segunda-feira, 29 de julho de 2013

Governo sem marca, por José Roberto de Toledo

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO - O Estado de S.Paulo
Indagados pelo Ibope em qual de 25 áreas o governo de Dilma Rousseff tem melhor desempenho, um em cada três brasileiros disse "nenhuma" ou não soube responder. Mas esse nem é o maior problema da presidente. O que deve preocupar Dilma, seus subordinados e o PT é o que responderam os outros dois terços.
O terço sem resposta é, na maior parte, formado pelos que acham a atual gestão ruim ou péssima. Neles, Dilma pode perder a esperança: não são, não foram, nem serão seus eleitores. Se a presidente tem chance de se reeleger, será graças aos outros dois terços. E esses estão, na melhor das hipóteses, dispersos.
Nenhum dos 25 temas apresentados pelos pesquisadores aos entrevistados chegou a 10% das respostas. Elas se pulverizaram em taxas de um dígito entre assuntos tão distintos quanto "agricultura" e "capacitação profissional" (ambas com 6% de citações); entre "energia elétrica" (5%) e "cultura e lazer" (6%); "geração de empregos" (5%) e "educação" (3%).
Áreas que projetaram o governo Lula, como combate à "fome/miséria", tiveram - perdão pelo trocadilho - míseros 7% de citações. O maior destaque da atual gestão é "habitação/moradia", com 8% de lembranças. Vale lembrar que o Minha Casa, Minha Vida é uma herança. Mais do mesmo. Ou, como diria Dilma, Lula não vai voltar porque nunca saiu.
A menos que se acredite que o governo vai tão bem que as pessoas não sabem escolher qual sua maior qualidade, o significado da pesquisa é que o governo Dilma não tem marca. Não se distingue por nada especial no imaginário popular. Não diz a que veio.
As causas variam de acordo com o ponto de vista do observador. É culpa da "má comunicação oficial", dirão uns. É da "imprensa golpista", responderão outros. Melhor mirar as consequências.
Se não fica marcado como solução, o governante se torna o problema. Indagados sobre em qual área o governo tem pior desempenho, 99% dos brasileiros identificaram logo uma resposta. E, ao contrário das virtudes, mais da metade dos defeitos se resume a três áreas. Infelizmente para Dilma, são todas fundamentais: saúde (36%), educação (12%) e corrupção (9%).
Se um em cada três brasileiros diz que a maior falha do governo federal é na saúde, por outro lado nenhum afirma que a saúde é onde ele se sai melhor. Difícil imaginar por que o PT cogita lançar o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, para concorrer ao governo de São Paulo. Só se for para trocar o ministro.
Entre os paulistas, por causa da queda da aprovação de Geraldo Alckmin depois dos protestos, o governador tucano ficou no zero a zero em termos de aprovação. As avaliações ruim +péssimo (26%) anularam o ótimo+bom (também 26%). Virou um governo regular (46%). A diferença é que Dilma tem saldo negativo de 15 pontos em São Paulo: 23% de ótimo+bom contra 38% de ruim+péssimo.
Além de ajudar a explicar a queda repentina da popularidade de Dilma, a falta de uma marca positiva do governo federal é um desestímulo aos militantes do PT e aos simpatizantes da presidente. Não há um argumento sólido, baseado na opinião pública, para defender a sua reeleição. Volta-se sempre aos "dez anos" de conquistas, ou seja, a continuidade da era Lula.
Esse circunstância pode ser passageira. Mas para ela passar, dependerá de o governo federal realizar algo notável nos próximos 14 meses e saber comunicar o feito. Não é um desafio pequeno em meio a um cenário econômico mundial adverso.
Do contrário, resta à presidente confiar no petismo, que costuma garantir pelo menos 25% dos votos e uma vaga no segundo turno da corrida presidencial. E torcer para que seu adversário no turno final, por comparação, pareça pior do que ela ou uma incógnita arriscada demais para o eleitor.

