segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O eleitor e sua rede, por JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO - O Estado de S.Paulo


05 de agosto de 2013 | 2h 06


Ao mesmo tempo que as instituições que sustentam as estruturas de poder sofreram a maior perda de confiança em cinco anos, as pessoas mais próximas dos brasileiros - seus familiares, amigos e vizinhos - mantiveram sua credibilidade quase intacta. Por comparação, ganharam maior poder de influência.
O Índice de Confiança Social do Ibope, divulgado há poucos dias, mostrou que, pela primeira vez desde que a pesquisa começou a ser realizada, em 2009, todas as 18 instituições avaliadas estão menos confiáveis aos olhos da opinião pública do que estavam um ano antes.
Algumas instituições, como a figura do presidente da República, perderam mais que outras, mas ninguém saiu da crise precipitada pelos protestos de junho maior do que entrou. Ao contrário. Até mesmo aquelas que aparentemente pouco têm a ver com os alvos das manifestações de rua, como as igrejas, sofreram desgaste.
Já as "pessoas da família" permanecem dentro da média histórica de confiança. Nada nem ninguém é mais confiável na opinião dos brasileiros do que seus familiares. Seu índice de confiança chega a 90 num máximo de 100.
Há muito se sabe que o círculo pessoal influencia e muito a opinião das pessoas. Na matriz de decisão do voto, é um dos componentes de maior peso. O que os protestos organizados a partir da internet já haviam mostrado e a pesquisa do Ibope confirma é que esse círculo está cada vez mais estendido.
Ele não se limita mais ao grupo familiar, aos colegas de trabalho, aos amigos. Ele inclui agora a rede de contatos de cada um no Facebook e no Twitter - e os contatos dos contatos.
Por comparação, "seus amigos" são, para o brasileiro médio, mais confiáveis do que 17 de 18 instituições. Só perdem para os bombeiros - em caso de incêndio, ainda é mais eficiente chamá-los do que publicar uma mensagem de socorro na internet.
Fogo à parte, a rede de conhecidos virtuais ganhou materialidade e consistência com os protestos de rua. Uma das traduções disso é que o diz-que-diz conquistou credibilidade. Versões de internet galgaram um status equivalente ao que o jargão jornalístico chama de "bastidor" - o que está "realmente" por trás do noticiário e do interesse dos poderosos.
Pouco importa se essas versões correntes nas redes sociais sejam, na maioria das vezes, teorias conspiratórias sem base nos fatos. Quando todos são emissores e receptores, e as atualizações se dão não mais uma vez ao dia, mas a cada fração de segundo, é uma questão meramente probabilística até que uma de milhares de versões se propague como vírus e vire verdade.
Causa e consequência desse fenômeno de pulverização da informação, os chamados "meios de comunicação" vêm perdendo confiabilidade ano após ano, segundo o Ibope. Seu índice de confiança, que era de 71 em 2009, perdeu pontos a cada nova pesquisa. A perda acumulada em cinco anos é de 15 pontos.
Telejornais, jornais, revistas e suas respectivas plataformas na internet ainda têm saldo positivo no índice de confiança - 56 - e, por comparação, estão bem melhor do que os partidos, os governantes, o Congresso e a Justiça. Mas perderam seu monopólio. Competem pela atenção do público não mais entre si, mas com Google, Facebook, Twitter e o blog da esquina.
Todo isso reforça a persuasão social. O peer presure, a influência do grupo sobre o indivíduo, ganha cada vez mais poder na formação da opinião pública. E como o grupo é crescentemente estendido pelas conexões via internet, aumenta a volatilidade: opiniões nascem, crescem e morrem da noite para o dia.
Esse é o campo da batalha eleitoral que vai se travar em 2014. "Fenômenos" à la Celso Russomanno e reviravoltas de última hora serão cada vez mais comuns. Prepare-se para a surpresa.

domingo, 4 de agosto de 2013

Gestão de verbas para educação (editorial do Estadão)


