremo quando decide no Pleno, porque é aí que emerge a decisão majoritária fruto do amplo contraditório. É por isso que a divergência argumentativa dos ministros é bem-vinda e esperada. Ilumina a solução.

Infelizmente, foi preciso que a “desarmonia entre os Poderes” chegasse ao insuportável nível atual para que o STF atentasse para a possibilidade de um eventual excesso de seu poder sobre os outros quando decide monocraticamente. Pode ser contestado, mas não desobedecido. Só as decisões do Pleno são pacificadoras: elas obrigam, definitivamente, mesmo a quem desagradam.

É esse Supremo o “garante” das nossas liberdades. Quem o desrespeita nega a democracia e deve pagar por isso.

Antonio Delfim Netto

Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.

terça-feira, 16 de junho de 2020

Quanto custa? materiais durante a pandemia, divulgação da Unicamp

A área da saúde da Unicamp presta assistência exclusivamente pelo SUS a uma população de mais de 6,5 milhões de habitantes, constituindo uma referência no Estado para o enfrentamento da COVID-19, doença provocada pelo novo coronavírus.

Um grande contingente de profissionais se desdobra todos os dias para minimizar os efeitos da pandemia. 

Mas além do esforço humano, também são necessários equipamentos e insumos.


Saiba aqui quanto custa enfrentar a Covid-19


Quanto custa um leito de UTI?

Aproximadamente entre R$ 2,5 mil a R$ 3 mil por dia.


Quanto custa a implantação de um leito de UTI?

Aproximadamente R$ 180 mil.


Quantos leitos novos de UTI serão abertos?

Mais 30 leitos, que custarão em torno de R$ 75 mil por dia ou R$ 2,3 milhões por mês.


Quanto custa cada teste PCR para coronavírus?

Atualmente, custa cerca de R$ 70,00. A meta estimada é realizar 180 mil testes em dois meses, o que dá um custo total em torno de R$ 12,6 milhões.


Qual o custo diário com equipamentos de proteção individual usados pelos profissionais da saúde?

O Hospital de Clínicas está preparado para liberar até 200 leitos exclusivos para pacientes com Covid-19. Para atender a essa demanda, serão necessários, por dia:
6.000 máscaras cirúrgicas de três camadas, o que resulta num custo de R$ 18 mil.
600 máscaras N95, que custam R$ 3,7 mil.
5.000 aventais TNT, que custam R$ 8,5 mil.
1.000 aventais bilaminados, que custam R$ 11 mil.
1.000 toucas, que custam R$ 200,00.







Pedro Cafardo: Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa, Valor Econômico

Classe dominante sabia o que esperar de Jair Bolsonaro quando o elegeu

O título acima, em latim, não precisa de tradução. Vem de uma reza tradicional da Igreja Católica, o “Confiteor” (Eu confesso), na qual o fiel reconhece seus erros perante o Criador.

A prática do mea culpa é rara no Brasil. O PT foi e ainda é muito cobrado para fazer autocrítica e reconhecer erros cometidos durante os anos em que esteve no poder, nos governos Lula e Dilma. Nunca os reconheceu, nunca pediu desculpas.

Há hoje, no Brasil, uma extensa lista de entidades e pessoas que precisam fazer o mea culpa pela escolha de 2018, quando a disputa democrática oferecia pelo menos seis ou sete candidatos melhores que o eleito.

Políticos influentes se omitiram na campanha eleitoral e deram um “dane-se” ao país. Oportunistas, muitos deles se elegeram governadores e deputados na sombra do candidato presidencial e agora viraram casaca como se nunca o tivessem apoiado, sem uma palavra de arrependimento e desculpas. Empresários só pensaram no próprio quintal e passaram a aceitar “qualquer um” desde que não fosse do PT. Igrejas se animaram com o tom conservador e as ideias retrógradas. Juízes e procuradores influenciaram o voto sem demonstrar constrangimento. Jornalistas olharam para a economia e acharam que Paulo Guedes, o Posto Ipiranga, com sua política liberal, poderia consertar o país. Mesmo que o presidente continuasse andando por aí propagando teorias bizarras, feito criança inconsequente.

