terça-feira, 15 de maio de 2018

Pesquisadora dos EUA culpa indústria e médicos por crise de opioides, FSP

Ela diz, porém, que há novas opções para combater overdoses

Phillippe Watanabe
AUSTIN
A indústria farmacêutica e os médicos foram mais uma vez responsabilizados pela crise dos opioides nos EUA. Dessa vez, a bronca foi dada por Nora Volkow, dos NIH (Institutos Nacionais de de Saúde dos EUA). Há, contudo, alguns caminhos para resolver o problema, avalia a pesquisadora.
Segundo Volkow, diretora do Nida, braço dos NIH que trata do abuso de drogas, a indústria não investe o suficiente em novas drogas para combater a dor.
Ela diz que há mais interesse em novidades para o câncer e o diabetes, por exemplo.
"Talvez a indústria farmacêutica esteja ganhando bilhões de dólares vendendo opioides", afirmou, nesta sexta (16), durante o encontro anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), em Austin, Texas.
A especialista reconhece que há gargalos regulatórios que dificultam a aprovação de remédios para dor, mas diz que os NIH estão buscando formas de incentivar o desenvolvimento de drogas mais seguras e eficazes.
Paciente é levado por socorristas após overdose de opioide nos EUA
Paciente é levado por socorristas após overdose de opioide nos EUA - Brian Snyder/Reuters
Entre as possibilidades estão medicamentos à base de maconha, novas medicações à base de opioides mas sem potencial viciante, remédios biológicos e até mesmo tratamentos não farmacológicos como estimulação neural e meditação --possíveis futuros campões de audiência, opina.
Outra frente de ação é identificar quem é mais suscetível ao vício.
Mas não parece haver solução fácil para o complexo problema da crise dos opioides, que já mata mais gente por overdose do que o registrado em acidentes de carro, Aids ou violência por armas nos Estados Unidos.
Um dos alentos é que já há vacinas contra o vício sendo testadas e com resultados promissores em animais.
Na opinião de Volkow, um trabalho em conjunto dos sistemas judiciário e de saúde seria o ideal. Nessa linha de raciocínio, já foi mostrado que o tratamento da dependência em presidiários pode trazer benefícios.
No Reino Unido, iniciativas do tipo reduziram em 75% a mortalidade por overdose dos presos libertados e, no estado americano de Rhode Island, em 60%.

HISTÓRICO

A especialista afirmou que já se sabia, ainda na década de 1990, que opioides eram viciantes e poderiam levar a overdoses. Concomitantemente, porém, havia uma grande preocupação em aliviar o sofrimento.
"Havia grande negligência com esses pacientes", diz Volkow. E, segundo ela, ainda há, em alguma medida.
Esse seria um dos motivos centrais para o grande número de overdoses que ocorre atualmente. Outro motivo seria a popularização da heroína e de opioides sintéticos.
O excesso de opioide no organismo afeta a função cerebral, diminuindo-a. Com isso, pode haver um colapso no controle da respiração e a pessoa pode morrer.
Volkow diz ter esperança de que, com a exposição da crise e com as pessoas sendo mais bem informadas sobre o tema, o cenário possa melhorar. Além disso, a especialista afirma que os médicos já estão prescrevendo doses um pouco menores de opiodes. "Ao menos estamos caminhando na direção certa", afirmou.

