quarta-feira, 17 de abril de 2013

Todo ano é Haiti, por RUBENS RICUPERO


A PASSIVIDADE com que nos resignamos a tragédias anunciadas e evitáveis tem a mesma regularidade e previsibilidade das chuvas de verão. Uma de minhas mais antigas lembranças é da nossa casa do Brás arruinada pelo Tamanduateí nas enchentes que já devastavam a zona 70 anos atrás.
As cidades, berço da civilização (a palavra vem de "civitas", cidade), tornaram-se no Brasil o cenário da tragédia das periferias. Nossa urbanização (acima de 80%) supera a de vários países europeus. Temos 115 cidades de mais de 100 mil habitantes e 18 acima de 1 milhão. No entanto, o tema urbano está ausente do repetitivo debate sobre o país.
Nas três últimas décadas do século passado, 90 milhões de novos citadinos explodiram o sistema urbano brasileiro. Essa expansão não foi antecipada pelos governos com medidas que se adiantassem aos problemas. George Martine, um dos melhores estudiosos do fenômeno, observa que jamais houve prioridade para a oferta pública de terrenos e moradias aos mais pobres.
Abandonados e sem alternativa, esses são obrigados a morar nas áreas de risco: no município de São Paulo, quase 30% dos 2,8 milhões de baixa renda vivem em várzeas inundáveis ou encostas ameaçadas de deslizamentos, ante apenas 9% dos de alta renda. Metade das favelas paulistas se situa em várzeas sujeitas a inundações crônicas. O problema tende a se agravar porque, enquanto os bairros ricos apresentam crescimento negativo, as únicas regiões que crescem nas metrópoles são as pobres (3,6%) e, dentro delas, as de risco (4,8%).
Comenta Martine que, apesar de sua constante expansão, as invasões e as ocupações ilegais têm sido tratadas como situações transitórias que se espera venham milagrosamente a desaparecer graças ao desenvolvimento. A ninguém ocorre que "é muito mais barato e efetivo preparar-se para o crescimento inevitável do que tentar corrigir o fato consumado". Cita exemplo de estudo sobre Curitiba, onde a remoção de 11 mil casas irregulares, menos de 3% do total, custaria o dobro da renda do imposto imobiliário do município.
Ao contrário do que se crê, os pobres não moram de graça. Em termos relativos, pagam mais pelos terrenos do que os abastados. Longe de serem espontâneas, as ocupações e os loteamentos clandestinos são objeto de lucrativa atividade de loteadores piratas.
A solução passa por duas medidas: 1ª) regulamentar e fiscalizar o mercado de terrenos das periferias a fim de proteger os pobres da espoliação; 2ª) mediante recursos de taxas sobre a valorização de imóveis, adquirir e dotar de infraestrutura glebas para vivendas populares ao longo de eixos de transporte rápido, como se fez no passado em Curitiba.
Não só faltam propostas de solução mas existe pouca consciência do problema. Nas eleições, nem se discutem os Planos Diretores das cidades e, de cada dez desses planos elaborados nos anos 70, sete foram engavetados. As tragédias que se repetem em São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, um pouco por toda a parte, deveriam nos obrigar a cobrar neste ano dos candidatos a presidente e governador ideias claras sobre como tencionam enfrentar os problemas oriundos de uma urbanização selvagem e distorcida. Mais que a herança do passado rural, o desafio e a promessa do Brasil futuro se encontram nas cidades.

RUBENS RICUPERO, 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna. 

