domingo, 29 de abril de 2012

Os melhores filmes de todos os tempos ainda não foram feitos


  • 29 de abril de 2012|
  •  
  • 18h01|
  • Por Alexandre Matias
O cinema não vai acabar, mas mudar
Há uma semana, durante o encontro Global Inet, realizado em Genebra, na Suíça, o fundador da Wikipedia, Jimmy Wales, deu uma declaração no mínimo polêmica. Entusiasmado com a recente notícia de que seu site fez a vetusta Encyclopedia Britannica, que era impressa desde 1768, aposentar sua versão em papel, ele profetizou sobre o futuro da indústria do cinema: “Ninguém se dará conta quando Hollywood morrer. E mais, ninguém vai se importar”.
Não é uma continuação do velho discurso deslumbrado com o digital que o transformava em carrasco final de velhas mídias e tecnologias. Ao contrário do que foi alardeado por todo o século 20, o rádio não matou o jornal, como a TV não matou o cinema, nem o telefone matou a conversação. E quando o tema é internet, tais “mortes anunciadas” parecem apenas provocações – afinal, a internet não “mata” a indústria da música, do audiovisual, da fotografia ou das notícias, mas agrega cada faceta destes universos dentro de sua interface.
A questão, frisou Wales, não é tecnológica, mas social, citando a própria filha, Kira, de 11 anos, como exemplo: “Ela maneja com total desenvoltura uma câmara de alta definição, que usa para captar, editar e produzir seus próprios filmes na internet”. E continuou: “Quando essa geração completar 22 anos realizará filmes com mais qualidade que os de Hollywood. Esses mesmos filmes serão mais populares e destruirão o modelo de negócio vigente. Ocorrerá o mesmo que ocorreu com a Wikipedia, que fez que a Encyclopaedia Britannica deixasse de ser impressa 11 anos após a criação (da Wikipedia)”, declarou. E ao finalizar, cravou: “Há uma grande possibilidade que todo o modelo de produção esteja completamente ultrapassado em muito pouco tempo.”
Isso não quer dizer que o cinema vai acabar – longe disso. Wales falava especificamente da indústria cinematográfica norte-americana, concentrada nos estúdios de Hollywood, em Los Angeles. O modelo funcionou por décadas e foi se adaptando aos tempos: das salas de exibição à chegada da locação (primeiro o VHS, depois o DVD, outros candidatos a “assassinos do cinema”, cada um em seu tempo), passando pela TV a cabo e seu pay-per-view, filmes exibidos em voos até a tecnologia 3D. Tudo isso ficava concentrado na mão de alguns executivos, uma panela de técnicos, uma turma de atores e outra de autores. Mas eis que chegam as mídias digitais e, de repente, qualquer um pode fazer cinema. A princípio apenas alguns filminhos, feitos às vezes com o celular. Acontece que aos poucos outros truques típicos de uma indústria centenária (do figurino aos efeitos especiais, da iluminação à direção de arte, do roteiro à fotografia) são absorvidos por uma geração que nem sequer chegou à maioridade, como a filha de Wales.
Quando chegarem, em menos de dez anos, assistiremos a filmes completamente diferentes, que não se limitam a apostar no que é certo e fugir do que for mais ousado (este sim, o grande erro da indústria tradicional).
Falando de outra indústria, a da música, o ex-guitarrista do grupo inglês Oasis, Noel Gallagher, disse que “o consumidor não queria Sgt. Pepper’s (o clássico disco dos Beatles), nem Jimi Hendrix, nem Sex Pistols”, ao reclamar que a indústria havia se tornado uma imensa pesquisa sobre as vontades do público. Ele ecoava uma frase de Henry Ford muito repetida por Steve Jobs: “Se perguntássemos o que os consumidores queriam, eles não iriam querer o carro, e, sim, um cavalo mais rápido”.
A mídia não vai morrer, mas precisa se reinventar para se adequar. E se a indústria que toma conta disso não assumir logo estas rédeas, outros vão fazer isto por ela, criando uma nova indústria. A melhor analogia sobre a mudança remete à invenção da fotografia, que, teoricamente, acabaria com a função dos retratistas, uma vez que ninguém pagaria para ter um retrato pintado. O que aconteceu? Os pintores da virada do século 19 para o 20 criaram o impressionismo e o modernismo. E isso deve acontecer com o cinema, e logo. Como diz um amigo meu, ainda não vimos os melhores filmes de todos os tempos.

