quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Insensibilidade social, Antonio Delfim Netto, FSP

Não podemos, sem consequências dramáticas, desativar os órgãos controladores

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As avaliações das condições sociais e econômicas de um país podem ser dele consigo mesmo. No nosso caso, é péssima. Ainda mais significativa é a comparação da dele com a dos outros, para medir a sua posição relativa, o que dá uma ideia da "qualidade" da administração dos seus recursos.
Todas as medidas de "bem-estar geral" (que incluem a liberdade individual, a mobilidade social e a eficiência produtiva) —uma espécie de felicitômetro— são sujeitas a chuvas e trovoadas. Parece plausível, entretanto, a hipótese de que elas terão uma alta correlação com o "ambiente de negócios", medido pelo Doing Business, do Banco Mundial. Tanto é assim que o presidente Bolsonaro em suas poucas palavras em Davos, no início de seu governo, disse que seu objetivo era ver o Brasil na quinquagésima posição do ranking mundial em 2022. Onde estamos hoje? No indicador de 2017 estávamos na 109ª posição entre os 190 avaliados. Em 2019, o Brasil foi colocado na 124ª posição. Não indica, necessariamente, que pioramos. Apenas, que "melhoramos menos" do que os outros...
Diante desse quadro pavoroso, não deveria espantar ninguém que o ilustre ministro Guedes —com o apoio relutante do núcleo palaciano— tenha proposto uma ambiciosa revolução na administração pública. Esta é hoje controlada por uma "casta corporativa" que se apropriou, depois da Constituição de 1988, de boa parte do excedente produtivo da nação.
Ela subtrai recursos dos investimentos públicos, o que empobrece o país, aumenta a desigualdade de renda e reduz a igualdade de oportunidades, causas importantes do "malaise" que ataca a sociedade brasileira.
O que é de espantar é que a resposta a tais propostas no Congresso foi a sua rápida movimentação para aprovar uma PEC de 2015, de autoria da senadora Gleisi, que permitirá a deputados e senadores negociarem livremente com governadores e prefeitos suas emendas parlamentares (agora obrigatórias) sem nenhuma coordenação com os programas federais. É a volta da "escola risonha e franca"! Trata-se de um intolerável desperdício de recursos, do qual se retira o controle do TCU, da PF, do MPF, da CGU contra os pareceres técnicos da própria casa.
Trata-se do maior desserviço do poder Legislativo prestado contra o controle das atividades políticas duvidosas que nos levaram aonde estamos. Podemos conviver e corrigir eventuais "abusos de poder" dos órgãos controladores, mas não podemos, sem consequências dramáticas, desativá-los e entregar aos órgãos de controle dos estados e municípios o uso dos recursos federais, porque sabemos o que eles são...
 
Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.

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