Jornalistas, portanto, não podem fugir de suas responsabilidades. Muitos dos que hoje ferozmente expõem as atrocidades presidenciais deveriam reler com distanciamento crítico o que escreveram no passado recente. Julgaram que, uma vez eleito, o presidente não iria se aventurar no autoritarismo. Que as instituições impediriam aventuras desse tipo e consideraram histéricas pessoas que se mostravam temerosas. É possível mesmo que a sociedade organizada consiga evitar o avanço autoritário para uma ditadura, mas o custo será elevado. Já está sendo.

Na hora de assumir responsabilidade por erros, é instrutivo observar o mapa das votações no segundo turno das eleições de 2018. Está lá, em verde e vermelho, uma impressionante divisão do país em dois: o rico e o pobre. Quanto mais rico, mais verde, e, quanto mais pobre, mais vermelho. Em São Paulo, o Estado mais rico, Bolsonaro venceu em 631 dos 645 municípios. No Nordeste, a região mais pobre, ele perdeu em 98% dos municípios. A faixa verde se estende desde Rondônia, Mato Grosso e Goiás, áreas do próspero agronegócio, até o sul de Minas, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, as regiões mais industrializadas do país. A vermelha domina o Norte e o Nordeste.

Está claro que a escolha do presidente foi responsabilidade das elites brasileiras, do agronegócio à indústria, passando evidentemente pelo setor financeiro. Não há clichê esquerdista algum nessa afirmação que usa a palavra “elites”. Foram, sim, os mais ricos e teoricamente bem informados que elegeram ou trabalharam com mãos e mentes pela eleição do atual presidente. Precisam agora fazer mea culpa.

Ao escolher Bolsonaro, a classe dominante sabia que ele se juntaria ao conservadorismo de Trump, que adotaria comportamento hostil em relação à China, maior parceiro comercial do Brasil, que daria uma banana para as causas ambientais, que desprezaria os povos indígenas, que poria ideologia conservadora nas escolas, que incentivaria a homofobia e o uso de armas pela população, que tiraria recursos da cultura, que a contragosto apoiaria o arrocho fiscal recessivo, que flertaria com o autoritarismo antidemocrático.

O atual presidente tem muitos e graves defeitos, mas também uma qualidade: nunca mentiu sobre suas intenções autoritárias. As elites só não sabiam, mas poderiam desconfiar, que ele adotaria uma política tão desastrosa na área da saúde. Nem que o país enfrentaria a infeliz coincidência de ser liderado por alguém que despreza a ciência e promove a morte em meio a uma pandemia nunca vista em cinco gerações.

Por que o Brasil elegeu um cidadão que agora obriga brasileiros a lutar feito leões para manter a democracia? Por que o eleitorado foi tão incompetente a ponto de minar seu próprio terreno com bombas que agora exigem tempo e energia para a sua desativação?

Assustados, heróis da campanha das “Diretas já” dos anos 1980 emergem da aposentadoria para alertar os mais jovens sobre o perigo iminente. A batalha ideal de hoje seria pela saúde, pelo crescimento econômico, pela distribuição de renda, pela educação universal e por outras causas sociais que possam melhorar a vida dos brasileiros. Mas não, 35 anos depois de ter derrubado a ditadura, cá está novamente a nação lutando para salvar sua democracia.

Males da deflação
Mudando de assunto, se o grande e generoso jornalista Alberto Tamer (1932-2013) estivesse vivo, certamente escreveria sobre deflação. O Brasil experimentou, nos dois últimos meses, duas deflações, de 0,31% em abril e de 0,38% em maio. Tamer morou em Paris por uma década na passagem do século e tinha sempre especial atenção para os males da deflação francesa, principalmente por seu efeito recessivo. Não é preciso ser economista para observar, costumava dizer, que quando um país vive em deflação o consumo desaba, pela simples razão de que as pessoas, na expectativa de que os preços vão baixar no futuro, adiam suas compras de produtos não essenciais.

No Brasil, onde a maior ameaça foi sempre o dragão da inflação, ninguém parece preocupado com deflação, até porque é considerada passageira, decorrência da pandemia. Mas se Tamer aqui estivesse certamente soltaria os cachorros para alertar o país sobre os males dessa “inflação negativa”. Em um momento como este, ela é uma overdose recessiva.

*Pedro Cafardo é editor-executivo do Valor

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