sábado, 13 de junho de 2020

Flexibilizar a quarentena em São Paulo neste momento da pandemia é uma medida precipitada? NÃO, João Gabbardo, FSP


João Gabbardo dos Reis

Vivenciamos o maior desafio de São Paulo, e esse momento exige, de cada um, esforços para unir as medidas necessárias de preservação da vida e de bem-estar das pessoas. O tempo nos impulsiona a atitudes de confiança coletiva e à imperiosa necessidade de união dos diversos entes de nossa sociedade.

A análise dos cenários epidemiológicos a e ampliação dos recursos hospitalares para tratamento da Covid-19, aliadas às medidas de prevenção adotadas pela população, indicam ser possível a implantação de orientações de retomada da economia correspondentes ao status da pandemia em cada região do estado de São Paulo.

O médico João Gabbardo dos Reis, coordenador-executivo do Centro de Contingência do Coronavírus de São Paulo - Sérgio Lima - 27.fev.20/AFP

Inicialmente, adotamos uma parada ampla, para que a sociedade adotasse ações fundamentais. Primeiro, reduzir imediatamente a velocidade da propagação do vírus, que evita o colapso do sistema de saúde. Avançamos no entendimento do agente infeccioso e das suas manifestações.

Conscientizamos a população sobre vulnerabilidades, riscos e medidas de prevenção da Covid-19. E preparamos o sistema de saúde para enfrentar os casos da nova doença: ampliação dos leitos, aquisição de equipamentos de proteção individual e de respiradores, novos leitos de UTI, estabelecimento de protocolos e fluxos, capacitação dos profissionais, melhoria dos diagnósticos.

As medidas do governo de São Paulo obtiveram resultados expressivos nos 70 dias iniciais da quarentena. Evitaram a contaminação de quase 1 milhão de pessoas, e isso poupou 65 mil vidas, como lembrou o governador João Doria (PSDB). Ninguém ficou sem atendimento. E o trabalho dos profissionais de saúde permitiu que mais de 30 mil pacientes se recuperassem. Protocolos desenvolvidos pelo Hospital das Clínicas trataram casos graves com maior taxa de sucesso e com internações mais curtas que a média mundial.

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Existe um consenso crescente na comunidade de epidemiologistas, médicos e cientistas de que o Brasil já está convivendo com diferentes processos epidêmicos. Mesmo dentro de cada região, realidades distintas precisam ser levadas em conta para se atingir o complexo equilíbrio que autoriza a retomada de atividades econômicas e de convivência social.

O Plano São Paulo está ancorado em dados que permitem previsibilidade e segurança na tomada de decisões. Especialmente na Grande São Paulo e na capital, esses indicadores mostram hoje redução ou estabilização no índice de novos casos, além de capacidade de pleno atendimento. Em três regiões mais críticas do interior do estado, o movimento é inverso —temos índices em ascensão.

A maturidade alcançada para essa nova fase no enfrentamento da pandemia permite que as autoridades flexibilizem medidas. Importante lembrar que a orientação de distanciamento social associada a medidas de higiene pessoal —como lavar as mãos e usar máscara— constituem deveres de cada um. Na sua essência, são comportamentos solidários, que aproximam as pessoas, pela empatia e pelo respeito, contribuindo para a preservação da vida.

As etapas de retomada gradual preveem medidas mais amplas e complexas do que o simples “libera geral” ou “fecha tudo, lockdown já”, que vemos em debates nas redes sociais. Seu sucesso dependerá do engajamento de prefeitos, de empresas e das pessoas. É por isso que eu acredito que esse será o caminho vitorioso de São Paulo.

João Gabbardo dos Reis

Médico e coordenador-executivo do Centro de Contingência do Coronavírus de São Paulo

Hélio Schwartsman Melhor do que derrubar estátuas é reuni-las num parque dos enjeitados, FSP

Alguns leitores criticaram minha coluna de sexta-feira (12) sobre racismo e a derrubada de estátuas, afirmando que existe uma diferença entre apagar a história e deixar de celebrar certas figuras à luz de mudanças nos valores da sociedade. A segunda atitude, ao contrário da primeira, é defensável.

Não poderia concordar mais. Quem se der ao trabalho de voltar a meu escrito verá que tomei o cuidado de não defender figuras como Edward Colston, que parece ter sido principalmente um traficante de escravos que enriqueceu e fez caridade, ou os generais confederados, mencionando só Colombo e Churchill.

Nenhum dos dois entrou para o clube dos heróis estatuáveis pelas ideias que defenderam, mas por feitos mais específicos, respectivamente a “descoberta” da América e a liderança dos britânicos durante a Segunda Guerra.

Em cinza, proteção instalada ao redor da estátua de Winston Churchill, em Londres - Tolga Akmen/AFP

Aliás, se quisermos motivos para criticar Churchill, há faltas mais graves do que falas racistas e atitudes colonialistas. Ele é um dos principais responsáveis pelos bombardeios aliados sobre Dresden, que deixaram dezenas de milhares de mortos. A cidade alemã não tinha alvos militares ou industriais muito relevantes. O objetivo dos ataques seria abalar o moral do inimigo.

Juízos éticos à parte, a determinação de Churchill foi vital para a derrota dos nazistas, um feito histórico que decididamente merece celebração. Pelo menos em algum grau, é preciso separar as realizações das pessoas de julgamentos sobre sua biografia.

E quanto a Colston e os generais confederados? Aqui, o caso para retirá-los do panteão me parece mais persuasivo. Mesmo assim, melhor do que derrubar estátuas, o que configura destruição de patrimônio público, é reuni-las num museu ou parque dos enjeitados onde se possa contar a história de sua ascensão e queda, de modo que as próximas gerações aprendam alguma coisa
—talvez até a lição de que, olhando de perto, não existem heróis.

Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".