segunda-feira, 16 de abril de 2012

Fotografando o que não existe


CLAUDIO EDINGER, Aliás, dia 15/4/2012
Quando fui fotografar num centro espírita em São Paulo voltei pra casa com um legítimo Picasso, comprado por R$ 50 à vista. Sensacional! Aproveitei e encomendei ao médium uma foto psicofeita por Cartier-Bresson. Ele mandou avisar que aguarda o momento decisivo certo...
Picasso dizia que a arte é uma mentira que conta a verdade. Falava da fotografia. Mentira só é mentira se puder passar por verdade. O rosto todo torto e deformado de uma mulher com dois olhos do lado de cá do nariz não é uma mentira. É a verdade de Picasso. Mas a foto que fiz há dois anos e coloco no Facebook como sendo eu é pura mentira. A foto de ontem é mentira hoje. Eu não sou mais daquele jeito que era ontem, hoje. Não penso mais assim, não sou mais aquele (e aquela) cara. E a fotografia é tanto mentira pelo tempo quanto pelo espaço. A foto da praia nos dá a ilusão de que é ela, mas não tem nada da praia - nem cheiro, nem vento, nem molha, nem enche o carro de areia. A Susan Sontag definiu bem isso: "Todas as fotos são memento mori, lembranças de algo que já desapareceu".
Queremos que a vida não acabe, que nossa juventude não acabe, que as coisas boas nunca acabem. A fotografia surgiu disso, dessa fome do que não acaba nunca. Ela nasceu em 1824 nas mãos de Nicephore Nièpce, um inventor francês. Mas há controvérsias. Alguns dizem que foi Daguerre, em 1839. Um outro inventor, Bayard, quando soube que Daguerre havia sido reconhecido como tal, aceito pela Academia Francesa de Ciências, mandou-lhes uma foto de si mesmo afogado (!). Não só inventou a fotografia como também foi o primeiro grande mentiroso explícito do ramo. Enquanto isso, Fox Talbot inventava a fotografia na Inglaterra. Mais que isso, inventava a fotografia arte, já que era, de longe, o melhor fotógrafo dos três. Até aqui no Brasil um francês chamado Hércules Florence, redescoberto pelo nosso brilhante Boris Kossoy, criou um método só dele de transferir o mundo pro papel.
Antes disso vários pintores utilizaram o artifício da câmera obscura para fazer sua arte. A câmera obscura foi descoberta pelo chinês Mo-Ti, 400 anos antes de Cristo. Na própria caverna de Platão, as pessoas presas viam imagens nas paredes, possivelmente sob o efeito da câmera obscura.
É fácil fazer uma câmera obscura em casa: escolha um quarto com uma boa vista, feche as janelas com uma cortina preta, imune à luz, e fita adesiva. Abra um pequeno furo de um ou dois centímetros no meio do tecido e na parede oposta à janela deve aparecer, de cabeça pra baixo, a vista da janela. O fotógrafo cubano-americano Abelardo Morell utiliza a câmera obscura para fazer trabalhos lindos que estão na coleção de mais de cem museus do mundo. São imagens de imagens de imagens...