A OBSESSÃO PELO MELHOR, por Leila Ferreira


Leila Ferreira é uma jornalista mineira com
mestrado em Letras e doutora em
comunicação em Londres,
que optou por viver uma vida
mais simples, em Belo Horizonte
Estamos obcecados com "o melhor".
Não sei quando foi que começou essa mania, mas hoje só queremos saber do "melhor".
Tem que ser o melhor computador, o melhor carro, o melhor emprego, a melhor dieta, a
melhor operadora de celular, o melhor tênis, o melhor vinho.
Bom não basta.
O ideal é ter o top de linha, aquele que deixa os outros pra trás e que nos distingue, nos
faz sentir importantes, porque, afinal, estamos com "o melhor".
Isso até que outro "melhor" apareça e é uma questão de dias ou de horas até isso
acontecer.
Novas marcas surgem a todo instante.
Novas possibilidades também. E o que era melhor, de repente, nos parece superado,
modesto, aquém do que podemos ter.
O que acontece, quando só queremos o melhor, é que passamos a viver inquietos, numa
espécie de insatisfação permanente, num eterno desassossego.
Não desfrutamos do que temos ou conquistamos, porque estamos de olho no que falta
conquistar ou ter.
Cada comercial na TV nos convence de que merecemos ter mais do que temos.
Cada artigo que lemos nos faz imaginar que os outros (ah, os outros...) estão vivendo
melhor, comprando melhor, amando melhor, ganhando melhores salários.
Aí a gente não relaxa, porque tem que correr atrás, de preferência com o melhor tênis.
Não que a gente deva se acomodar ou se contentar sempre com menos. Mas o menos,
às vezes, é mais do que suficiente.
Se não dirijo a 140, preciso realmente de um carro com tanta potência?
Se gosto do que faço no meu trabalho, tenho que subir na empresa e assumir o cargo de
chefia que vai me matar de estresse porque é o melhor cargo da empresa?
E aquela TV de não sei quantas polegadas que acabou com o espaço do meu quarto?O restaurante onde sinto saudades da comida de casa e vou porque tem o "melhor chef"?
Aquele xampu que usei durante anos tem que ser aposentado porque agora existe um
melhor e dez vezes mais caro?
O cabeleireiro do meu bairro tem mesmo que ser trocado pelo "melhor cabeleireiro"?
Tenho pensado no quanto essa busca permanente do melhor tem nos deixados ansiosos
e nos impedido de desfrutar o "bom" que já temos.
A casa que é pequena, mas nos acolhe.
O emprego que não paga tão bem, mas nos enche de alegria.
A TV que está velha, mas nunca deu defeito.
O homem que tem defeitos (como nós), mas nos faz mais felizes do que os homens
"perfeitos".
As férias que não vão ser na Europa, porque o dinheiro não deu, mas vai me dar à
chance de estar perto de quem amo...
O rosto que já não é jovem, mas carrega as marcas das histórias que me constituem.
O corpo que já não é mais jovem, mas está vivo e sente prazer.
Será que a gente precisa mesmo de mais do que isso?
Ou será que isso já é o melhor e na busca do "melhor" a gente nem percebeu?
Sofremos demais pelo pouco que nos falta
e alegramo-nos pouco pelo muito que temos.
Shakespeare

domingo, 28 de julho de 2013

Quem quer ler em voz alta? - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR


GAZETA DO POVO - PR - 28/07

Prova ABC, da organização Todos pela Educação, confirma que a criança brasileira não consegue compreender o que lê. Já são horas de enfrentar o motivo de não conseguirmos dar conta do que é essencial

Faça o teste: peça para alguém ler em voz alta. Ainda que seja diante de uma pequena audiência, as resistências em soltar o gogó costumam ser impertinentes, principalmente se o leitor for jovem. As desculpas são previsíveis – de “ler em voz alta é coisa do grupo escolar” a “minha voz não é boa”.