04 de agosto de 2013 | 2h 11

O Estado de S.Paulo
Se ainda havia alguma dúvida de que o problema da educação brasileira não é de escassez de verbas, mas de falta de gestão eficiente e responsável, ela acaba de ser desfeita pelo relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre a aplicação dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação Básica (Fundeb).
Criado em 2006 para complementar os investimentos dos Estados e municípios em educação, o Fundeb transfere mais de R$ 10 bilhões por ano para o pagamento de salários de professores e servidores técnicos, financiamento da merenda e do transporte escolares e aquisição de equipamentos. A distribuição desses recursos é proporcional ao número de alunos das redes públicas estaduais e municipais de ensino básico, obtido no último Censo Escolar.
Segundo a CGU, cuja função é defender o patrimônio público, tornar as decisões governamentais mais transparentes e prevenir e coibir a corrupção na máquina governamental, em 73,7% dos 180 municípios por ela fiscalizados, entre 2011 e 2012, foram constatados desvios, gastos perdulários, falhas administrativas, contratos irregulares, superfaturamentos e fraudes em processos de licitação para a compra de materiais e contratação de serviços pela rede pública de ensino fundamental.
Além disso, em 69,3% dos municípios fiscalizados foram detectados gastos incompatíveis com os objetivos do Fundeb, como aquisição de automóveis de luxo e tratores. Em vários casos, o dinheiro desviado por prefeitos foi utilizado para financiar campanhas eleitorais, pagar bebidas alcoólicas e despesas pessoais e comprar lanchas, chácaras e gado.
Nas licitações, os vícios mais graves foram a falta de competitividade, direcionamento dos editais e simulação de concorrência, com farta utilização de notas frias, documentos fiscais falsificados e empresas de fachada com endereços inexistentes, envolvendo prefeitos, secretários municipais, vereadores, servidores administrativos e prestadores de serviços. Os auditores da CGU constataram que a comissão cobrada das empresas vencedoras em licitações fraudadas era, em média, de 20%.
Também descobriram movimentação das verbas do Fundeb fora da conta específica e até aplicação do dinheiro no mercado financeiro. Detectaram ainda que 21,9% dos municípios fiscalizados não destinaram 60% dos recursos para pagamento do professorado, como determina a lei que criou o Fundeb.
Segundo os técnicos da CGU, em 58% dos Conselhos de Acompanhamento do Fundeb, criados para promover o "controle social" dos gastos com ensino básico, nenhum conselheiro tinha capacitação técnica para exercer o cargo. Além disso, 50% desses conselhos não cumpriram seu papel, deixando de monitorar a execução das verbas do Fundeb; 56% não acompanharam a aplicação dos recursos do programa Brasil Alfabetizado; 59% não supervisionaram a realização do Censo Escolar; e 62,9% não fiscalizaram a elaboração da proposta orçamentária anual.
O relatório da CGU registra ainda casos de saques dos recursos do Fundeb na "boca do caixa" no valor de R$ 1,2 milhão, momentos antes de os novos prefeitos tomarem posse. Isso mostra "a fragilidade no controle da aplicação dos recursos", concluíram os auditores da CGU, alegando que, enquanto a legislação do Fundeb não for mudada para tornar as prestações de contas mais rigorosas, a farra com os recursos transferidos pela União para as redes estaduais e municipais de ensino básico vai continuar.
Por sua vez, o Ministério da Educação informou, em nota oficial, que já foi editado decreto determinando que as movimentações dos recursos do Fundeb sejam realizadas apenas por meio eletrônico e proibindo saques diretos na "boca do caixa".
As estatísticas oficiais mostram que os valores gastos pelo poder público por aluno vêm crescendo. Mas o relatório da CGU pondera que não há como avaliar se esse crescimento está, de fato, melhorando a qualidade das escolas públicas.