O Pintor mais célebre a usar a câmera obscura foi o espanhol Diego Velásquez. Para pintar um dos quadros mais importantes da história, o Las Meninas, Velasquez usou uma câmera obscura. E não foi o único, Caravaggio também usava o artifício. A fotografia perseguia a pintura como uma assombração.
A sanha era tanta pra nascer que ela foi inventada por cinco pessoas diferentes. E quando nasceu assustou de tal forma a pintura que essa virou o Impressionismo. E, do Impressionismo, a pintura foi distanciando-se cada vez mais da fotografia, com Braque e Picasso e o cubismo. Por anos a jovem arte fotográfica crescia nas mãos de grandes artistas como Talbot, Fenton, Muybridge, Nadar, Prokudin-Gorsii, Lartigue, Atget, Brassai, Stieglitz e Steichen. Nos anos 60 o fotógrafo americano William Eggleston revolucionou a fotografia tornando-a colorida e ainda mais presente nos museus. Claro, a foto colorida foi inventada muito antes, mas acabou potencializada nas mãos de Eggleston, que influenciou toda uma geração brilhante trabalhando com câmeras de grande formato: Stephen Shore, Joel Meyerowitz, Richard Misrach, Joel Sternfeld.
"No futuro o analfabeto não vai mais ser quem não sabe ler", disse profeticamente o pensador Walter Benjamin no começo do século 20. "O analfabeto será quem não souber ver fotografias." Isso hoje acabou. Acabaram-se os analfabetos fotográficos. Só que fotografia mesmo é um alfabeto. "Quem conhece e desenha bem as letras é um ótimo calígrafo", dizia o fotógrafo húngaro André Kertész, cuja exposição abre no MIS em maio. "O bom escritor tem que ter algo a dizer."
E algo a dizer nestes novos tempos de completa literacia fotográfica é o que não falta. Redes sociais como o Facebook e Instagram aumentam a cada segundo nossa capacidade de compartilhar e mostrar domínio sobre o alfabeto fotográfico. A foto publicada é, queiramos ou não, editada e assimilada por quem vê e assim produz novas imagens melhores e mais sofisticadas. É um processo que ninguém sabe onde vai parar. Mas, se o que está acontecendo agora é alguma pista, a fotografia vai crescer de tal forma que os tempos atuais serão apenas a pré-história da nossa arte. Já vemos isso acontecendo aos poucos aqui no Brasil, nas mãos geniais de Miguel Rio Branco, Claudia Jaguaribe, Cassio Vasconcelos, Cristiano Mascaro, Sebastião Salgado, Pedro Martinelli, João Castilho, Pedro Motta, Eustáquio Neves, Gustavo Lacerda, Caio Reisewitz, Gal Oppido, Bob Wolfenson, Julio Bittencourt, Christian Cravo, Iatã Cannabrava, Juan Esteves, Juliana Stein, Rogerio Reis, Tiago Santana, Eduardo Muylaert, Betina Samaia, Marcos Bonisson, Bruno Veiga, Rosangela Rennó, Rochele Costi, Tuca Vieira, Gui Mohallen, Cia de Foto, Lost Art e muitos, muitos outros.
Imagino o médium do centro espírita recebendo o espirito de Nièpce, vendo o que está acontecendo, abrir um largo sorriso. Quem diria que aquela sua simples foto, do fundo do quintal, iria dar nisso...

