sexta-feira, 5 de junho de 2020

As coincidências da raiva, Gilles Lapouge, O Estado de S.Paulo (definitivo)


05 de junho de 2020 | 03h30

No início deste mês, ocorreu uma coincidência. No último sábado, um novo tipo de foguete americano se acoplou à estação orbital e, dois dias depois, nos Estados Unidos, a morte de um homem negro, morto por um policial (estrangulamento), incendiou as principais cidades americanas. Duas Américas se chocaram: a da genialidade e a do racismo.

Caso George Floyd - manifestações
Manifestantes pedem justiça em protesto perto da Casa Branca  Foto: AFP

Poucas horas depois, Paris e algumas das maiores cidades europeias já estavam nas ruas para denunciar a morte, por estrangulamento policial, de um homem negro no Val d'Oise, em 2016. E, em meio a todos esses episódios, todas essas convulsões, o coronavírus seguia seu rumo de silêncio e horror.

É forte a tentação de misturar esses dramas no mesmo discurso, principalmente os dois mortos, o de Val d'Oise, em 2016, e o de Minneapolis, em 2020. A passagem entre os dois casos é bastante clara: dois negros, na França e nos Estados Unidos, foram vítimas de um policial. 

 

PARA ENTENDER

O caso George Floyd

Homem negro de 46 anos foi morto por policial branco durante abordagem; desencadeados pelo assassinato, protestos contra o racismo e a violência policial eclodiram nos EUA e no mundo

De fato, o amálgama entre os dois “excessos” se deu em manifestações em Paris e em outras cidades europeias que se apressaram para passar por essa porta aberta. Nas manifestações de rua, nas redes e nos subúrbios da Europa, aponta-se para o mesmo culpado: o racismo que empesteia tanto a polícia americana quanto a francesa.

A imprensa francesa evitou esse argumento. Mesmo dedicando grandes artigos aos dois episódios, a maioria se recusa - com indignação o Fígaro e condescendência o Libération - a colocar na mesma cesta a polícia americana e a polícia francesa. Os números sublinham essa diferença: a polícia americana mata de oitocentas a mil pessoas por ano. A polícia francesa, menos de trinta. 

O recorde é da Inglaterra, que mata apenas 5 pessoas a cada ano. As comparações continuam. Os Estados Unidos são um país terrivelmente violento. As armas de fogo são autorizadas e onipresentes. “Agora”, disse um policial americano, “sempre que estamos lidando com um criminoso, achamos que ele pode estar armado e às vezes sacamos a arma antes dele”.

Na França, ainda que as redes sociais se embebedem com o caso francês e o americano, existem mais restrições. Nos círculos políticos, tudo é silêncio ou reserva. O partido comunista, até agora, não disse nada. Apenas Jean-Luc Mélenchon, eloquente porta-voz das ideias anarco-sindical-trotskistas, explicou que os subúrbios franceses estão em guerra perpétua. Até mesmo Marine Le Pen, que outrora esposava todas as teses negacionistas de seu pai, hoje encaminha uma brilhante carreira política e uma limpeza iconoclasta dos absurdos defendidos por Jean-Marie.

Ela acaba de prestar homenagem ao general De Gaulle. Certamente é uma boa escolha, pois ele sem dúvida foi um dos maiores políticos (franceses) de seu tempo. Sincera adesão de Marine ao gênio do general? Ou, então, Marine só considera proveitoso colocar De Gaulle em seu kit de campanha para as eleições presidenciais que se aproximam - e nas quais ela tem chance?

De qualquer maneira, precisamos conceder que, mesmo se a polícia francesa não puder se igualar à americana, permanece um ponto comum: tanto aqui quanto lá, as relações entre a polícia e os afrodescendentes (e os imigrantes em geral) são violentas. Deve-se dizer que os subúrbios franceses - vastos, abarrotados, habitados por imigrantes malquistos, três vezes mais parados para verificações de identidade do que os transeuntes de pele branca - não são subúrbios felizes. Nessas áreas o desemprego está crescendo como um vírus.

Perdidos diante de uma educação inadequada, os jovens negros “abandonam” o ensino médio muito cedo. O que você pode fazer com as tragédias de Racine, a filosofia de Voltaire ou as equações de Blaise Pascal quando você é pobre, mora mal e não entende a cultura francesa? Adeus, escola! 

