segunda-feira, 6 de abril de 2020

Ruy Castro Dilema do escritório, FSP

Os escritórios forjaram as relações humanas; como será o mundo sem eles?

Em 2016, li na Folha uma entrevista da governadora de Tóquio, Yuriko Koike, em que ela dizia que estava combatendo a ideia de que "é bonito ficar até tarde no escritório", como os japoneses foram ensinados a acreditar a partir da Segunda Guerra. E contou que começara uma campanha para que as pessoas dessem menos horas de expediente no escritório e as substituíssem pelo trabalho em casa.

Bem, isso foi em 2016. Hoje, todos os funcionários que Yuriko queria mandar mais cedo para casa já estão em casa —em quase toda parte e em tempo integral. Por causa do coronavírus, as empresas fecharam seus escritórios presenciais. E, quando a pandemia passar, talvez concluam que será besteira voltar para o escritório se se pode fazer o serviço em casa.

Os escritórios não existiam antes de 1800. Ideias, análise de problemas e tomadas de decisões, tudo se resolvia monocraticamente, com bons ou maus resultados. Mas, então, no século 19, os escritórios se institucionalizaram. As soluções ganharam em análise, as ideias pulularam e as decisões se tornaram mais práticas e objetivas, o que levou ao progresso, à eficiência, à riqueza. O mundo melhorou com os escritórios. É verdade que eles geraram também a burocracia, a luta pelos cargos e a rivalidade entre os colegas.

Mas geraram igualmente os afetos, desafetos, intrigas e paixões, com tudo que isso implica —prazer, êxtase, amor, assim como, às vezes, sofrimento, desespero, dor. Não terá sido essa fricção humana nos escritórios que nos fez vividos, experientes e adultos? E que, sem esses embates, continuaríamos tão infantilizados quanto ao nascer?

É o que veremos depois de superado o coronavírus: se o mundo a que voltaremos será o de antes, que nos moldou como somos, ou se será um novo mundo, habitado por pessoas que talvez não reconheçamos de saída e custaremos a entender quem são —nós mesmos.
Por causa do coronavírus, empresas fecharam seus escritórios presenciais - Fotolia
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

Se Mandetta cair? FSP

Queda de Mandetta pode piorar vida de Bolsonaro, mas ameaça a dos brasileiros

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A demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde seria um bom caminho para quem torce por uma rápida derrocada de Jair Bolsonaro.
Ao ameaçar a atual política de combate ao coronavírus, a queda do ministro provocaria reação política de altas proporções dos outros Poderes.
Isolaria mais o presidente dentro sua equipe ministerial, que tem apoiado Mandetta frente à pandemia.
pequeneza do presidente em relação ao ministro pode arriscar o futuro do governo no longo prazo e, no curto, ameaçar a vida dos governados por ele. Se você é dos que não suportam mais a gestão Bolsonaro e quer seu fim, só que está preocupado com a escalada imediata do vírus, então é melhor torcer para que ele e Mandetta se entendam.
O sonho do presidente é nomear alguém alinhado aos seus delírios científicos. Que abrace fórmulas baseadas na metáfora bolsonariana de que o vírus é como uma chuva em que 70% dos brasileiros vão se molhar e apenas os idosos serão os mais afetados (ignorando, por exemplo, o impacto da doença sobre jovens).

Para o lugar de Mandetta, fala-se muito do presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, e do ex-ministro Osmar Terra, entusiastas de restrições menos severas à população.
Hoje, o chefe da Saúde conta com o respaldo dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O presidente do STF, Dias Toffoli, e seus colegas não escondem o respeito pelo trabalho conduzido por ele.
Congresso, Supremo e ministros de peso, como Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia), compartilham da defesa do isolamento social como ferramenta para brecar a velocidade do coronavírus.
Maia afirmou na sexta-feira (3) que Bolsonaro não tem coragem de demitir Mandetta nem mudar a política de combate ao coronavírus.
Quem torce pela vida espera que Bolsonaro continue sem coragem de mexer nas diretrizes atuais do ministério e, claro, que também erre em suas previsões de chuva.
Leandro Colon
Diretor da Sucursal de Brasília, foi correspondente em Londres. Vencedor de dois prêmios Esso.