A normalidade das coisas


Demóstenes Torres é um 'senador normal pego em flagrante'. Sua desgraça consiste exatamente no flagrante

15 de abril de 2012 | 3h 06


Renato Lessa - O Estado de S.Paulo
Se a identidade nacional de uma população for definida por suas práticas mais usuais, pode-se dizer que o brasileiro é, antes de tudo, um telespectador. A medida de exposição diária ao veículo supera a quantidade média de horas passadas pelas crianças brasileiras, a cada dia, nos bancos escolares. Se fosse eu um paranoico amador diria que o conteúdo veiculado está a serviço do propósito de transformar os cidadãos do País em uma cáfila de oligofrênicos cívicos.
(Nota metodológica: por ignorar qual seja o coletivo de "oligofrênicos cívicos", optei por "cáfila", que me parece menos ofensivo do que "vara" e mais apropriado do que "alcateia" ou "enxame"; espero não ser molestado pela Sociedade de Proteção dos Camelos.)
Não sei se há propósito na coisa, mas isso é irrelevante. O que parece ser incontroverso é o fato de que no jorro televisivo o espaço dedicado à informação política resume-se a poucos minutos dos jornais intercalados em meio ao que interessa - as novelas - e a alguns minutos a mais para os notívagos, nos jornais do fim da noite. Da qualidade da informação, pouco há que falar: pouquíssimo texto, abundância de lugares comuns, imagens agressivas. Sobretudo denúncias, já que o animal telespectador que se quer fabricar deve ser um vingador vicário, adicto à droga inscrita na dose diária de escândalo que lhe é ministrada.
O civismo do personagem deve confinar-se na indignação instantânea, que fenece no próprio ato de expressão, imediatamente encoberta pelo turbilhão de imagens a respeito de assuntos diversos. Em plena "sociedade da informação", são os ecos do padre Antonil, importante cronista colonial, que se insinuam, ao falar, no século 18, das crianças criadas nos engenhos de açúcar "como tabaréus, que nas conversações não saberão falar de outra coisa mais do que do cão, do cavalo, e do boi".
Mas, mesmo supondo que as energias cognitivas médias do País estejam em estado de deflação - e que passemos grande parte de nossos trabalhos e dias a falar do "cão, do cavalo e do boi" - há coisas que não podem deixar de ser percebidas. Não há como imaginar que os brasileiros sejam, por natureza, menos inteligentes do que outros povos. Nesse sentido, é inacreditável pretender sustentar que o turbilhão que envolve o senador Demóstenes Torres seja extrínseco ao enredo que o constituía, até o momento de sua caída em desgraça, como campeão da direita brasileira e virtual candidato à Presidência da República.
Seu ex-partido - o quase ex-DEM - é formado por experientes expoentes da política tradicional brasileira, que têm noção precisa a respeito do que deva ser a vocação da política. É pouco crível que ao menos parte dos elementos, digamos, biográficos do senador Demóstenes fosse desconhecida de seus pares mais importantes. A cultura política que paira sobre o Estado do Goiás, e parece vincular em uma rede pluripartidária todo o espectro da representação política a um circuito criminoso, não é goiana, sua linguagem e sua gramática podem ser compreendidas em diversos cantos do País. E nesses cantos, entre próceres operadores de outros partidos, há os que pertencem à agremiação que tinha no senador Demóstenes destemido e implacável campeão.
Assim como Nelson Rodrigues definia os tarados como "homem normais pegos em flagrante", os correligionários de Demóstenes Torres, no âmago de suas almas, devem concebê-lo como um "senador normal pego em flagrante". Sua desgraça consiste exatamente no flagrante. É evidente que é um erro generalizar a proposição, mas será ingenuidade desconhecer a plausibilidade do mantra. O caso Demóstenes é expansivo: a mesma rede se apresenta a alguns insuspeitos e a outros nem tanto assim. A rede é viscosa e sua pregnância não reconhece distinções partidárias. O efeito da dispersão - ou da onipresença da relação entre alta criminalidade e alta política - apresenta-se em uma percepção pública, cada vez mais comum e consolidada, de que os agentes públicos apanhados em conversas estranhas são "homens normais pegos em flagrante". O flagrante aparece como capricho; como azar e como descuido que revelam a normalidade das coisas.
Se o espectro do Direito Penal ronda a política, os tribunais, de modo necessário, convertem-se em arenas decisivas, não apenas para a sentença devida, mas para a elucidação do que está a se passar. Graças à inteligente e oportuna intervenção do presidente do Partido dos Trabalhadores, aprendemos que o evento Demóstenes - e toda a infestação que o acompanha - possui, digamos, propriedades compensatórias com relação ao estrago de 2004. Com a palavra o STF, que, assim, cumpre tripla função: a que lhe é própria - a de julgar; a de dirimir disputas políticas; e a de explicar o País para os telespectadores. Do jeito que as coisas seguem, as sentenças do STF qualificam-se como itens bibliográficos obrigatórios para quem quer entender a normalidade do Brasil.
RENATO LESSA É PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE; INVESTIGADOR ASSOCIADO DO INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, DA UNIVERSIDADE DE LISBOA; PRESIDENTE DO INSTITUTO CIÊNCIA HOJE.

