sábado, 6 de junho de 2020

Verdadeira disputa democrática só acontece com preservação do Estado de Direito, Fernando Haddad, FSP

Luta contra ameaça fascista não pode implicar perda de identidade dos progressistas e diluição de seus propósitos

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Em 2016, em entrevista à Folha, afirmei que, após a crise de 2008, a tendência política mundial, inclusive no Brasil, era que: “direita e extrema direita sejam o polo das próximas disputas”. Perguntado sobre qual seria o futuro da esquerda, respondi: “O desafio da esquerda é maior do que nunca; vamos ver o que ocorre, até 2018, em torno da candidatura do Ciro Gomes, se o Lula vai ser impedido de disputar”.

Três acontecimentos alteraram o quadro substancialmente: 1) 0 colapso do governo Temer, a partir do Joesley Day; 2) a devastação imposta ao tucanato pela Lava Jato, com a prisão de três ex-governadores (MG, PR e GO) e sérias acusações contra outros dois, candidatos derrotados à Presidência (Serra e Aécio); 3) a prisão política de Lula e seu consequente crescimento nas pesquisas de intenção de voto.

Muitos imaginaram que o destino de Lula seria o mesmo do dos ex-governadores tucanos: a desonra e o ostracismo. Tomaram suas decisões com base, não no que era o certo a fazer, mas no cálculo político mais mesquinho e, até certo ponto, racional. Os verdadeiros progressistas mantiveram-se firmes na defesa do que consideravam justo, mesmo pagando o preço que a história cobra de quem se coloca contra a maré.

No segundo turno das eleições de 2018, candidatos a governador que foram ao segundo turno em seis estados —três do PSDB e três do PDT— declararam apoio ao fascista Bolsonaro, que venceu.

O sonho da direita de derrotar a extrema direita com o apoio da esquerda, como se deu na França, transformou-se no pesadelo Bolsonaro com a apoio da direita. Como se os Clinton e os Obama se aliassem a Trump para derrotar Bernie Sanders. Como se Macron se aliasse a Le Pen para derrotar Mélenchon. Uma escolha muito difícil, alguns diriam.

Em uma outra entrevista à Folha, em 2018, digerida a derrota, disse que o governo Bolsonaro nos impunha uma estratégia mais complexa do que a usual, “trabalhar em duas frentes: uma de defesa dos direitos sociais, que pode agregar personalidades que vão defender o SUS, o investimento em educação, a proteção dos mais pobres; a outra, em defesa dos direitos civis, da escola pública laica, das questões ambientais”. Em outras palavras: uma frente progressista; uma outra, antifascista. A segunda mais ampla que a primeira.

Essa necessidade, contudo, não pode implicar perda de identidade dos progressistas e diluição de seus propósitos —no fundo o que a direita quer.

Quando superarmos a ameaça fascista e garantirmos a preservação do Estado de Direito, se dará a verdadeira disputa democrática, entre diferentes times e sonhos. Espero que sem trapaça desta vez.

Fernando Haddad

Professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.

Alvaro Costa e Silva A ressaca de Bolsonaro e Witzel: um deles será o outro amanhã, FSP

Produtos da 'nova política', o presidente e o governador do Rio agem como o roto falando do esfarrapado

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Além de chamá-lo de “estrume” no furdunço ministerial de 22 de abril, Jair Bolsonaro mandou um recado a Wilson Witzel: “Brevemente, já sabe onde ele deve estar”. Com sua bola de cristal e seu português estropiado, o que o presidente quis dizer? Que o governador sofrerá impeachment? Ou que será preso, tal e qual cinco ex-ocupantes do cargo (Pezão, Cabral, os Garotinhos, Moreira Franco)? Ou que irá direto para o pelotão de fuzilamento?

Alvo de dez pedidos de impeachment desde que foi deflagrada a Operação Placebo (comemorada pelo presidente e apelidada por deputados bolsonaristas de Operação Covidão), a qual investiga irregularidades na área da saúde durante a pandemia, WW ainda teve as contas de 2019 rejeitadas pelo TCE.

O presidente Jair Bolsonaro e o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel - Pedro Ladeira - 24.jun.19/Folhapress

Para diminuir a pressão dos deputados e das investigações criminais que também envolvem a primeira-dama Helena Wizel, ele fez uma limpa no governo, trocando seis secretários, entre os quais seu braço direito, Lucas Tristão, que comandava a Secretaria de Desenvolvimento Social e Econômico. Tristão tinha um relacionamento próximo com o empresário Mário Peixoto, preso na Operação Favorito.