Em tuas mãos, por Mônica Bergamo

FOLHA DE SP - 29/04/12


O maestro João Carlos Martins opera o cérebro para recuperar movimentos; consciente, sentia o sangue escorrer na cabeça e gritava de dor; mas diz que, já na cirurgia, voltou a "sonhar"

"Olha aqui a cirurgia." Uma semana depois de passar por uma operação no cérebro que durou mais de nove horas, o maestro João Carlos Martins, 71, aperta o botão de um DVD Player para mostrar as imagens impressionantes do procedimento. O aparelho, na bancada de seu camarim, num auditório de SP, demora alguns segundos para carregar.

"A cirurgia!", grita ele quando as primeiras cenas aparecem. "Você vai ver que precisa ter muito amor à profissão para enfrentar isso."

As imagens mostram o maestro deitado. Uma parafernália de fios e ferros circunda a sua cabeça. "Eu tive que ficar acordado o tempo todo. E mostrando um astral legal... Olha, a anestesia! Olha!" Uma agulha entra em sua testa. "Olha a serra!" Aumenta o volume do DVD e diz que, na hora, escutava o som do aparelho abrindo um orifício em sua cabeça. "Tudo, tudo, eu escutava tudo!"

Gritava: "Ai, meu Deus! Meu Deus do Céu!". "O Paulo [Niemeyer, neurologista que comandou a cirurgia] avisava os outros: 'O sangue está escorrendo!' E eu sentia o sangue na minha cabeça."

"É agora! Atenção", diz Martins, olhos grudados na tela. A voz do médico destaca-se no barulho dos equipamentos cirúrgicos. Ele pede a Martins que abra a mão esquerda. O maestro bate os dedos no próprio corpo, simulando tocar piano. "Isso tudo com o crânio aberto, miolos aparecendo", diz, ao rever a cena. "Não é impressionante?" Na tela, gira o pulso, estica os dedos. "Eu não abria a mão havia dez anos..."

O maestro sofre de uma disfunção cerebral conhecida como "distonia do pianista", explica Niemeyer à coluna. "É algo que pode acometer, por exemplo, quem escreve muito e tem a 'cãibra do escrivão'." São contrações involuntárias que comprometem os movimentos. No caso de Martins, ela evoluiu a ponto de seu braço esquerdo quase grudar no peito. Em pouco tempo, ele poderia ser obrigado a deixar de reger.

Seria a segunda tragédia profissional de sua vida. Até 1998, Martins era pianista reconhecido internacionalmente, considerado um dos maiores intérpretes de Bach. Daí, o primeiro baque: começou a ter dores "insuportáveis" na mão direita, lesionada anos antes numa partida de futebol. "Era como uma faca entrando na minha pele." Os médicos decidiram cortar o nervo para que ele perdesse a sensibilidade. A mão atrofiou. Passou a tocar apenas com a mão esquerda.

Quatro anos depois, a distonia começou a afetar a outra mão. Em 2002, ele se despediu do piano em um concerto em Pequim. Reencontrou a música em 2004, quando passou a reger. Há alguns meses, alertado pelo maestro Julio Medaglia, percebeu que estava perdendo o movimento dos braços.

Procurou a clínica de Niemeyer. Que disse a ele que seria possível, numa cirurgia, recuperar o movimento dos braços. João Carlos Martins insistiu: "Eu pedi que ele tentasse também abrir as minhas mãos. Aí, qual é o meu sonho? É voltar a tocar piano com a mão esquerda. Mas ele não prometeu isso. Prometeu abrir o meu braço. Eu já estava com o braço aqui atrás".

