segunda-feira, 16 de abril de 2012

País tem 1 carro para cada 5 habitantes


Proporção, que era de quase dez para um há duas décadas, vem caindo rapidamente

14 de abril de 2012 | 22h 28
Cleide Silva, de O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Para cada cinco brasileiros, o País já tem um automóvel, proporção que era quase o dobro há menos de duas décadas. Nos últimos anos, com a melhora da economia, mais pessoas têm acesso ao carro. Várias cidades apresentam índices similares aos de países desenvolvidos, como Alemanha e Estados Unidos, onde a média é de menos de dois habitantes por veículo.
O número de veículos em circulação no País cresce em ritmo muito superior ao da população. Desde 2004, quando a economia se livrou da hiperinflação, a frota aumentou 54,8%, atingindo 34,856 milhões de veículos em 2011. No mesmo período, a população, estimada em 192,3 milhões de pessoas, cresceu 5,7%.
O mais recente estudo do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças) mostra que, no ano passado, a frota brasileira cresceu 7% em relação a 2010. Do total, 32,9 milhões são automóveis e comerciais leves, 1,54 milhão são caminhões e 354 mil são ônibus. Incluindo as 11,674 milhões de motocicletas em circulação, a relação passa a 4,1 habitantes por veículo.
Cinco Estados - São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul - abrigam 70% da frota. Só a cidade de São Paulo concentra 22%, cerca de 7,6 milhões de veículos, o que daria 1,47 pessoa por veículo, índice próximo ao dos EUA, de 1,27.
A densidade também é elevada em cidades de menor porte, como Valinhos, a 85 quilômetros de São Paulo. Com 106,9 mil pessoas, tem 78,2 mil veículos, o equivalente a 1,36 habitante por carro. "Saímos de uma relação de 8,4 habitantes por veículo em 2000 para 5,5 agora", constata o conselheiro do Sindipeças responsável pela área de Reposição, Antônio Carlos Bento. Segundo ele, o País caminha para uma relação de 4 habitantes por veículo, o que deve ocorrer até 2014.
Os dados estatísticos levam em conta a divisão do número total da frota pela população em geral, mas, é claro, vários brasileiros têm mais de um carro, e grande parcela não tem nenhum.
O engenheiro Gilto de Souza Santos, de 65 anos, morador de Valinhos, tem quatro carros e três motos. Reconhece que "é exagero", mas ressalta já ter sido colecionador. "Sei que é demais, mas moro sozinho, portanto não são usados ao mesmo tempo."
Santos define como "caótico" o trânsito na cidade. Ele mora em um condomínio no bairro Jardim São Francisco. "Até aos sábados pela manhã é impossível estacionar no centro". Ele conta que enfrenta congestionamento até para sair do condomínio.
Santos nasceu em São Paulo e mudou-se para Valinhos em 1977. Até o ano passado, precisava usar o carro diariamente para ir ao trabalho, na vizinha Hortolândia. "Sempre peguei muito trânsito, principalmente entre 7h e 8h, quando as pessoas estão saindo da cidade e, depois, no fim da tarde, quando todo mundo estava voltando." Hoje, ele trabalha como consultor e a vida está "mais tranquila".
A indústria automobilística vem superando recordes desde 2004, quando vendeu 1,5 milhão de veículos. No ano passado, atingiu 3,6 milhões e este ano projeta vender 4% a 5% mais. Com transporte público ineficiente, mais pessoas saem de casa todos os dias com seus automóveis, o que provoca congestionamentos constantes.
"Nossa preocupação é que o veículo não seja visto como vilão", diz Bento. Para ele, "alguém não está fazendo sua parte", referindo-se à falta de infraestrutura e de transporte público. Para o alemão Stephan Keese, responsável pela área automotiva da Roland Berger no Brasil, a melhora na relação habitante por veículo é sinal de crescimento da economia e da renda da população. O mesmo ocorre em outros países emergentes.
A falta de transporte público é um desafio para a maioria dos Estados, diz Keese. "Não conheço nenhuma pessoa das classes A e B que use metrô ou ônibus, muitos por segurança e muitos pelo conforto", diz ele, que não vê essa situação em países desenvolvidos, com transporte eficiente.
Mais jovem. A frota brasileira também está se rejuvenescendo, embora em ritmo lento. A idade média dos veículos que circulam pelo País é de 8 anos e 8 meses, próxima à das frotas da Alemanha (8 anos e 1 mês) e França (8 anos e 2 meses) e mais nova que a dos EUA (10 a 11 anos).
Em 1995, a idade média da frota brasileira era de 10 anos e 2 meses, caiu para 9 anos e 4 meses e em 2010 chegou aos 8 anos e 8 meses, idade mantida no ano passado. "A redução dos últimos anos não é expressiva porque a frota cresceu muito e a renovação é lenta", diz Bento.
O País tem 1,34 milhão de veículos (3% da frota) com mais de 20 anos de idade. A maior parte (44%) tem até cinco anos. Já 39% dos veículos têm entre 6 e 15 anos e 14%, entre 16 e 20 anos. Em 2006, dos veículos em circulação, 8,9% eram fabricados fora do País. Em 2011, essa participação foi a 12,5%, com 4,3 milhões de carros vindos do exterior, mais da metade da Argentina.
Os números do Sindipeças são diferentes dos divulgados pelo Denatran, normalmente bem superiores pois não levam em conta a "taxa de mortalidade" - veículos que deixam de circular por vários motivos, como acidente com perda total e desmanche. A pesquisa envolve montadoras, órgãos de trânsito e seguradoras. É usada para direcionar a produção de autopeças para o mercado de reposição.
(Colaborou Tatiana Fávaro)

Uma revolução na indústria global?


OSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS - O Estado de S.Paulo
Em novembro publiquei neste espaço um texto ("Na crise, a indústria global se movimenta") no qual chamei a atenção para algumas mudanças na forma de operação do sistema de produção mundial. Em particular, mencionei uma revisão na extensão das cadeias globais de suprimento, buscando reduzir o risco de paradas súbitas na produção de certos insumos críticos (como determinados chips especializados), com efeitos graves na produção de integradores e montadores mais próximos do mercado.
O triplo acidente no Japão (com efeitos deletérios na montagem de automóveis) e a inundação na Tailândia, que afetou a montagem de computadores em várias partes do mundo, foram determinantes desse movimento. Os benefícios da concentração da produção de certos insumos em "clusters" continuam a pesar nas decisões de localização de plantas, mas certamente foram ajustados para determinados riscos, como os dos acidentes acima mencionados.
A segunda mudança importante foi o renascimento da indústria americana, resultado da elevação da produtividade, da redução de custos (como mão de obra) e da revolução da produção de gás natural, a preços muito baixos. O preço atual do gás equivale a um barril de petróleo de US$ 20! Com isso, indústrias, como a petroquímica e a de aço, vivem uma época de ouro, atraindo novos investimentos, como os realizados pela Braskem e pela Oxiteno. A operação americana da Gerdau também está sendo beneficiada. A constante elevação dos custos de produção na China reforça essa tendência.
Mencionei também naquele artigo as mudanças tecnológicas associadas à evolução da biotecnologia, da nanotecnologia e da robotização. A propósito desse último tema, Raquel Landim e Renato Cruz publicaram recentemente aqui no Estado uma extensa matéria sobre sua evolução no Brasil e no mundo. De fato, a automação e a robótica estão avançando muito rapidamente no mundo, particularmente como resultado da forte queda de preço dos equipamentos, algo especialmente decorrente de melhorias na área de software.
Antes de avançar, acho importante uma ressalva. Quando se fala de robotização o que vem à mente é um boneco com inteligência artificial tipo Guerra nas Estrelas. Entretanto, isso está longe da realidade, isto é, um equipamento com inteligência artificial ainda não existe. Alguém poderia perguntar se a máquina que vence o campeão mundial de xadrez não seria dotada de tal possibilidade; a resposta é negativa. O que o computador tem, ao contrário da inteligência, é o que Martin Ford chamou "de algoritmo da força bruta". A máquina ganha do enxadrista, que tem inteligência e criatividade, pela rapidez de examinar, em segundos, milhões de opções de jogadas, escolhendo a melhor.
A produção e venda de robôs industriais vêm crescendo rapidamente: superaram mais de 100 mil unidades/ano desde 2005, exceto em 2009, quando a crise reduziu a absorção para 60 mil. Estima-se que em 2011 a venda tenha atingido 141 mil unidades. Coreia (23,5 mil), Japão (21,9 mil), China (15 mil), EUA (14,3 mil) e Alemanha (14 mil) são os que mais compraram robôs. Por exemplo, o excelente Ethevaldo Siqueira visitou uma fábrica na Coreia, de telas de TV, totalmente automatizada. No mesmo ano, estima-se que o Brasil adquiriu 640 unidades. Estima-se ainda que o estoque mundial de robôs em operação seja algo entre 1,1 milhão e 1,3 milhão de unidades.
Do ponto de vista setorial, a indústria eletrônica e a automotiva são de longe os maiores consumidores. A demanda deverá continuar a crescer rapidamente nos países industriais líderes. Na área de serviços, o crescimento também tem sido muito rápido, destacando-se saúde, entretenimento e militar.
A expansão da automação é resultado de muitos fatores. A primeira causa é a redução de custos, especialmente de mão de obra, inclusive por menores riscos de acidentes no trabalho e pela preservação da saúde do trabalhador. Isso é especialmente verdadeiro em áreas como pintura e solda. Há redução também dos custos de energia e no consumo de materiais, em razão de menor desperdício. Ao mesmo tempo, a produtividade das fábricas se eleva pela possibilidade de produzir dia e noite, com uma cadência constante, pela precisão e qualidade do acabamento das peças, pela utilização do espaço da fábrica e pela maior flexibilidade na linha de produção, uma vez que a reprogramação do equipamento é muito fácil. Em resumo, a robotização permite produzir grandes volumes de produtos, com alta qualidade e menores custos. Como resultado, a expansão da nova tecnologia vai seguir crescendo velozmente, até mesmo, em países com limitações na oferta de mão de obra qualificada, como é o caso do Brasil. Todos os setores produtivos (indústria, mineração, agricultura, medicina, transportes, etc.) serão afetados.
Em paralelo, outra revolução avança, que é o desenvolvimento da impressora em 3D. Esse equipamento utiliza o conhecimento adquirido com base nas impressoras a jato de tinta (que trabalham em duas dimensões) e de inovações na eletrônica, na química e no laser. Trabalha com pó de metal ou de plástico e, comandada por um software, constrói uma peça, por exemplo, depositando o material camada por camada. É, por isso, chamado de um processo aditivo (additive manufacturing), para se diferenciar da forma clássica de construir a peça, por exemplo, de um bloco de metal. Este é desbastado por um torno, sendo, portanto, um processo subtrativo. As impressoras em 3D têm, em consequência, uma grande economia de matéria-prima. O processo também utiliza menos energia. Quem vê, pela primeira vez, um equipamento desses construindo um bloco de motor fica muito impressionado, posso garantir.
Quando esses equipamentos surgiram, há pouco mais de uma década, eram utilizados para construir protótipos, de forma rápida e barata, acelerando as inovações. Por essa razão, um dos mais importantes efeitos da tecnologia é diminuir as barreiras à entrada na indústria, beneficiando realmente os bons projetos, que só se conhecem quando vão a mercado. Mais uma vez, o preparo e o conhecimento das pessoas e das empresas será o fator decisivo. A combinação dessas tecnologias inovadoras vai implicar uma revolução no mundo da produção industrial. Vale a pena destacar os seguintes pontos:
1. Os países com grande disponibilidade de mão de obra perderão parte de sua vantagem. As vantagens comparativas estarão nos países com menor custo de energia, de infraestrutura e maior oferta de pessoal altamente qualificado, dedicado à geração de novo conhecimento. É neste último item que os países bem-sucedidos na Ásia (China e Coreia, especialmente) investem tão furiosamente;
2. No que depender dessas tendências, a distribuição de renda vai piorar;
3. A qualidade dos produtos vai se elevar;
4. Muitas ocupações intermediárias serão substituídas pela automação;
5. O emprego industrial crescerá menos que o valor adicionado do setor;
6. As novas tecnologias ajudam a reduzir custos em elevadas escalas de produção. Ao mesmo tempo, viabilizam escalas menores, permitindo o que Peter Marsh chamou de massificação personalizada.
É o início de uma nova revolução na produção industrial. Nossa indústria, também por essa razão, será afetada.