Produtos inspirados pela natureza dobram a cada ano no mercado


Por Karina Toledo
Agência FAPESP – A planta de lótus (Nelumbo nucifera) virou símbolo de pureza espiritual por sua capacidade de se manter impecavelmente limpa apesar do ambiente lamacento em que vive. Tal façanha pode ser explicada pela presença de nanocristais de cera na superfície de suas folhas capazes de repelir a água de maneira muito eficaz. As gotas que ali caem assumem uma forma quase perfeitamente esférica, deslizam com facilidade e levam consigo a sujeira e os microrganismos.
Tal fenômeno, batizado pelos cientistas de “efeito lótus”, serviu de inspiração para o desenvolvimento de tintas, vidros e tecidos autolimpantes, que dispensam o uso de detergentes, além de equipamentos eletrônicos à prova d’água.
Já a superfície única da pele do tubarão de galápagos (Carcharhinus galapagensis), repleta de minúsculas protuberâncias que funcionam como um repelente natural de bactérias, inspirou o desenvolvimento de biofilmes para revestir camas hospitalares, entre outras aplicações.
Esses e outros exemplos de tecnologias inspiradas pela natureza foram apresentados pela bióloga norte-americana Janine Benyus durante o Simpósio Internacional Biomimética & Ecodesign, realizado pela FAPESP e pela Natura no dia 11 de abril.
Benyus é pioneira em um campo de pesquisa emergente, a biomimética, que propõe aos cientistas usar a biodiversidade não como fonte de matéria-prima para a indústria, mas como fonte de ideias para o design e o desenvolvimento de produtos e de sistemas.
“O número de produtos inspirados pela natureza dobra a cada ano no mercado e o número de publicações científicas na área duplica a cada dois ou três anos. É um campo do conhecimento que cresce muito rapidamente”, contou Benyus.
Durante a palestra, a bióloga mostrou de que forma a biomimética pode ajudar a superar desafios globais, como garantir o acesso à água potável, à alimentação e à energia, além de reduzir as emissões de carbono. Entre os casos citados, está um dispositivo capaz de capturar a umidade do ar e usá-la para irrigar plantações de forma dez vezes mais eficiente que as redes coletoras de neblina tradicionais.
O autor original da ideia é o besouro da Namíbia (Stenocara gracilipes), morador de áreas desérticas que, durante a madrugada, coleta o sereno com a ajuda de microcanais na superfície de seu corpo feitos de materiais hidrofóbicos (como as folhas de lótus) e hidrofílicos (que, ao contrário, atraem a água). As microgotículas fluem pelos microcanais do dorso e unem-se para formar gotas grandes, que chegam até a boca do animal.
“Existem duas formas de fazer biomimética. Uma delas é partir de um desafio de design e buscar um modelo biológico capaz de realizar aquela função que você precisa. A outra é observar um fenômeno interessante do mundo natural e procurar aplicações para ele”, afirmou Benyus.
O princípio não serve apenas para o desenvolvimento de produtos. Pode inspirar, por exemplo, o planejamento de cidades sustentáveis, que funcionem como um ecossistema natural. “Ecossistemas naturais, como as florestas tropicais, são generosos. Limpam o ar, limpam a água, fertilizam o solo. Produzem serviços que beneficiam também outros habitats. É isso que as cidades deveriam fazer”, opinou.
Construir pontes
Antes de trabalhar como consultora de empresas interessadas em encontrar soluções para criar produtos sustentáveis, Benyus era escritora de livros de história natural.
“Como bióloga, eu via muitos pesquisadores estudando como as folhas fazem fotossíntese e como os ecossistemas trabalham tão bem em conjunto. Por outro lado, havia um interesse crescente das empresas por soluções mais sustentáveis. Mas os designers não enxergavam as pesquisas produzidas pelos biólogos. Era preciso construir uma ponte entre eles”, contou em entrevista à Agência FAPESP.
Há 15 anos, Benyus publicou o livro Biomimicry: Innovation Inspired by Nature, no qual reuniu diversas pesquisas sobre o tema e introduziu o termo “Biomimética”. Desde então, além de prestar consultoria empresarial, a americana oferece um serviço sem fins lucrativos para instituições acadêmicas e cursos de especialização para biólogos, químicos, engenheiros, arquitetos e demais cientistas interessados em se aprofundar no tema. Todos os serviços estão reunidos no Instituto Biomimicry 3.8.
Benyus também mantém o portal Ask Nature , que reúne um enorme banco de dados taxonômicos e permite aos pesquisadores interessados em biomimética realizar gratuitamente buscas de estratégias do mundo natural para lidar com um determinado desafio.
“Tudo que os organismos naturais fazem para saciar suas necessidades – comer, respirar, acasalar – contribui de alguma forma para a fertilidade do habitat em que vivem. Os dejetos dos animais adubam o solo, o dióxido de carbono que expiram é usado pelas plantas na fotossíntese. A vida criou um sistema generoso e essa é a razão pela qual esse material genético existe há 10 mil gerações. A única forma de garantir o futuro de nossos filhos, netos e bisnetos é cuidar do lugar em que vão viver. Tem de aprender a ser generoso. É o que a vida faz”, defendeu.
Design sustentável
Ainda durante o Simpósio Internacional Biomimética & Ecodesign, Tim McAloone, professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Danmarks Tekniske Universitet, na Dinamarca, falou sobre outra estratégia que permite às empresas criarem processos e produtos ambientalmente adequados: o ecodesign.
“Design para o ambiente é um conceito que permeia todas as fases do ciclo de vida de um produto, desde a escolha do material, do processo de manufatura e dos meios de transporte,até a distribuição e o descarte”, explicou.
Como exemplo, citou uma cadeira de escritório desenvolvida pela empresa americana Steelcase. Com um número menor de peças e materiais diferenciados, foi possível reduzir 15% o peso de transporte e o volume, além de tornar o processo de reciclagem mais fácil e de aumentar a durabilidade.
Além de apresentar aos cientistas critérios-chave para o design sustentável, McAloone falou sobre meios para implantar essa forma de planejamento nas organizações e divulgou um guia gratuito para o desenvolvimento de produtos disponível para download no site:www.kp.mek.dtu.dk/Forskning/omraader/ecodesign/guide.aspx. 
Parceria
Na abertura do simpósio, o diretor de Ciência e Tecnologia da Natura, Vitor Fernandes, afirmou que o objetivo do evento era unir dois temas considerados pela empresa “bastante complementares”. “Queremos discutir com a comunidade científica de que forma isso pode ser aprofundado, expandido e gerar valor para a sociedade, as empresas e a ciência”, disse.
O diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, ressaltou que a parceria com a Natura faz parte dos esforços da FAPESP para promover a interação entre pesquisadores de instituições acadêmicas paulistas e aqueles que atuam em empresas.
“No Estado de São Paulo existe um grau de interação entre empresa e universidade comparável ao de qualquer lugar do mundo onde há boas pesquisas e boa ciência”, disse Brito Cruz.
Segundo dados da National Science Foundation, em 2010, aproximadamente 6% do dinheiro investido em pesquisa nas universidades norte-americanas veio de empresas. “Na Europa esse percentual varia entre 3% e 10%. Em universidades paulistas, como USP, Unesp e Unicamp, está entre 5% e 10%. São percentuais comparáveis em termos de volume de recursos e de quantidade de projetos”, disse Brito Cruz.
Mas, para que a parceria dê certo, ponderou o diretor científico da FAPESP, é preciso que a empresa tenha sua própria atividade de pesquisa. “Assim conseguirá perceber onde precisa de ajuda e montar uma pauta de pesquisa. A colaboração com a universidade não substitui a pesquisa interna da empresa”, destacou.
 

