sábado, 3 de novembro de 2018

O governo deveria reduzir o volume de reservas internacionais do país? SIM, FSP

Fazer mais com menos

Homem conta cédulas de dólares - Marcelo Fonseca - 15.out.14/Folhapress
Roberto Luis Troster
Uma análise custo-benefício da política cambial aponta que ela pode ser atualizada com ganhos de bem-estar ao país. Sua execução é orientada por dois objetivos: prevenir e mitigar choques externos e arrefecer a volatilidade dos preços das divisas.

Para tanto, o Banco Central segue estratégia com dois elementos: mantém o volume de reservas num patamar estável de US$ 380 bilhões e atua no mercado futuro quando considera oportuno, liquidando as operações em reais sem sacrificar divisas. Os méritos são discutíveis.

Apesar do volume elevado, a defesa para um choque externo é parcial, como o é em quase todos os países. As aplicações de investidores estrangeiros em carteiras adicionadas das operações intercompanhias superam em 90% as reservas brasileiras. Protegem, mas não blindam totalmente.

O Brasil tem um excesso de reservas. São maiores do que as da França, da Alemanha e do Reino Unido. O custo é elevado. Para carregar as divisas, o Banco Central gasta R$ 70 bilhões por ano, o que equivale à metade do déficit primário do país. É uma despesa que pode ser reduzida.

Estudos técnicos do Fundo Monetário Internacional indicam que o volume de reservas razoável para a economia brasileira seria de US$ 240 bilhões, um montante 37% menor do que o atual.

Além de exageradas, há também uma rigidez que deveria ser repensada. Quando se fixou o patamar atual, o déficit em transações correntes era cinco vezes maior do que agora. Com contas externas mais sólidas, o razoável seria observar uma redução no volume.

Há outro custo da política cambial que é o da volatilidade da taxa. É uma das mais altas do mundo. Tem efeitos adversos no agro, na indústria, no turismo e no risco de operações financeiras. Ilustrando o ponto, o vaivém dos preços dos combustíveis, por conta da influência do dólar, aponta como é ruim para a atividade econômica.

A questão é o que fazer. O mais urgente é diminuir o volume de reservas. Atualmente, corresponde a 27% da dívida pública. Com um nível menor, haveria uma redução no mesmo montante do endividamento do governo com despesas de juros menores e ganhos para a solvência do país.

A segunda correção seria modernizar a anacrônica legislação cambial. A lei foi assinada há 85 anos, quando o país era outro. A alteração mais importante seria permitir contas em divisas para cidadãos e empresas no Brasil. Atualmente, só estão autorizadas no exterior.

A medida teria três vantagens: a primeira seria um ganho fiscal, pois o custo de carregamento das reservas internacionais seria dos correntistas, e não do governo. Outra é que daria um "hedge" natural para empresas se protegerem dos humores dos mercados financeiros. Terceiro, diminuiria a volatilidade do câmbio ao aumentar a dimensão e capilaridade do mercado.

A raiz das disfunções é a demora da política econômica em se adequar à realidade em transformação. No mercado de câmbio, o cidadão pode ter posições de bilhões de dólares no mercado futuro e contas em bitcoins, o que é razoável em 2018, mas não é autorizado a ter contas em dólares em bancos no Brasil, algo que fazia sentido em 1935.

Não é um caso único. O sistema de pagamentos atual convive com uma oferta de crédito de meio século atrás. Pode-se fazer mais ainda, como criando uma jurisdição offshore ou melhorando os canais de transmissão da política monetária. Urge uma política econômica adequada ao Brasil de 2019. Ano novo, vida nova!
Roberto Luis Troster
Doutor em economia e consultor, ex-economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos)

A hora mais escura, André Singer, FSP

Ao alcançar o governo com respaldo popular, projeto autoritário parece prenunciar um golpe contra a liberdade

Domingo, 28 de outubro. Vou à janela e não enxergo tanques. Ligo a televisão e ouço o presidente eleito jurar que o seu “governo será um defensor da Constituição, da democracia e da liberdade”. No dia seguinte, abro o jornal e leio que a Folha se declara “confiante na Constituição de 1988, na força da democracia brasileira e na construção de um país para todos”.
Por que, então, a vitória de Jair Bolsonaro, com 58 milhões de votos sobre 47 milhões de Fernando Haddad, me parece prenunciar um golpe contra a liberdade? Porque um projeto autoritário alcançou o governo com respaldo popular. E, do ponto de vista da hegemonia, a maioria nas urnas dá mais poder aos antidemocratas do que os tanques de 1964.
“Mas veja”, me dizem colegas, “aí estão as instituições democráticas, funcionando a pleno vapor para preservar o Estado de Direito”. Por exemplo: ao entrevistar o novo presidente na segunda (29), William Bonner, editor-chefe do Jornal Nacional, defendeu a Folha, criticada pelo mandatário. Exercício pleno da liberdade de opinião.
Depois, na quarta (31), o Supremo Tribunal Federal (STF) referendou por unanimidade uma liminar provocada pela Procuradoria-Geral da República, segundo a qual, invadir universidades lesa “os direitos fundamentais de liberdade de manifestação do pensamento, de expressão da atividade intelectual, artística, científica, de comunicação e de reunião, previstos no artigo 5º da Constituição”.
Ocorre que no jogo que se começará a jogar em 1º de janeiro de 2019, a força promete falar mais alto do que a retórica. Durante a referida entrevista à Rede Globo, Bolsonaro anunciou uma guerra contra a Folha. Não apenas a chamou de mentirosa, como deu a entender que, em sua gestão, o jornal teria cortada a “propaganda oficial”. Quer, assim, sufocar economicamente a imprensa incômoda, que, aliás, ele proibiu de entrar na sua coletiva da quinta (1º/11). 
Para completar, o capitão reformado entregou um superministério da Justiça para Sergio Moro, que teve a falta de juízo (passe o trocadilho) de aceitar. Em um mesmo passo, derrubou a aparência técnica da Operação Lava Jato e deu ao magistrado de Curitiba o comando dos instrumentos policiais da União. Com o gesto, Bolsonaro e Moro deixaram simultaneamente claro de que lado estava o Partido da Justiça e o que se deve esperar em matéria de perseguição político-judicial daqui a pouco. 
Bolsonaro aquece os aviões para o bombardeio das cidadelas democráticas. Depois da derrota de domingo, de onde virá a energia para erguer um dique e deter a onda autoritária? Seremos agora capazes de construir a frente democrática que brilhou pela ausência durante a eleição?
André Singer
Professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.