O déficit de leitos hospitalares


04 de agosto de 2013 | 2h 11

O Estado de S.Paulo
Enquanto o governo federal gasta tempo e energia com o seu polêmico programa Mais Médicos, os verdadeiros problemas da saúde - a falta de leitos hospitalares e a desatualização da tabela de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) - continuam a se agravar. A ausência de médicos em regiões carentes - seja por falta desses profissionais, como pretende o governo, seja por sua má distribuição - é uma questão menor, se comparada com o risco de colapso do sistema de saúde, que pode ocorrer se não for enfrentada com determinação a crise por que passam os hospitais.
Os dados de um levantamento realizado pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), publicados pelo jornal Valor, são altamente preocupantes. Eles permitem montar dois cenários. No mais otimista, se o crescimento do número de clientes dos planos de saúde for de 2,1% ao ano, serão necessários pelo menos 13,7 mil novos leitos até 2016, com investimentos estimados de R$ 4,3 bilhões. Essa projeção considera o desempenho do setor no ano passado, de 2,1%, o menor registrado nos últimos sete anos.
Se a tarefa já é difícil nessas bases, a situação se complica ainda mais no cenário em que se considera a média de crescimento do setor nos últimos cinco anos, que foi de 4,1%. Nesse caso, que é o mais realista, a necessidade de novos leitos sobe para 23,2 mil, com investimento de R$ 7,3 bilhões. Consulta feita pelo Valor junto a 20 grupos hospitalares revelou que eles planejam abrir apenas 4,3 mil leitos até 2016, isto é, pouco menos de um terço do necessário no melhor cenário.
Em vez de aumentar, acompanhando a demanda, o número de leitos nos hospitais públicos e privados diminuiu de 453.724 para 448.954 (4.770 a menos), entre 2007 e 2012. Atualmente, o Brasil tem 2,3 leitos por mil habitantes, taxa inferior à do padrão estabelecido pela Organização Mundial da Saúde, que vai de 3 a 5.
Como se chegou a essa situação? Nos últimos cinco anos foram fechados 286 hospitais, o que agravou o déficit que já se acumulava. A maior parte deles - lembra o presidente da Anahp, Francisco Balestrin - era de hospitais que atendiam pacientes do SUS e dos planos de saúde. "Eram hospitais pequenos, normalmente localizados no interior ou na periferia, que precisavam do SUS como complemento de receita", diz ele. Aí está uma das causas principais da crise da saúde no Brasil - a defasagem da tabela de procedimentos do SUS, que cobre apenas 60% dos custos.
Não há como sobreviver por muito tempo nessas condições e a prova está aí. As Santas Casas e os hospitais filantrópicos têm conseguido resistir graças a atos de benemerência, ao endividamento junto aos bancos, cujas taxas de juros são o que todos sabem, e a medidas emergenciais de socorro adotadas de tempos em tempos pelo governo. Uma situação que não pode mais durar, pois chega a seu limite. Essas entidades já estão se aproximando perigosamente da situação sem saída em que se viram aqueles 286 hospitais.
Como elas são responsáveis por 45% das internações do SUS e 34% dos leitos hospitalares do País, é evidente que seu eventual colapso será também o de todo o sistema de saúde pública. Há muito tempo que sucessivos governos lidam de maneira irresponsável com esse problema, acreditando que haverá sempre um "jeitinho" - com uma ajudazinha aqui e outra ali - de evitar a falência das Santas Casas e dos hospitais filantrópicos. Mas, como o dinheiro referente aos 40% dos custos que o SUS não cobre não cai do céu, o tempo está se esgotando. A melhor prova disso - se é que alguma prova ainda era necessária - é o fechamento dos 286 hospitais que dependiam do SUS.
Para sair da grande crise que se avizinha, é indispensável começar a rever logo a tabela do SUS. Ao mesmo tempo, é preciso também encontrar formas de financiamento a longo prazo para a construção de novos hospitais, como defende Balestrin, o que depende do governo. No ponto a que se chegou, ou se age com rapidez ou as consequências serão desastrosas.