terça-feira, 16 de abril de 2013

Dilma quer tornar viável uso do gás natural



Presidente considera combustível produzido em terra no Brasil fonte de energia pouco competitiva e com potencial desperdiçado

16 de abril de 2013 | 2h 07
SABRINA VALLE, FERNANDA NUNES / RIO - O Estado de S.Paulo
O governo, a mando da presidente Dilma Rousseff, vai usar a rede de transmissão elétrica para suprir a carência de gasodutos no País e tornar viável o uso do gás produzido em terra no Brasil, hoje uma fonte de energia pouco competitiva e com potencial desperdiçado. A ideia, encampada pela Petrobrás, é transformar o gás em energia elétrica por meio de termoelétricas ao lado do poço de produção, usando posteriormente a rede de linhas de transmissão para escoá-la. A estratégia replicaria a nova e bem-sucedida experiência da OGX/MPX no Maranhão.
"É um modelo mais barato do que o de gasodutos. Hoje, já é uma necessidade. O gás só tem viabilidade comercial se puder ser monetizado (transformado em dinheiro)", disse o superintendente de Planejamento, Pesquisa e Estatística da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Elias Ramos de Souza.
A diretora-geral da ANP, Magda Chambriard, disse que a agência vai mapear as linhas de transmissão do País e apresentar o estudo ao mercado antes do leilão de áreas focado na exploração de gás em terra, em outubro. Gasodutos são investimentos caros, viáveis para grandes volumes. Já as térmicas podem servir à produção em menor escala, abrindo espaço para que depois seja expandida. "Foi uma ideia da presidente Dilma", destacou Magda.
A Petrobrás montou um programa de produção de gás onshore (Prongás) com uma equipe dedicada a estudar o potencial de gás das bacias brasileiras. A presidente da estatal, Graça Foster, disse que blocos próximos à rede elétrica estão na mira.
"O objetivo desse gás em terra é para geração de energia elétrica. Acreditamos que podemos repetir um projeto, muito conhecido no mundo, de produzir o gás e transformá-lo em energia elétrica na boca do poço, injetando esses elétrons nas linhas de transmissão sem precisar de gasodutos", disse Graça, após evento sobre os planos da companhia.
Outras empresas também estudam a malha de transmissão elétrica, segundo fonte do governo. A ideia ganhou força depois que a ANP marcou para três aguardados leilões de áreas exploratórias, após cinco anos sem rodadas. O primeiro, em um mês, terá 123 blocos em terra (além de 166 áreas marítimas), parte com potencial para gás. O de outubro será focado em gás em terra. O terceiro será em novembro, o primeiro do pré-sal.
Magda não descarta que o potencial de gás ainda inexplorado no País possa superar os 50 bilhões de barris de óleo equivalente do pré-sal. Segundo a fonte do governo, a malha de gasodutos do País também será expandida, por exemplo, em Minas Gerais e no recôncavo baiano.
Hoje, apenas 16% da produção nacional de gás vêm de terra, segundo o Ministério de Minas e Energia. Dois terços da demanda total de quase 60 milhões de m³/dia de gás são consumidos pela indústria. É uma fonte usada para produção de cerâmica, vidro e outros produtos com alto consumo energético.
Outra opção para transformar o gás em negócio é a criação de consumo perto da produção, como a unidade de fertilizantes nitrogenados que a Petrobrás constrói em Três Lagoas (MS).
Gasoduto. Magda lembrou que a OGX produz na bacia do Parnaíba volume insuficiente para garantir a construção de um gasoduto. Mas, com a termoelétrica, viabilizou a produção e agora já tem condições de expandi-la.
Os números, segundo fontes, justificam o negócio. O gás natural líquido é importado a cerca de US$ 15 por milhão de BTU. Chega pelo gasoduto da Bolívia entre US$ 10 e US$ 11 por milhão de BTUs. Já a OGX vendeu para a MPX o gás entre US$ 5 e US$ 6.
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, disse que deverá ser avaliada a proximidade da rede de transmissão e sua capacidade ociosa. "Precisa ser caso a caso. Mas sem dúvida é uma alternativa".