Na cirurgia, realizada no Rio, Niemeyer fez um furo no crânio do maestro. Por ali, programado por um computador, um equipamento levou um eletrodo até núcleos do cérebro responsáveis pela modulação dos movimentos. O paciente precisa ficar consciente porque são feitos testes para ver se o eletrodo está bem posicionado. Se ele apresentar algum distúrbio visual ou dormência, por exemplo, é sinal de que o aparelho não está no lugar correto dentro da cabeça.

Do eletrodo partem fios que, entre o osso e a pele, descem pelo pescoço até a região peitoral. Ali, são ligados a estimuladores, como marcapassos, que inibem as cargas elétricas que provocam as contrações no braço do maestro.

Martins puxa a camiseta, mostra o lugar onde foram instalados "os chips". "Aqui. Um japonês e outro americano. Se um pifar, tem outro. Os médicos agora vão regulando toda semana, até o ideal."

"A única coisa que eu posso dizer é que o Paulo Niemeyer é um gênio. Uma pessoa com uma coragem incrível. E, fora ser um ícone, mantém 150 leitos para pessoas carentes no Rio de Janeiro. É de uma humildade, uma dedicação...", diz o maestro.

"Hoje faz uma semana que eu estou aqui de volta, regendo." Aponta para a camiseta e lê a frase estampada nela: "A música venceu".

Diz que teve medo. "Claro. Claro. Em 1966, eu regi um concerto com o apêndice supurado. Eu tinha 26 anos. Saí do palco, fui internado, tive uma embolia pulmonar e fiquei dois meses em coma. Qualquer um que já tenha vivido isso sente muito medo."

Na hora em que "estava ouvindo o barulho daquela serra cortando a minha cabeça, pensei: 'Meu Deus, o que estou fazendo aqui?'. Com 71 anos, você não tem que arriscar mais nada na vida. Mas, no momento em que minha mão abriu na operação, já comecei a sonhar: 'Vou continuar a reger. E quem sabe volto a tocar piano também'. Porque, no fundo, eu não me conformo de não poder tocar. É uma dor. É como um cadáver enterrado lá dentro".

"Eu já fiz 20 operações", diz ele. "Troco toda uma vida por um sonho. E ele está relacionado à música."

A TV Globo acompanhou cada passo da cirurgia de João Carlos Martins. Dias antes, filmaram o maestro regendo com o braço esquerdo colado ao corpo. Captaram imagens dele fazendo a barba, com a cara ensanguentada -com movimentos precários, ele se cortava involuntariamente. Registraram sua entrada na sala de cirurgia. E um médico fez imagens das nove horas da operação que depois foram entregues à emissora. Tudo vai ao ar nesta terça, no "Profissão Repórter", comandado por Caco Barcellos. O programa vai falar de superação.

"Lá em Rondônia, ninguém sabe meu nome. Mas falam: 'Olha, o cara da novela, o cara da Vai-Vai, o cara da superação", diz Martins, que em 2009 participou do encerramento de "Viver a Vida", trama das oito da Globo, e foi tema de samba-enredo da escola de samba paulista. "No aeroporto, por onde eu ando, as pessoas vêm com lágrimas nos olhos me dizer: 'Perdi meu filho e o seu exemplo me inspirou'. Ou dizem que tiveram câncer, tudo o que você pode imaginar."

O maestro diz que, agora, começa a segunda parte da "longa estrada" de sua recuperação. "A minha mão esquerda estava atrofiada. Eu tenho que fazer todo um aprendizado para usá-la de novo." Ergue uma garrafa de Fanta Laranja com o polegar e os dois primeiros dedos da mão esquerda. "É uma superação psicológica. Meu maior adversário serei eu mesmo."