E olá, solidão, desespero, drogas e subemprego! Assim como as minorias que habitam as cidades americanas, as minorias africanas dos subúrbios franceses estão fadadas a criar “homens e mulheres cheios de raiva”. Nem François Hollande ontem, nem Emmanuel Macron hoje ousaram cuidar desse espinho que gangrena a sociedade francesa. Mal sabem que “os amanhãs cantam”. / Tradução de Renato Prelorentzou

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Aos poucos, o Brasil vai sendo tragado por Olavo, Havan, centrão e fake news, FSP

Tati Bernardi caríssima,

Li, neste jornal, que você gostaria de voltar a escrever crônicas, mas o estupor da hora impede.

Eu também, Tati, tenho saudade das minhas. E penso que parei de escrevê-las bem antes de você, que ainda reflete sobre a maternidade, os amores tortos, o sexo no casamento, os vizinhos e as eternas neuroses.

Foi a releitura de Rubem Braga que lhe fez notar o desvio. Amo Rubem Braga. Você conhece uma crônica chamada “Defuntos”, sobre a diferença entre os obituários da Alemanha e do Brasil? É das minhas preferidas.

Ilustração de mulher digitando em um notebook, é possível ler na tela "O Millôr me deu 36 joias do Rubem ilustradas por ele.". Há plantas e máscaras penduradas na frente dela
Marta Mello/Folhapress

O Millôr me deu uma coletânea com 36 joias do Rubem ilustradas por ele. Guardo o tesouro num lugar de honra da estante. O prefácio é do Millôr, um texto que eu daria tudo para ter escrito. Chama-se “A Última Vez que Vi Rubem Braga”.

Nele, o inventor do frescobol conta dos acenos efusivos que trocava com o cronista, ele no seu estúdio, na General Osório, e o amigo numa cobertura, alguns quarteirões afastada. Em íntima distância, Millôr admirava Rubem ao sol e Rubem via Millôr na prancheta.

Mas “veio o governo Carlos Lacerda, que aprovou a ideia de mudar o gabarito de Ipanema transformando-se o bairro numa favela igual a Copacabana”. E assim, a cidade que ambos conheceram, feita de casas e prédios baixos, foi posta abaixo.

“A exploração imobiliária, liberada para todas as cobiças e todas as monstruosidades arquitetônicas, começou a rodear o edifício de Rubem Braga com massas gigantescas de concreto e aço, construções as mais estranhas, sem ar nem luz —atentados que ninguém parece ver, e contra os quais, aparentemente, ninguém pode. E, pouco a pouco, Rubem Braga foi desaparecendo de minha vista, tragado pela Nova York, oculto pela Canadá, emparedado pela Sergen, sepultado pela Gomes de Almeida Fernandes.”

Um dia, um desses caixotes de cimento horrendo barrou, em definitivo, a comunicação do Millôr com o parceiro. Foi a última vez que ele viu Rubem Braga. É um relato estupendo sobre a amizade, a convivência, a catástrofe urbanística e a mudança inexorável das coisas. Um libelo contra o mau gosto, além de um epitáfio da geração dos dois, insinuado no título. E tudo sem perder a dimensão humana, dos sentimentos, ou se valer de denúncias, protestos e estatísticas enfadonhas.

O problema é que o mundo perdeu a poesia, Tati. O humor, a inteligência e a poesia. Estamos todos como a tartaruga que cai de pernas para o ar e vive à espera de alguém que a desvire. Passo os dias quarentenada. À noitinha, assisto ao noticiário das inomináveis tragédias, afundo na lista de óbitos, medro diante das improbidades e conspirações mais torpes e, por fim, coro ao som de palavrões chulos.

A monstruosidade impera travestida de decência. Quando me sento para escrever, só vem o assombro com a última meleca misturada com cachorro-quente, o susto com a carreata armada, a indignação com as maracutaias da saúde e o pânico com aquela reunião ministerial.

Quem virá nos resgatar?

Antônio Prata é de lavar a almaGregorio não se intimida, você é o melhor espelho que se pode ter, mas somos todos do jardim de infância, se comparados ao Rubem e ao Millôr. A geração deles se criou num país que ainda existia. Nota-se, na elegância da pena da dupla, ecos da ironia do Machado, da melancolia do Bandeira. Mas não tem Machado e nem Bandeira, não tem Suassuna, Rosa, Drummond, Graciliano, Nelson ou Clarice nesse buraco em que nos metemos.

