04 de agosto de 2013 | 2h 11
O Estado de S.Paulo
Enquanto o governo federal gasta tempo e energia com o seu polêmico programa Mais Médicos, os verdadeiros problemas da saúde - a falta de leitos hospitalares e a desatualização da tabela de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) - continuam a se agravar. A ausência de médicos em regiões carentes - seja por falta desses profissionais, como pretende o governo, seja por sua má distribuição - é uma questão menor, se comparada com o risco de colapso do sistema de saúde, que pode ocorrer se não for enfrentada com determinação a crise por que passam os hospitais.
Os dados de um levantamento realizado pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), publicados pelo jornal Valor, são altamente preocupantes. Eles permitem montar dois cenários. No mais otimista, se o crescimento do número de clientes dos planos de saúde for de 2,1% ao ano, serão necessários pelo menos 13,7 mil novos leitos até 2016, com investimentos estimados de R$ 4,3 bilhões. Essa projeção considera o desempenho do setor no ano passado, de 2,1%, o menor registrado nos últimos sete anos.
Se a tarefa já é difícil nessas bases, a situação se complica ainda mais no cenário em que se considera a média de crescimento do setor nos últimos cinco anos, que foi de 4,1%. Nesse caso, que é o mais realista, a necessidade de novos leitos sobe para 23,2 mil, com investimento de R$ 7,3 bilhões. Consulta feita pelo Valor junto a 20 grupos hospitalares revelou que eles planejam abrir apenas 4,3 mil leitos até 2016, isto é, pouco menos de um terço do necessário no melhor cenário.
Em vez de aumentar, acompanhando a demanda, o número de leitos nos hospitais públicos e privados diminuiu de 453.724 para 448.954 (4.770 a menos), entre 2007 e 2012. Atualmente, o Brasil tem 2,3 leitos por mil habitantes, taxa inferior à do padrão estabelecido pela Organização Mundial da Saúde, que vai de 3 a 5.
Como se chegou a essa situação? Nos últimos cinco anos foram fechados 286 hospitais, o que agravou o déficit que já se acumulava. A maior parte deles - lembra o presidente da Anahp, Francisco Balestrin - era de hospitais que atendiam pacientes do SUS e dos planos de saúde. "Eram hospitais pequenos, normalmente localizados no interior ou na periferia, que precisavam do SUS como complemento de receita", diz ele. Aí está uma das causas principais da crise da saúde no Brasil - a defasagem da tabela de procedimentos do SUS, que cobre apenas 60% dos custos.
Não há como sobreviver por muito tempo nessas condições e a prova está aí. As Santas Casas e os hospitais filantrópicos têm conseguido resistir graças a atos de benemerência, ao endividamento junto aos bancos, cujas taxas de juros são o que todos sabem, e a medidas emergenciais de socorro adotadas de tempos em tempos pelo governo. Uma situação que não pode mais durar, pois chega a seu limite. Essas entidades já estão se aproximando perigosamente da situação sem saída em que se viram aqueles 286 hospitais.
Como elas são responsáveis por 45% das internações do SUS e 34% dos leitos hospitalares do País, é evidente que seu eventual colapso será também o de todo o sistema de saúde pública. Há muito tempo que sucessivos governos lidam de maneira irresponsável com esse problema, acreditando que haverá sempre um "jeitinho" - com uma ajudazinha aqui e outra ali - de evitar a falência das Santas Casas e dos hospitais filantrópicos. Mas, como o dinheiro referente aos 40% dos custos que o SUS não cobre não cai do céu, o tempo está se esgotando. A melhor prova disso - se é que alguma prova ainda era necessária - é o fechamento dos 286 hospitais que dependiam do SUS.
Para sair da grande crise que se avizinha, é indispensável começar a rever logo a tabela do SUS. Ao mesmo tempo, é preciso também encontrar formas de financiamento a longo prazo para a construção de novos hospitais, como defende Balestrin, o que depende do governo. No ponto a que se chegou, ou se age com rapidez ou as consequências serão desastrosas.
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