Hidroanel, o caminho de São Paulo pelos rios


Ao longo de 170 km, dezenas de portos carregariam todo tipo de material e possibilitariam retiradas de 50 caminhões de lixo das ruas

15 de abril de 2012 | 9h 25
ADRIANA FERRAZ - Agência Estado
A discussão não é nova. Há pelo menos 80 anos, cogita-se usar rios e represas de São Paulo para transporte de cargas e pessoas. Mas, até hoje, pouca coisa (ou quase nada) saiu do papel. A novidade é que agora a proposta ganhou finalidade sustentável: um anel hidroviário para transformar lixo em energia.
Ao longo de 170 km, dezenas de portos carregariam todo tipo de material em embarcações projetadas para evitar contaminação e possibilitar a retirada de 50 caminhões das ruas por viagem. Depois, descarregariam os produtos recolhidos em três grandes polos de transformação no Rio Tietê e na Represa Billings. Lá, usinas ou termoelétricas finalizariam o processo.
De execução aparentemente simples, o sistema não depende só de tempo, dinheiro - o custo está avaliado em pelo menos R$ 3,5 bilhões - ou vontade política para emplacar. O pacote de obras para "fechar" o anel inclui a construção de 20 eclusas e um canal de 17 km para ligar as Represas Billings e Taiaçupeba.
As eclusas, que funcionam como elevadores para barcos, são indispensáveis para fazer as "baldeações" necessárias para a navegação correr sem interferências. Mas interferência é o que não falta. Com tanta sujeira nas águas, só um sistema de dragagem permanente evitaria que os barcos encalhassem.
Segundo o arquiteto Alexandre Delijaicov, coordenador do grupo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP que ajuda no projeto, o hidroanel ainda evitaria enchentes e reduziria o tráfego de caminhões. "Isso sem falar na qualidade de vida, com a interação dos rios com as cidades", diz.
Para tirar a proposta do papel, o Departamento Hidráulico (DH) de São Paulo planeja construir a eclusa da Penha, no Rio Tietê, ainda neste ano, para permitir 66 km navegáveis. "Em paralelo, vamos viabilizar dois portos. A ideia é que o governo faça a modelagem do negócio e o apresente à iniciativa privada", diz o diretor Casemiro Carvalho.
Mas, ao priorizar o uso dos rios para cargas públicas, o transporte de passageiros ganhou papel secundário. De novo. O cronograma prevê a realização de obras até 2042. Até lá, para superar as Marginais, só de carro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.