Ontem, fui dormir certa de que rumamos para a Venezuela. Talvez aconteça aqui. O dinheiro grosso não se importa de abrir mão da educação, da cultura, da ciência e da justiça.

Celso de Mello se insurge contra a “gravíssima aleivosia” do “discurso contumelioso” do louco do Weintraub. Não defendo que os magistrados corrompam o seu excelentíssimo português, mas o decano precisa de legenda para ser compreendido; ao contrário dos porras, foda-ses, trozobas, hemorroidas, bostas e estrumes do capitão.

“Atentados que ninguém parece ver e contra os quais, aparentemente, ninguém pode”, volto ao Millôr. E, pouco a pouco, o Brasil vai desaparecendo da minha vista, tragado pela América do Olavo, oculto pela Estátua da Liberdade da Havan, emparedado pelo velho centrão, sepultado pelas fake news.

Eu também gostaria de escrever uma crônica, mas diante dos acontecimentos, o que resta é a inutilidade da análise. Os brioches da Maria Antonieta.

Nos vemos na guilhotina.

Fernanda Torres

Atriz e roteirista, autora de “Fim” e “A Glória e Seu Cortejo de Horrores”.

Condomínios de São Paulo têm autonomia para flexibilizar quarentena, FSP

Segundo a prefeitura, cabe a cada prédio decidir sobre uso de máscaras e liberação das áreas comuns

SÃO PAULO

A Prefeitura de São Paulo informou nesta quinta (4) que os condomínios têm autonomia para definir suas próprias regras de flexibilização da quarentena.

Isso significa, portanto, que prédios residenciais não estão submetidos às normas de reabertura das atividades em fases estabelecidas pelas autoridades.

Cabe a cada condomínio decidir sobre a exigência do uso de máscaras nos espaços comuns, a autorização de obras nos apartamentos e a ocupação das áreas de academia e piscina, diz a nota enviada pela Secretaria de Comunicação da prefeitura.

Apesar de garantir a autonomia dos prédios, o texto recomenda que sejam mantidas as medidas de prevenção, como o uso de máscaras e de álcool em gel. Também orienta que as reuniões de moradores sejam virtuais, quando possível.

"Assim, a prefeitura esclarece que cabe a cada síndico, junto com seus conselheiros e eventualmente em uma consulta virtual aos moradores, determinar o ritmo e a forma da flexibilização", afirma colunista da Folha Marcio Raschkovsky, advogado especializado em condomínios.

A nota da prefeitura foi escrita após consulta de Rachkorsky ao prefeito Bruno Covas (PSDB).

"Isso traz a vantagem de não precisar ficar esperando uma lei que vai definir tudo nos condomínios, vai ser prédio a prédio. A gente ganha uma autonomia que está ligada à vida de milhões de pessoas aqui em São Paulo", completa ele.

Leia a nota na íntegra:

"A Prefeitura de São Paulo esclarece que a convenção e regimento internos dos condomínios reúnem as principais regras de convivência e de sua administração. Cada condomínio redige as suas regras que determinam como serão gerenciados, organizados a vida no local e o trabalho do síndico. A pandemia do novo coronavírus surpreendeu também os condomínios, que adotaram novas regras de convivência. A Prefeitura trabalha por uma abertura das atividades, mas lembra aos condomínios que a cidade continua em quarentena. Desde o início do isolamento social, a Prefeitura já instituiu por decreto, inicialmente, a recomendação do uso de máscara e, posteriormente, a obrigatoriedade de máscara no transporte público. E insiste na necessidade do uso contínuo de máscara por todos. A decisão de exigir máscara nas instalações do condomínio é prerrogativa de cada um. Da mesma forma, cabe a cada um decidir a respeito de obras nas unidades habitacionais, ou sobre a ocupação das áreas de academia e de piscina. No entanto, a Prefeitura alerta que ninguém pode esquecer que o vírus ainda está aí. Continua a preocupação em evitar aglomeração e em proporcionar o distanciamento social, buscando evitar a transmissão do vírus. Reuniões virtuais, quando possíveis, o uso de máscara, álcool em gel e outras ações de higiene pessoal são boas práticas recomendáveis."