sábado, 3 de novembro de 2018

A nova direita - DENIS LERRER ROSENFIELD, OESP

ESTADÃO - 29/10

A ideologia de esquerda está perdendo espaço para a emergência de novas forças políticas



O quadro eleitoral mudou a face do País. Novos parlamentares, novos governantes. Os padrões que vinham orientando a conduta dos políticos sofreu uma brusca transformação, desde a importância da televisão, que perdeu a sua força em detrimento das redes sociais, até a afirmação do antipetismo como ideia transformadora. A ideologia de esquerda perde a sua aderência, abrindo espaço para a emergência de novas forças.

Até estas últimas eleições tínhamos um critério definido, articulado em torno da oposição PT-PSDB. O esquema vigente estruturava-se a partir de uma alternativa entre uma esquerda social-democrata e uma que detestava essa denominação, fazendo o jogo da democracia, apesar de não reconhecer o seu valor universal.

Os valores da esquerda funcionavam como uma espécie de terreno comum, balizando os termos da disputa. Segundo as necessidades eleitorais, os tucanos faziam uma leve inflexão à direita, para capturar os seus votos, embora não se reconhecessem nesse movimento. Os petistas, por sua vez, saíam de sua posição de esquerda ou de extrema esquerda rumo ao centro para não afugentar cidadãos comprometidos com a democracia e os princípios do Estado de Direito e de uma economia de mercado.

Tal forma de enfrentamento terminou sendo muito confortável para os dois contendores, que em seus melhores momentos de relacionamento se consideravam irmãos de uma mesma ideologia social-democrata, embora um deles não se reconhecesse nesse espelhamento.

À direita não lhe sobrou nenhum espaço. O PSDB considerava-a um mero lote de votos que nele desaguaria normalmente, uma vez que esse setor da população não votaria no PT. Nos poucos momentos em que a sociedade se pôde manifestar em função propriamente de valores foi no referendo sobre o Estatuto do Desarmamento, em que a maioria da Nação votou pelo direito à legítima defesa.

O voto popular foi posteriormente desconsiderado por meio de atos administrativos, como se a vontade da maioria não devesse ser respeitada. Não é casual que Jair Bolsonaro tenha partido precisamente da defesa desse valor ancorado no direito de proteção da própria vida, tendo visto aí uma brecha que terminou se mostrando uma grande avenida.

Acontece, porém, que a sociedade passou a não mais se reconhecer nesse jogo da esquerda. Viu-se não representada. Os tucanos desaprenderam de fazer oposição, oscilando em suas posições e não sabendo fazer o enfrentamento com o PT. Pior ainda, muitos de seus líderes terminaram comprometidos com a corrupção, tirando desse partido o que era seu traço distintivo.

O PT, por sua vez, abandonou qualquer disfarce democrático e partiu para o aparelhamento ideológico e partidário do Estado, tratando-o como se fosse uma espécie de coisa sua, a ser negociada com empresários que se locupletavam num capitalismo de compadrio. Para as massas de trabalhadores e desempregados sobraram as migalhas desse enriquecimento ilícito.

Agora, com Jair Bolsonaro e, no primeiro turno, com João Amoedo, para não falar dos novos deputados e senadores, não apenas saímos da oposição estéril entre esquerda e direita, como a direita passou a se apresentar em sua diversidade. O PT ainda procura, no desespero, caracterizá-la como fascista, pois nada mais sabe fazer do que considerar os seus adversários como inimigos que deveriam ser aniquilados: o “nós” contra “eles”. O partido nunca soube conviver com o outro, apenas procura sempre consolidar a sua própria hegemonia. Nem semelhantes consegue aceitar. Ciro Gomes e Marina Silva que o digam! Foram, em diferentes momentos, simplesmente descartados e desconsiderados.

A nova direita apresenta-se agora em duas correntes. Trata-se dos conservadores e dos liberais, em sua significação inglesa, pois na vertente americana os liberais são de esquerda, na acepção local da social-democracia. Uma, representada por Jair Bolsonaro, tem sua ideia reitora em posições conservadoras, outra por João Amoedo, que expressa posições liberais.

A primeira está, principalmente, ancorada na questão dos costumes e no direito à legítima defesa. Trata-se de valores morais que deveriam, segundo essa formulação, fundamentar as posições públicas, dentre as quais a luta contra o aborto, a defesa da família, o direito à posse de armas e o combate à ideologia de gênero nas escolas. Daí nasce o apoio maciço dos evangélicos e de setores católicos a Jair Bolsonaro.