Queimar lixo não é a melhor solução, afirmam especialistas


O que é melhor fazer com as 150 mil toneladas de lixo urbano produzidas diariamente no Brasil? Apesar da pressão pelo aumento da coleta seletiva e reciclagem, que resultou na Lei Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010, em mais da metade das cidades do País ainda predomina o despejo dos resíduos em terrenos a céu aberto e sem nenhum tipo de tratamento – os chamados lixões.
O prefeito de Maringá, Sílvio Barros (PP) quer resolver o problema da sua cidade com uma solução pouco comum no Brasil: uma usina de incineração de lixo. O custo da obra está avaliado entre R$ 180 milhões e R$ 200 milhões. De acordo com o projeto, a meta da usina é queimar 500 toneladas de lixo por dia, no entanto, a cidade paranaense produz diariamente cerca de 300 toneladas.
De acordo com especialistas ouvidos pelo iG, a solução que aparentemente é de alta tecnologia já se mostra antiga. Eles afirmam que existem mais de 100 usinas de incineração pelo mundo, mas que os resultados se mostraram pouco satisfatórios pelo excesso de monitoramento necessário. “Não é uma solução, o custo é muito alto, há contaminação e emissão de gases. É uma forma de arrancar dinheiro do contribuinte”, disse Sabetai Calderoni, presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável e especialista em lixo. Para Calderoni, existem outras soluções como reciclagem e compostagem que se adequam melhor à realidade brasileira.
Uma das principais críticas à incineração é que ela não segue a lógica de redução da produção de lixo e do aumento da reciclagem, recomendadas pela Lei Nacional de Resíduos Sólidos. Gina Rizpah Besen, mestre pela Faculdade de Saúde Pública da USP afirma que a política de incineração vai contra a lei por seguir uma lógica inversa ao não estimular a redução da produção de lixo. “Ela não é adequada do ponto de vista ambiental, porque para funcionar precisa de plástico e põe em risco os catadores de lixo e emite mais que um aterro sanitário comum”, disse. No entanto, de acordo com dados da Agência de Proteção ao Meio Ambiente da Grã-Bretanha mostram que a reciclagem e a compostagem aumentaram até 19% entre 2003 e 2004, quando as usinas britânicas começaram a funcionar.
Outra crítica que ambientalistas fazem é que as usinas de incineração necessitam de material reciclável por ele ser mais comburente. “É necessário o uso de materiais de queima mais fácil. Manter uma usina queimando apenas lixo orgânico é muito caro”, disse Luciano Bastos, do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais da Coppe/ UFRJ. No Brasil, em média, 60% do lixo é orgânico, o chamado lixo úmido, o restante é material que pode ser reciclado, como vidro e papel.
Manifestantes reclamam que usina de incineração de lixo na Nova Zelândia libera moléculas cancerígenas
De acordo com Bastos, a capacidade mínima de uma usina de incineração para que ela seja economicamente viável é 150 toneladas de lixo por dia. Para se ter uma ideia, a cidade de São Paulo produz diariamente 15 mil toneladas de lixo e a do Rio, 9 mil toneladas.
Nem tudo é ruim – O grande trunfo da incineração, no entanto, está em gerar energia a partir do lixo. Aterros sanitários também podem gerar energia a partir da captação de gases emitidos pela decomposição do lixo, mas de acordo com estudo da Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA), a incineração é capaz de produzir cerca de 10 vezes mais energias que os aterros. “Nem sempre se consegue captar energia dos aterros, e paga-se muito caro para fazer sua distribuição”, concorda Calderoni.
Um projeto experimental de usina de incineração foi instalado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desde 2004, a Usina Verde recebe diariamente 30 toneladas de resíduos sólidos, pré-tratados, provenientes do aterro sanitário no Caju.
Após passar pela triagem, o lixo é levado para forno fechado na Usina Verde que realiza a queima em temperaturas altíssimas de 950º C. Os gases resultantes desta queima são levados até uma caldeira, o vapor gira a turbina que gera a energia.
Para o professor Luciano Bastos, que coordenou o projeto da Usina Verde, o processo de incineração é monitorado o tempo inteiro para que não ocorra escape de gases para a atmosfera. Sobre a crítica de que a incineração gera moléculas cancerígenas que afetariam a saúde dos catadores, o pesquisador defende que os níveis gerados são os mesmos produzidos por veículos a diesel.
Gina afirma que o projeto da usina é muito mais caro do que campanhas educacionais para a redução e reciclagem de lixo. “Pode até ser que o sistema funcione, mas em geral ele é caro. Sabemos que já existem mecanismos de controle das emissões, mas não sabemos o efeito cumulativo disso”, disse. Para Calderoni, os custos de segurança não compensam: “É um negócio que precisa de fiscalização, que tem um custo muito alto”, critica.
Reciclagem é a melhor rota energética – Para Bastos, o ideal seria associar a reciclagem ao uso de tecnologias como o uso de biodigestores, onde o lixo é confinado em ambiente sem oxigênio e bactérias digerem o lixo gerando adubo a partir do lixo orgânico e gases que podem ser aproveitados em veículos.
“A incineração é uma alternativa, mas não é a única. Se houvesse coleta seletiva plena, não caberia ter incineração”, disse Bastos. Ele afirma que o ideal é reciclar “tudo o que for possível e depois aplicar as tecnologias”. Para ele apenas o material rejeitado pelos catadores pode ser aplicado para a incineração, tanto por motivos ambientais quanto econômicos.
“A reciclagem é a melhor rota energética do lixo, pois com ela a indústria economiza energia”, disse. De acordo com o pesquisador, cada tonelada de material reciclado gera três megawatts/hora de energia economizada, enquanto a melhor tecnologia de incineração gera energia a partir do lixo de um megawatt/hora. (Fonte: Maria Fernanda Ziegler/ Portal iG)