OPINIÃO Hipócrates doidão, FSP

Dar o aval médico para o consumo de uma droga com potencial de provocar dependência é sempre complicado. A maior prova disso é o problema do abuso de opioides nos EUA.
A epidemia teve origem na extrema liberalidade com que médicos americanos passaram a prescrever analgésicos dessa categoria ao longo dos anos 2000. É verdade que eles se sentiam autorizados a fazê-lo por pesquisas e consensos de especialidades, mas, como se vê agora, os dados se baseavam em ciência de má qualidade, influenciada pelos interesses da indústria farmacêutica.
crise já é responsável por mais de 60 mil mortes anuais, só por overdose, isto é, sem considerar os outros problemas de saúde que esse tipo de dependência provoca. Para dar uma ideia do tamanho do desastre, 60 mil é o número de assassinatos que ocorrem anualmente no Brasil, gerando sempre manchetes hiperbólicas.
Faço essas considerações não a propósito dos opioides, mas da maconha. Sou totalmente a favor da descriminalização e posterior legalização de todas as drogas, mas, se há uma estratégia de ação que me parece ruim, é a de defender a liberação da maconha com base em suas propriedades medicinais. Nos EUA, 20 estados autorizam o uso da erva por razões de saúde, contra nove estados mais o distrito de Washington que a permitem para fins recreativos.
Maconha não é remédio. Ela é uma droga psicoativa especialmente complexa, que produz uma cascata de efeitos no corpo humano. Alguns deles têm usos para a medicina, mas a maioria apenas provoca agravos à saúde dos usuários. De um modo geral, são danos menores, mas, para alguns consumidores com predisposições genéticas, as consequências podem ser devastadoras.
Não convém misturar as coisas. Se alguém quer curtir o barato da maconha ou de outra droga, não deveria ser impedido pelo Estado de fazê-lo. Mas também não é o caso de buscar a sanção da medicina para algo que faz muito mais mal do que bem.
 


    Hélio Schwartsman
    É bacharel em filosofia e jornalista. Na Folha, ocupou diferentes funções. É articulista e colunista.

    Lobby do carimbo, Editorial FSP

    Cartórios pressionam contra projetos que buscam a melhora do ambiente de negócios

    Em 2017, os quase 12 mil tabelionatos nacionais contabilizaram faturamento de R$ 14,65 bilhões
    Em 2017, os quase 12 mil tabelionatos nacionais contabilizaram faturamento de R$ 14,65 bilhões - Fernando Frazão - 24.jul.12/Folhapress
    Há muito se cunhou a expressão “capitalismo cartorial” para caracterizar vícios dos arranjos econômicos do Brasil —em particular, as prebendas do Estado que permitem a grupos influentes obter ganhos vultosos sem preocupações com a competição no mercado.
    Os cartórios de fato ilustram à perfeição tais práticas, operando à sombra do poder público e do incomum cipoal burocrático do país.
    Até a Constituição de 1988, seus titulares eram indicados por gestão política; depois veio a exigência de concurso —e resta considerável pressão para que se efetivem os apadrinhados remanescentes. Ainda hoje o posto é vitalício.
    Alguns indicadores ajudam a dimensionar as recompensas proporcionadas por essas sinecuras. Em 2017, os quase 12 mil tabelionatos nacionais contabilizaram faturamento de R$ 14,65 bilhões, cifra que permanece estável desde 2015.
    Dados das declarações do Imposto de Renda das pessoas físicas apontam o comando de cartórios na liderança das ocupações mais bem remuneradas, em média.
    Dificilmente um setor com tais benesses se bateria por propostas modernizadoras. Não surpreende, pois, que tenha feito lobby contra o cadastro positivo de devedores e a duplicata eletrônica, dois projetos que buscam melhorar o ambiente de negócios do país.
    No primeiro caso, propõe-se a inclusão automática de consumidores em um banco de dados de informações financeiras, de modo que bancos e outras instituições possam identificar os melhores clientes e competir por eles.
    No segundo, pretende-se instituir um registro digital obrigatório de títulos negociados entre empresas.
    Ambos representam, em alguma medida, ameaça à renda dos cartórios —seja por reduzir a inadimplência e o número de papéis em protesto, seja por eliminar procedimentos tornados arcaicos pelo avanço da eletrônica.
    Também em comum, os textos avançam aos trancos num Congresso altamente permeável aos interesses de minorias bem remuneradas e organizadas. Daí se tem uma ideia de como será árduo levar adiante uma agenda de eliminação de privilégios, redução da desigualdade e abertura econômica.