No que toca à questão econômica, as posições são menos claras, embora o candidato tenha passado a levar a sério posições liberais, como a necessidade de privatização de algumas empresas estatais, a austeridade fiscal e a urgência da reforma da Previdência, por exemplo. Em todo caso, clara está a defesa da economia de mercado e do Estado Democrático de Direito, o direito à propriedade privada, a defesa das seguranças jurídica, física e patrimonial e a liberdade de imprensa e de expressão. Aqui, posições conservadoras recortam perfeitamente as liberais.

A segunda, a liberal, parte enfaticamente da defesa da economia de mercado, insistindo na redução substancial do peso do Estado, apregoando um programa rápido e abrangente de privatizações. No que tange aos costumes, diferencia-se dos conservadores por defender outros valores, como a liberalização do aborto e das drogas e a defesa das minorias. Ou seja, a noção de liberdade seria entendida de um modo mais amplo, vindo a significar um distanciamento dos princípios conservadores.

Os próximos anos certamente serão a ocasião de desenvolvimento e de contraposição entre essas posições à direita, vindo a ser propriamente protagonistas da luta política, e não mais meras coadjuvantes de posições de esquerda, que as instrumentalizava. Caberá, isso sim, à esquerda reinventar-se, abandonando, no caso do PT, seus delírios chavistas e antidemocráticos.

*Professor de filosofia na UFRGS.

As fábricas onde se constrói o futuro - CORA RÓNAI, O Globo



O GLOBO - 30/10

‘Há 65 anos, a Coreia do Sul teve a sorte de ter líderes que estabeleceram a educação como prioridade nacional. Hoje, mostra o caminho’



As viagens que os jornalistas de tecnologia costumam fazer têm objetivos bem definidos: o lançamento de um produto aqui, uma feira ali. Mais ou menos como jornalistas que cobrem cinema, que vão ao lançamento de um filme ou a um festival. Essas são viagens mais ou menos previsíveis, que se repetem ao longo do ano, em geral para os mesmos destinos. Às vezes, mas muito às vezes mesmo, uma viagem foge desse padrão: é quando temos a chance de visitar as empresas que fazem a tecnologia que usamos, e que alteram a paisagem cultural.

Nessas ocasiões, vemos laboratórios de pesquisa e desenvolvimento e fábricas, conversamos com engenheiros e designers. São dias intensos em que mergulhamos nas origens dos aparelhos que temos em mãos, vemos os bastidores em que tomam forma e temos vislumbres do futuro.

São maravilhosas oportunidades de conhecimento mas, ao mesmo tempo, um pouco frustrantes, porque há limites para o que podemos ver, e mais limites ainda para o que podemos contar. Fotografia, nem pensar.

Voltei anteontem de uma viagem dessas. Fui para o outro lado do mundo para ver os estúdios de design da Samsung e a sua fábrica de semicondutores em Hwaseong, cidade que fica a pouco mais de uma hora de distância da capital Seul.

A Samsung é a maior fabricante mundial de chips de memória, e vem obtendo recordes de faturamento graças a uma demanda mundial sem precedentes de DRAM: só para dar uma ideia, quando se fala em “nuvem” é de servidores com este tipo de memória que se fala. No segundo trimestre deste ano, a empresa registrou um lucro de 14,87 trilhões de wons, ou R$ 50,1 bilhões — cinco vezes o lucro da Petrobras.

Não temos nada sequer remotamente parecido no Brasil.

A fábrica emprega cerca de 40 mil pessoas, mas nas suas monumentais salas limpas quase não se vê gente — o produto é feito, transportado e embalado por robôs, numa paisagem futurista de máquinas e trilhos aéreos por onde passam carrinhos em alta velocidade.

Nós só pudemos observar essa atividade através de janelões de vidro, como aquários. As salas limpas não se chamam assim porque são limpinhas, mas porque são rigorosamente livres de qualquer poeira ou resíduo. Chão e teto são feitos com grelhas, para circulação contínua de ar. Engenheiros e equipes de manutenção não podem sequer usar perfume, e passam por jatos de ar antes de vestir macacões e máscaras que praticamente só deixam os seus olhos de fora.

É fascinante: uma daquelas atividades que a gente pode acompanhar por horas, como o vaivém dos navios no canal do Panamá, admirando o engenho humano que lhes deu forma.

