segunda-feira, 8 de junho de 2020

Mathias Alencastro Nas mãos dos gringos, FSP

Governo brasileiro multiplicou gestos de solidariedade a Donald Trump

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Desde 1964, a influência americana nas transições políticas no Brasil tem sido menor do que se costuma pensar. Se a pressão de Jimmy Carter ajudou a impulsionar a anistia, a ditadura militar colapsou sobretudo pela pressão de atores nacionais.

George W. Bush amparou a transição de Fernando Henrique Cardoso a Lula, na época considerada de alto risco para os Estados Unidos.

Para a desilusão dos defensores do complô contra o pré-sal, Barack Obama teve uma atitude discreta no processo de impeachment de Dilma Roussef.

Mas a personalização extrema das relações Brasil-Estados Unidos sob Jair Bolsonaro e Donald Trump pode ter mudado esse quadro.

Jair Bolsonaro e Donald Trump trocam aperto de mãos na Casa Branca - Jim Watson - 19.mar.19/AFP

Causa a impressão de que o governo brasileiro tenha multiplicado os gestos de solidariedade a Trump na semana em que o presidente americano pareceu mais enfraquecido.

Ernesto Araújo acionou os seus auxiliares da embaixada em Washington para produzir o único documento oficial de uma nação estrangeira relativizando os protestos antirracistas.

E o governo não hesitou em acompanhar os Estados Unidos na retirada da OMS, apesar de o próprio Trump ter elevado o Brasil a exemplo de descontrole da pandemia.

Esses gestos destrambelhados sugerem que Bolsonaro firmou um pacto suicida com Trump: ele está disposto a ir até as últimas consequências para ficar ao lado de seu patrono.

Trata-se de uma jogada radical mas calculada. Se Donald Trump vencer a reeleição depois de um processo de impeachment, uma pandemia e uma explosão social, o seu governo terá carta branca para embarcar em uma deriva autoritária, organizada em torno de milícias armadas, particularmente assanhadas na semana passada, e juristas defensores de uma interpretação monárquica da constituição.

A ascensão de um regime iliberal nos Estados Unidos derrubaria a ideia de que a democracia é o destino natural das sociedades capitalistas, o esteio das relações internacionais do pós-guerra. Libertado por Trump, Bolsonaro poderia executar a versão mais extremista do seu projeto para o Brasil.

Mas o alinhamento a Donald Trump também se explica pelo risco que representa uma vitória dos democratas. Bolsonaro estaria indefeso perante um Joe Biden eleito com a promessa de restaurar o multilateralismo e priorizar a luta contra o aquecimento global.

O brasileiro não dispõe dos infinitos petro-dólares que permitiram a Hugo Chávez amarrar os militares, nem da linha de defesa regional de Victor Orbán, idealizador do grupo de Visegrad, a oposição interna à União Europeia.

As implicações das eleições norte-americanas deveriam ser um tema central no debate sobre o impeachment de Bolsonaro. A sociedade brasileira precisa aguardar para abrir um processo dramático contra um presidente que pode sofrer um revés decisivo em poucos meses?

Ou, pelo contrário, o impeachment deve avançar agora porque a janela de oportunidade pode ser fechada em novembro?

Quando o cidadão do Wisconsin ou da Pensilvânia decidir o seu voto, ele também estará arbitrando o destino da democracia brasileira.

Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela

Nova Zelândia zera casos de covid e anuncia reabertura do país, OESP

Nova Zelândia não tem mais nenhum caso ativo do novo coronavírus. Autoridades do país anunciaram nesta segunda-feira, 8, que o último paciente que estava em isolamento social recebeu alta. O país agora se prepara para o fim das últimas restrições de isolamento, que devem acontecer imediatamente.

De acordo com a primeira-ministra Jacinda Ardern, todas as restrições restantes sobre pessoas e empresas, exceto os controles de fronteira, serão encerradas à meia-noite de segunda, abrindo caminho para uma retomada da vida normal. A nação do Pacífico Sul relatou anteriormente que o último de seus pacientes com coronavírus se recuperou, tornando-o um dos poucos países do mundo a erradicar com sucesso o vírus e o primeiro entre os que sofreram um surto considerável.

"Nós nos unimos de maneiras sem precedentes para esmagar o vírus", disse Ardern em uma entrevista coletiva em Wellington. "Nosso objetivo era sair do outro lado o mais rápido e seguro possível. Agora temos uma vantagem em nossa recuperação econômica."

Nova Zelândia - Jacinda Ardern - coronavírus
A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, falan a ONU, em 2018  Foto: Carlo Allegri/Reuters

Em vez de tentar apenas suprimir a transmissão do vírus, a Nova Zelândia adotou uma estratégia de eliminação. O país aplicou regras severas de isolamento social, impedindo a circulação de pessoas e permitindo apenas que serviços essenciais funcionassem. Embora uma das consequências da medida possa ser uma recessão econômica, o governo espera que o fim da pandemia permita que a economia se recupere mais rapidamente do que em outros países.

O levantamento das medidas de distanciamento social, que vieram mais cedo do que o esperado, impulsionaram ainda mais os 50 principais índices de ações do país. Apenas nesta segunda-feira, houve aumento de 3,2%, tornando-se a primeira grande referência na Ásia-Pacífico a acabar com as perdas no fechamento do mercado.

