quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Viés de ranqueamento, FSP

O IDH não é uma corrida

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A mídia foi mais ou menos unânime em anunciar os resultados do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2018 destacando o fato de que o Brasil perdeu uma posição. Passou do 78º para o 79º lugar entre os 189 países e territórios avaliados pela ONU.
Isso é um fato e eu não sou do governo para brigar com fatos. Receio, contudo, que tenhamos aqui sido vítimas do viés de ranqueamento, que é a propensão humana a colocar em formato de ranking tudo aquilo que tem expressão quantitativa.
Não estou dizendo que rankings nunca façam sentido. Eles são uma exigência lógica em muitas situações. O problema com o IDH é que ele não é uma corrida. Se algum país que estava abaixo do Brasil melhorou mais que nós, só nos resta parabenizá-lo —e sinceramente, já que sua conquista em nada nos prejudica.
O procedimento mais correto com o IDH seria apresentar a evolução do indicador de cada país ao longo do tempo. Nessa métrica, o índice do Brasil de 2018 foi de 0,761, um crescimento de 0,001 em relação a 2017. Houve, portanto, melhora. O que preocupa é que nossos avanços têm sido homeopáticos, quando precisaríamos que fossem muito maiores.
A introdução do IDH, nos anos 90, foi importante para reduzir o peso excessivo que se dava à economia
—o principal indicador que se usava então era o PIB per capita— e incluir outras dimensões. O IDH leva em conta, além do PIB, expectativa de vida e educação.
Ao legitimar o uso de outras dimensões, porém, o IDH abriu uma caixa de Pandora. Por que se limitar a economia, saúde e educação? O próprio IDH tem uma variante que considera a desigualdade. Críticos lamentam que ele ignore outros itens relevantes, como ambiente e felicidade.
Se ampliarmos demais a lista das coisas que valeria a pena medir num índice, logo chegaríamos ao paradoxo borgiano do mapa tão perfeito que tinha o tamanho exato do império e coincidia com ele ponto por ponto.
 
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Insensibilidade social, Antonio Delfim Netto, FSP

Não podemos, sem consequências dramáticas, desativar os órgãos controladores

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As avaliações das condições sociais e econômicas de um país podem ser dele consigo mesmo. No nosso caso, é péssima. Ainda mais significativa é a comparação da dele com a dos outros, para medir a sua posição relativa, o que dá uma ideia da "qualidade" da administração dos seus recursos.
Todas as medidas de "bem-estar geral" (que incluem a liberdade individual, a mobilidade social e a eficiência produtiva) —uma espécie de felicitômetro— são sujeitas a chuvas e trovoadas. Parece plausível, entretanto, a hipótese de que elas terão uma alta correlação com o "ambiente de negócios", medido pelo Doing Business, do Banco Mundial. Tanto é assim que o presidente Bolsonaro em suas poucas palavras em Davos, no início de seu governo, disse que seu objetivo era ver o Brasil na quinquagésima posição do ranking mundial em 2022. Onde estamos hoje? No indicador de 2017 estávamos na 109ª posição entre os 190 avaliados. Em 2019, o Brasil foi colocado na 124ª posição. Não indica, necessariamente, que pioramos. Apenas, que "melhoramos menos" do que os outros...
Diante desse quadro pavoroso, não deveria espantar ninguém que o ilustre ministro Guedes —com o apoio relutante do núcleo palaciano— tenha proposto uma ambiciosa revolução na administração pública. Esta é hoje controlada por uma "casta corporativa" que se apropriou, depois da Constituição de 1988, de boa parte do excedente produtivo da nação.
Ela subtrai recursos dos investimentos públicos, o que empobrece o país, aumenta a desigualdade de renda e reduz a igualdade de oportunidades, causas importantes do "malaise" que ataca a sociedade brasileira.
O que é de espantar é que a resposta a tais propostas no Congresso foi a sua rápida movimentação para aprovar uma PEC de 2015, de autoria da senadora Gleisi, que permitirá a deputados e senadores negociarem livremente com governadores e prefeitos suas emendas parlamentares (agora obrigatórias) sem nenhuma coordenação com os programas federais. É a volta da "escola risonha e franca"! Trata-se de um intolerável desperdício de recursos, do qual se retira o controle do TCU, da PF, do MPF, da CGU contra os pareceres técnicos da própria casa.
Trata-se do maior desserviço do poder Legislativo prestado contra o controle das atividades políticas duvidosas que nos levaram aonde estamos. Podemos conviver e corrigir eventuais "abusos de poder" dos órgãos controladores, mas não podemos, sem consequências dramáticas, desativá-los e entregar aos órgãos de controle dos estados e municípios o uso dos recursos federais, porque sabemos o que eles são...
 
Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Pesquisa aponta 62,6% das cidades brasileiras como 'desertos de notícias', FSP (muito importante)

SÃO PAULO
Atlas da Notícia, levantamento anual de jornalismo local no país, afirma que 3.487 municípios brasileiros, 62,6% do total, são hoje "desertos de notícias".
Não têm um veículo sequer, seja jornal, site ou emissora de rádio e TV com programação propriamente jornalística. A cobertura que seus moradores recebem se restringe ao noticiário dos órgãos nacionais, sem foco no que faz o poder público local —que passa por eleição no ano que vem.
Outros 1.074, 19,2%, são o que a pesquisa chama de "quase desertos", com no máximo dois veículos.
Financiado pelo Facebook, o Atlas da Notícia é realizado pelo Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo) em parceira com Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação) e 22 escolas de jornalismo.
Ao todo, o levantamento contou 11.833 veículos no país, inclusive os maiores jornais —os 90 integrantes da ANJ (Associação Nacional de Jornais), 50 deles auditados pelo IVC Brasil (Instituto Verificador de Comunicação).

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Banca de jornal na região central de São Paulo - Rivaldo Gomes/Folhapress
Apesar de estar na terceira edição, os números de 2019 não podem ser comparados com os anteriores devido a mudanças de amostra e designação do que é noticioso. Foram retiradas do levantamento, por exemplo, as emissoras vinculadas a prefeituras, consideradas não jornalísticas.
"A partir deste ano, para a frente, todos os dados vão começar a ser comparáveis, porque a gente unificou a plataforma e estabilizou a metodologia", diz Sérgio Spagnuolo, editor da agência de jornalismo de dados Volt Data Lab, responsável por pesquisa, análise e mapeamento do novo Atlas.
O levantamento também identificou o fechamento de 331 veículos, 195 deles impressos, mas sublinha que não foi possível confirmar as datas —alguns deles teriam parado de circular há mais de uma década.
"As pessoas desapareceram, a gente não encontra mais registro nenhum", diz Sérgio Lüdtke, coordenador nacional dos 193 colaboradores voluntários do Atlas, estudantes de jornalismo distribuídos pelas cinco regiões do país.
Para Lüdtke, que é também editor-chefe do Projeto Comprova, coalizão de veículos brasileiros para checagem de notícias, inclusive a Folha, o levantamento apresenta um "quadro aterrador para 2020", ano de campanha para prefeituras e câmaras municipais.
"Os grupos vão bombardear", prevê. "Já na eleição presidencial, mais gente usou Facebook e WhatsApp do que votou."
O analista e consultor americano Ken Doctor, especialista em jornalismo local do Nieman Lab (Harvard), também teme pela eleição brasileira, dizendo que "as forças da desinformação entendem muito bem que as crateras abertas na imprensa ampliam suas oportunidades de estrago".
"O jornalismo, a reportagem factual produzida em escala e pela qual os leitores pagam, é o único antídoto", diz.
Ele comenta que os "quase desertos" apontados pelo Atlas indicam a reprodução de um fenômeno observado nos EUA: "jornais fantasmas", veículos locais que sobrevivem, mas reproduzindo noticiário de agências nacionais e internacionais e "quase esterilizados de informação da cidade".
Os três, Spagnuolo, Lüdtke e Doctor, apontam o estímulo ao jornalismo sem fins lucrativos como um dos caminhos para reanimar uma cobertura que "fiscalize o poder local". Mas acrescentam que há obstáculos, como a falta de tradição filantrópica no Brasil.