Talvez a explicação seja outra. Vivemos uma tremenda crise numa das práticas mais importantes da educação: a leitura pública, aquele que pede pausa breve nas vírgulas, pausa longa nos pontos, entonação para as exclamações e interrogações, capacidade de prender a atenção da plateia. É grave a ponto de tantos e tantos a considerarem infantil, tatibitate, assunto para os infantes às voltas com os primeiros livrinhos.

Em sã consciência, quem trabalha com educação – em todos os níveis, do ciclo infantil aos doutorados – sabe que não é verdade. Com perdão ao clichê, ler em voz alta é uma prova de fogo, pois testa a nossa compreensão do texto. É fato que as implicações da leitura pública “pegam mais” no ciclo fundamental e médio, mas não se pode esquecer que o último Índice de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado ano passado, apontou em até 30% o número de graduados com dificuldade de compreensão de texto.

O nó da questão pode estar em afirmar que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Posso ler muito mal em voz alta e compreender muito bem o que leio em silêncio. Mais: argumenta-se que a prova da leitura foi o tormento de tantos infantes, acuados pelas risadas da turma diante dos erros e pelas correções impertinentes do professor. Há também quem tenha vergonha da própria voz, se anasalada, se estridente, se fraca como o pio de um passarinho.

Não faltam no cinema cenas memoráveis a respeito. Uma delas no filme Minhas tardes com Margueritte, de Jean Becker. Já adulto, por ironia, o leitor traumatizado da trama se reconcilia com as letras graças a uma idosa que lê para ele – em voz alta. Em suma, não é por causa dos bêbados que se deve acabar com o vinho. Ninguém provou que os exercícios de leitura são ruins pela própria natureza. Pelo contrário, potencializam-se se acompanhados de alguma ciência pedagógica.

Às falas. Mais uma vez pesquisa comprova que o país tropeça em questões de leitura. Não se trata diretamente da leitura pública, mas da compreensão de texto. E convenhamos: uma depende da outra. Os dados dessa vez não são do exame internacional Pisa, no qual sempre saímos acanhados, amargando as últimas posições, mas da Prova ABC, da ONG Todos pela Educação, recém-publicada. Mais da metade das crianças da faixa dos 8 anos, avaliadas em 2012, saíram-se mal em Língua Portuguesa. Dessas, metade não conseguiu identificar nem o tema, nem o personagem principal da narrativa. Em Matemática, os resultados foram ainda mais assustadores: 67% dos avaliados tiveram nota abaixo da média. Exames e quetais não são verdades de fé, sabe-se, mas ajudam a pensar a educação. Nesse caso, tome susto.

Vale sempre lembrar o que diz a gestora educacional Cláudia Costin: parece faltar às licenciaturas e às faculdades de Pedagogia interesse e pesquisa nas práticas de ensino. O que abunda nas investigações sobre teoria educacional falta quando o assunto é o básico: ensinar. Daí a vantagem sobre nós de países mais pobres, como qualquer ranking – maldito ou não – pode comprovar.

Num “bate pronto” com professores, ao perguntar por que nossas crianças leem tão mal (logo, por que compreendem tão pouco o que leem), a resposta vem como um jogral bem ensaiado: porque as salas de aula estão muito cheias. Nenhum regente de turma ou auxiliar, em sã consciência, dizem, se aventura com frequência por sessões de leitura em voz alta, temendo algo parecido com a pororoca.

É de suspeitar que há uma descrença entre educadores sobre as virtudes da leitura caprichada – tão elogiadas em teses, tão pouco cultivadas no cotidiano. Não se deixou de fazer teatro, jogos da primavera, passeios, gincanas por causa da excitação das crianças. A desculpa não vale. Realmente, ensinar a ler exige esforços redobrados e cuidados, sempre sujeitos a frustrações. Ninguém disse que era fácil, mas já disseram, e bem dito, que é essencial.