O lockdown de sete semanas na Nova Zelândia terminou em 14 de maio e, sem novos casos por mais de duas semanas, o gabinete decidiu hoje que era seguro baixar o nível de alerta do país para 1. Isso significa que não haverá limitações em negócios, viagens domésticas, reuniões públicas ou eventos esportivos. As pessoas só serão solicitadas a registrar onde estiveram para ajudar no rastreamento da doença, em caso de uma nova onda do vírus.

Isso coloca a Nova Zelândia na vanguarda das nações que se recuperam da pandemia e a torna "se não a mais aberta, uma das economias mais abertas do mundo", disse Ardern. Ela pediu às pessoas que trabalhavam em casa que retornassem aos seus escritórios e locais de trabalho para ajudar a ocupar as cidades novamente.

O país louco pelo rugby também será o primeiro do mundo a receber multidões de volta aos jogos profissionais. O Super Rugby, campeonato da modalidade, será retomado neste fim de semana, segundo os responsáveis pela organização.

O diretor geral do Ministério da Saúde do país, Ashley Bloomfield, afirmou que a notícia representa um êxito do qual todo o país deveria sentir orgulho. "Não ter casos ativos pela primeira vez desde 28 de fevereiro é, sem dúvida, um marco importante em nosso caminho, mas, como afirmamos anteriormente, será essencial manter a vigilância contra a covid-19", destacou em um comunicado.

Retomada, impactos políticos e planos pós-coronavírus

Por sua capacidade de gerir a crise, Ardern ganhou elogios dentro e fora do país. O apoio à primeira-ministra e ao seu Partido Trabalhista aumentou nas pesquisas de opinião recentes, forçando o principal partido da oposição a substituir seu líder em menos de quatro meses das eleições gerais. Não chega a ser uma conclusão precipitada dizer que Ardern chegará à vitória na votação de 19 de setembro, mesmo com a expectativa de que o desemprego suba nos próximos meses.

A fronteira fechada está afetando pesadamente o setor de turismo, que era a maior fonte de receita cambial do país antes da pandemia. Atualmente, apenas residentes em retorno - e alguns trabalhadores estrangeiros com habilidades especializadas às quais foi concedida uma isenção - são atualmente permitidos no país, e todos devem atender a uma quarentena de 14 dias.

Ainda assim, a remoção das regras de distanciamento social dará um "impulso significativo" à economia da Nova Zelândia, alimentando a confiança, disse Stephen Toplis, chefe de pesquisa do Bank of New Zealand, em Wellington. "A confiança tem um enorme impacto nos gastos dos consumidores e nas atividades de investimento. E já existem evidências de que os gastos das famílias superam nossas expectativas", afirmou.

E há sinais iniciais de que o status da Nova Zelândia como um paraíso livre de vírus funcionará a seu favor. O ministro da Educação disse que o país pode se tornar um destino ainda mais desejável no futuro para estudantes estrangeiros, mesmo que precisem servir uma quarentena de duas semanas na chegada. A Nova Zelândia também está em negociações com a Austrália para abrir a chamada bolha de viagens, embora Ardern tenha dito hoje que "precisará agir com cautela", já que a Austrália ainda tem transmissão comunitária do vírus.

"Devemos permanecer atentos à situação global e à dura realidade de que o vírus estará em nosso mundo por algum tempo", disse ela. "Estamos confiantes de que eliminamos a transmissão do vírus na Nova Zelândia por enquanto, mas a eliminação não é um ponto no tempo, é um esforço sustentado".

A teoria por trás da estratégia de eliminação da Nova Zelândia é que a covid-19 tem um período de incubação mais longo que a gripe - uma média de cinco a seis dias e duas semanas, em comparação com apenas dois a três dias da gripe. Isso significa que as autoridades têm tempo para identificar e isolar aqueles que estiveram em contato com uma pessoa infectada antes que eles próprios se tornassem infecciosos. A Nova Zelândia registrou um total de 1.504 casos confirmados e 22 mortes. Não há um novo caso há 17 dias./ Bloomberg e AFP

Mário Faustino Vida Toda Linguagem

Vida toda linguagem,
frase perfeita sempre, talvez verso,
geralmente sem qualquer adjetivo,
coluna sem ornamento, geralmente partida.

Vida toda linguagem,
há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do período, talvez verso,
talvez interjetivo, verso, verso.
Vida toda linguagem,
feto sugando em língua compassiva
o sangue que criança espalhará — oh metáfora ativa!
leite jorrado em fonte adolescente,
sémen de homens maduros, verbo, verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem,
contra negras janelas, cintilantes imagens
que lhes estrelam turvas trajetórias.
Vida toda linguagem —
                como todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear
esses nomes:
             amar, fazer, destruir,
homem, mulher e besta, diabo e anjo
e deus talvez, e nada.
Vida toda linguagem,
vida sempre perfeita,
imperfeitos somente os vocábulos mortos
com que um homem jovem, nos terraços do inverno, contra a chuva,
tenta fazê-la eterna — como se lhe faltasse
outra, imortal sintaxe
à vida que é perfeita
            língua
                      eterna.