Bolsonaro e WW são produtos irmanados da “nova política”, que surgiu na campanha de 2018 com a promessa de dar um fim à corrupção. O governador hoje encrencado poderia responder ao presidente —não menos encrencado com o inquérito das fake news e a acusação de interferência na PF— usando a mesma frase: “Brevemente, já sabe onde ele deve estar”. Quem se estrepar primeiro terá a certeza da antiga propaganda de vodca: “Eu sou você amanhã”.

Ao relaxar as medidas de combate ao coronavírus no momento mais dramático da escalada da doença, em que morre um brasileiro por minuto, fica evidente nossa vocação de país inacabado, que deixa tudo pela metade, sem caminho nem futuro.

Alvaro Costa e Silva

sexta-feira, 5 de junho de 2020

PEDRO DORIA Facebook, Twitter e a ira de Trump, OESP

O céu fechou no mundo das redes sociais — e, nesta, Facebook e Twitter sacaram suas armas, um mirando o outro. Cá no Brasil, o Congresso Nacional estuda criar uma lei de fake news. Nos EUA, Donald Trump quer regular sobre como as redes podem ou não moderar conteúdo. Dependendo de quem o democrata Joe Biden escolher para vice, pode vir um processo antitruste aí. E o debate não ocorre apenas aqui ou nos EUA, é por toda parte. O clima é tenso. E as duas maiores redes sociais estão lidando de formas muito diferentes com a coisa.

Se a tensão é generalizada no Vale, dentro do Facebook está pior. Na semana passada, Donald Trump publicou em suas redes uma frase que disparou esta crise — ‘quando os saques começam, os tiros acompanham’. É uma frase carregada de história, que vem de princípios do século 20, quando o racismo no sul americano era institucionalizado. Trump alega que não sabia deste histórico. Mas o fato é que negros compreendem bem seu significado. É chamamento à brutalidade, aos linchamentos, ao espírito da Ku Klux Klan.

Quando Trump publicou, o Twitter agiu. Pôs uma mensagem para quem quisesse ver alertando: o post do presidente da República violava as políticas contra incitação à violência da plataforma. Literalmente acusaram Trump de provocar violência. Além do alerta, a rede proibiu curtidas, retuítes ou comentários. Por ser o presidente, a mensagem ficava. Mas não poderia ser distribuída e interações foram proibidas.

No Facebook, a decisão foi distinta. Após consultas internas com seus principais executivos, Mark Zuckerberg tomou a decisão de não fazer nada. O Recode, importante site dedicado a análise do mundo digital, obteve os registros de uma teleconferência entre o líder e seus funcionários. “Eu sabia que seria cobrado”, afirmou Zuck. “Concluímos após muita pesquisa e muitas conversas de que a referência é um pedido a policiamento mais agressivo mas que não há história de a frase ser apito para cachorros.”

Dog whistle, a expressão americana. Aquele apito que faz um barulho que os cachorros ouvem mas humanos, não. Em inglês, é metáfora. Uma frase que um grupo capta pela referência cultural, mas que para outros não faz qualquer sentido. Ou seja, a acusação era de que Trump estava mandando uma mensagem para os brancos racistas, para os negros do sul, que no entanto para qualquer outro pareceria um tuíte hiperbólico e só. No Twitter, foi assim que consideraram ser. No Facebook, em decisão monocrática como costuma ocorrer, Zuckerberg decidiu que estava tudo bem.

O encontro virtual, que reuniu 25 mil funcionários, teve tom duro. Na segunda, 400 funcionários cruzaram os braços em protestoUma carta aberta assinada por algumas das pessoas que ajudaram a fundar o Facebook reiterou a queixa. A empresa se voltou contra o CEO e, no entanto, é dado pelo contrato que rege a companhia que as decisões finais são de Zuck e só dele.

O jovem CEO paga um preço alto por sua estratégia de apaziguamento. Os grupos conservadores lá, cá e por todo o mundo, acusam as redes sociais de serem coordenadas por pessoas de esquerda que censuram suas vozes o tempo todo. Pois a política do CEO do Facebook é uma de não mexer no que políticos eleitos publicam. É uma decisão controversa. Mas a escolha de Jack Dorsey, CEO do Twitter, é igualmente controversa. Um número mirrado de empresas — Facebook (dona do Instagram), Twitter e Google (YouTube), no máximo Snap — controlam os espaços onde temos conversas sobre o que é público.

É um monopólio. Na ausência de diversidade, a tensão não irá embora tão cedo.