Mesmo sem a garantia de que voltará a tocar, começará a estudar piano de novo, "como uma criança de seis anos". E faz planos: "Estreei como pianista aos 20 anos, no Carnegie Hall de Nova York. Eleanor Roosevelt estava na plateia". Na casa de shows, regeu a Orquestra Bachiana Filarmônica em 2008 e chorou ao ver tremularem, na plateia, duas bandeiras do Brasil. "No Carnegie Hall, eu tive as maiores emoções da minha vida. Meu sonho é viver, lá, tudo isso de novo."

Indigestão



28 de abril de 2012 | 16h30
Celso Ming
Os planos de saúde estão com indigestão.
Apenas a chamada classe C recebeu mais de 40 milhões de novos integrantes nos últimos sete anos. São agora 103 milhões (ou 54%) dos brasileiros, aponta o estudo O Observador Brasil 2012, da consultoria Cetelem BGN, do Grupo BNP Paribas (veja o Confira). E essa massa de consumidores vai migrando para planos de saúde, porque não quer mais depender só da precariedade dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS).
PlanosSaude.jpg
Desde 2005, o número de beneficiários de planos médicos hospitalares cresceu 29%. Já são 47 mil. E há ainda 16 milhões atendidos por planos odontológicos (veja o gráfico). Ao final de 2011, quase 1,6 mil operadoras atuavam no País – apontam estatísticas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O Instituto de pesquisas Data Popular indica que, em dez anos, despesas com serviços de saúde feitas só pelas classes médias aumentaram 130%.
A expansão provém tanto da estabilização econômica obtida no período Fernando Henrique como das políticas de crescimento de renda do período Lula-Dilma.
O presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), Arlindo de Almeida, festeja o novo filão: “É a classe C no foco dos negócios das empresas de saúde”. As seguradoras têm 9,0% do mercado; cooperativas médicas, 28%; e empresas de medicina de grupo, 33%.
O sonho do plano de saúde vem logo em seguida do sonho da casa própria, observa Bruno Sobral, diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS. Mas os problemas se acumulam. Enquanto a busca pelo serviço de saúde desaba sobre o mercado como cachoeira, a oferta recolhe essa demanda com algumas bacias. Só no primeiro trimestre deste ano, primeiro de vigência dos novos prazos máximos de atendimento estipulados pela ANS, registraram-se 2.981 infrações – 19% das empresas do segmento foram objeto de queixas.
O setor começou a se expandir nos anos 70 para atender às necessidades das classes médias. Mas avançou com mentalidade amadora, sem muita preocupação com qualidade gerencial, sem ganhos de escala e sem controle de custos. A grande demanda dos últimos dez anos parecia boa chance para avanços em racionalidade administrativa. Mas as fusões e incorporações se limitaram às grandes operadoras. Poucas mudanças aconteceram na maioria do setor, de pequenas e médias.
A população quer qualidade e nem sempre tem noção da atual desproporção entre os custos crescentes dos serviços de saúde e as contribuições que faz. Dante Montagnana, presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios de São Paulo, pergunta: “Como esperar que serviços pagos com R$ 50 por mês atendam a toda essa demanda? Só para comparar, grandes operadoras cobram mais de R$ 400 mensais de fatias pequenas da sociedade, as classes A e B (22% da população), e também já não dão conta”. Essa desproporção motivou, nesta semana, manifestações de médicos em 12 Estados do Brasil, inconformados com o pagamento mínimo de R$ 12 por consulta.
Os planos de saúde não se prepararam para a demanda do mercado e, assim, frustram o sonho de toda essa gente. Essas coisas têm consequências. / COLABOROU GUSTAVO SANTOS FERREIRA
CONFIRA
PopulacaoDistrib.jpg
O gráfico mostra como os brasileiros de baixa renda ascenderam às camadas de maior poder aquisitivo. São eles que mais pressionam por casa própria, atendimento de saúde, educação e segurança. É também a faixa da sociedade mais visada pelos setores da economia que procuram por novos mercados – especialmente instituições financeiras, empresas do setor de viagens (transportes aéreos) e de instrução.