Para mim, a experiência teve um lado deprimente. Era impossível esquecer que, naquele momento, brasileiros se atacavam com ódio nas redes sociais discutindo as pautas jurássicas de uma eleição deplorável, sem perceber a distância cada vez maior que nos separa do mundo.

É preciso muita determinação, e uma educação de ponta, para chegar a um resultado desses: várias gerações de seriedade, competência e dedicação. Há 65 anos, a Coreia do Sul era um país devastado pela guerra. Teve a sorte de ter líderes que estabeleceram a educação como prioridade nacional. Hoje, mostra o caminho.

Eficiência e cidadania, Fernando Gabeira, OESP

O Estado de S.Paulo
03 Novembro 2018 | 03h00

Às 19h16 do domingo passado, horário de Brasília, Jair Bolsonaro foi declarado matematicamente eleito presidente do Brasil. A rapidez na divulgação do resultado - apenas 16 minutos após o fechamento das urnas no Acre - é um eloquente triunfo da eficiência com que a Justiça Eleitoral organiza, processa e apura eleições tão complexas, sob o ponto de vista logístico, como as nossas.
Neste ano, estiveram aptos a votar mais de 147 milhões de eleitores, número que representa aumento de 3% em relação a 2014. É digna de registro a tranquilidade com que as eleições transcorreram em todo o País, não obstante alguns incidentes isolados que já são esperados em um evento deste porte.
De acordo com balanço divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), houve 396 incidentes em todo o território nacional no dia de votação. Destes, 179 levaram à prisão dos infratores, na maioria dos casos pela prática de propaganda de boca de urna e fotos tiradas pelo eleitor dentro da cabina de votação, ambos os atos proibidos por lei. São números irrisórios considerando o total de votantes.
O inexpressivo número de incidentes também indica o amadurecimento democrático da sociedade. Não obstante a forte polarização entre os cidadãos, a esmagadora maioria dos brasileiros compreende que o acirramento das lides inerentes à atividade política não deve extrapolar os limites da civilidade e de convivência.
Os números oficiais do TSE também atestam a eficiência das urnas eletrônicas. Apenas quatro seções eleitorais no País tiveram de voltar à votação manual: uma no Amazonas, uma na Bahia, uma em Minas Gerais e uma no Rio de Janeiro. Das 519.649 urnas eletrônicas de votação e contingência - incluindo 808 no exterior - apenas 4.333 (0,83%) precisaram ser substituídas por outras após apresentarem problemas.
À robustez física das urnas eletrônicas se soma a segurança lógica. Não paira qualquer dúvida - ao menos para os que não dão espaço para teorias conspirativas - sobre a certeza dos resultados apurados nas urnas, concorde-se ou não com eles. A confiabilidade do sistema de votação eletrônica foi posta em xeque no curso do processo eleitoral, inclusive pelo presidente eleito. No entanto, nada sustentado por evidências é capaz de apor uma mácula sequer sobre o processo eleitoral.
Por fim, mas não menos importante, é fundamental destacar a impecável postura do presidente Michel Temer ao longo de todo o processo eleitoral. Cioso de seu papel institucional, manteve-se longe de qualquer declaração ou gesto que pudessem ser interpretados como indevidas interferências do atual chefe do Poder Executivo no curso da eleição de seu sucessor. Ao contrário, Michel Temer vocalizou, tanto por meio do Twitter como em artigos publicados nos jornais, referências à segurança jurídica, política e institucional que tanto o País deseja e espera ver defendida por seus líderes.
Em artigo para o Estado (Constituição e harmonia, publicado em 28/10/2018), o presidente da República fez uma oportuna lembrança de que “os eleitos de hoje são autoridades constituídas, não titulares do poder”. Michel Temer fez ainda a correta distinção entre “situação” e “oposição” à luz da Constituição. “A oposição não deve discordar de absolutamente tudo porque muitas vezes os atos não são de governo, mas de Estado. Ou seja: têm razões superiores”. Esta é a visão que se espera tanto do presidente eleito como dos que a ele irão se opor a partir de janeiro de 2019.
Mais uma vez, o Brasil foi exemplar na realização de eleições gerais seguras, ágeis e incontestáveis, um feito restrito às nações onde a democracia está consolidada.
A despeito das necessárias mudanças que precisam ser implementadas no atual sistema político-partidário, objeto de uma ampla reforma política a qual o novo governo e o Congresso Nacional não poderão deixar de discutir a partir do ano que vem, o País sabe como organizar bem suas eleições. Isto deve ser motivo de orgulho para os brasileiros.