segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Volatilidade dos preços e segurança alimentar



No momento em que muitas ideias falsas vêm sendo difundidas a respeito das propostas da França relativas às commodities no âmbito do G-20, parece-me útil esclarecer nossas intenções.
Ao assumir a presidência do G-20, a França definiu, dentre suas prioridades, a questão da excessiva volatilidade dos preços das commodities. Esse trabalho não é uma iniciativa isolada da França, mas sim parte integrante de um trabalho coletivo sobre segurança alimentar iniciado há mais de dez anos com os "Objetivos do Milênio para o Desenvolvimento", na FAO, no Banco Mundial e no G-20.
Por quê? Porque a volatilidade dos preços é uma realidade: no verão de 2010, enquanto se anunciava uma redução nas estimativas de produção de trigo em 3%, o preço teve aumento de 70% em um mês. Porque ela é uma ameaça para os habitantes dos países mais vulneráveis, quer os preços estejam baixos - quando quem sofre as consequências são os produtores - ou altos - quando quem sofre são os consumidores das cidades (os gastos dos países mais pobres para o abastecimento em produtos agrícolas duplicaram entre 2000 e 2008). Finalmente, porque ela impede os produtores de planejarem suas atividades a longo prazo e, consequentemente, de realizarem os investimentos produtivos necessários se quisermos, coletivamente, alimentar o mundo em 2050.
A proposta de uma melhor regulação dos mercados internacionais não significa, de forma alguma, controlar os preços, nem organizar, em nível internacional, a produção e o abastecimento. Em contrapartida, a agenda a seguir foi definida junto com nossos parceiros do G-20 : o acesso à informação sobre safras, consumo e estoques; a coordenação internacional para enfrentar as crises; a ajuda aos países vulneráveis, com uma reflexão sobre as boas práticas no que diz respeito à constituição de estoques nacionais ou regionais, bem como sobre instrumentos financeiros de cobertura de riscos; a regulação dos mercados derivados de produtos agrícolas (no mercado, troca-se o equivalente a 45 vezes a produção anual mundial de trigo); por fim, a melhoria da produção e a produtividade agrícolas nos países mais pobres.
Vanguarda. O Brasil está na vanguarda da luta contra a insegurança alimentar, tendo demonstrado em programas como o Pronaf, Fome Zero e Bolsa Família, assim como em seus resultados comerciais (com US$ 20,4 bilhões de importações agrícolas brasileiras, a União Europeia é o primeiro cliente agrícola do Brasil, muito à frente da China e dos Estados Unidos), que é possível combater a fome, apoiar a agricultura familiar e desenvolver uma forte agricultura comercial. Agora, o Brasil procura compartilhar sua experiência, como se percebe nos ambiciosos programas de cooperação na África, com a candidatura ao cargo de diretor-geral da FAO do senhor José Graziano que implementou o Fome Zero no Brasil.
Nós, o Brasil e a França, somos duas grandes nações agrícolas, que tiveram e ainda hão de ter debates difíceis, particularmente quando estiverem em jogo nossos respectivos interesses comerciais agrícolas e a concorrência que há entre nós nos mercados francês e europeu. No entanto, existe convergência em matérias essenciais, como o combate à fome, na FAO e em nossa parceria estratégica.
Esse trabalho deve continuar, pois ainda existem muitos assuntos importantes a serem tratados: a luta contra a excessiva volatilidade dos preços agrícolas, tendo como objetivo a segurança alimentar, é um deles.

Descomplicar a reciclagem

19 de fevereiro de 2011 | 0h 00
Celso Ming - O Estado de S.Paulo
Quando se fala em reciclar o lixo, logo vem à cabeça aquela fileira de lixeiras coloridas. Tem verde, vermelha, a azul e amarela, e ninguém sabe ao certo em qual colocar o quê. Em qual delas vai papel usado?
Esse sistema está sendo fortemente questionado. A novidade é que em boa parte dos países avançados a separação se faz em apenas dois tipos de lixo: o que é reciclável e o que não é; o lixo seco e o lixo molhado.
Não faz mais sentido separar os resíduos por tipo de material. Isto é, ter uma lixeira para o plástico, outra para o papel, mais uma para o vidro, outra mais para as latinhas de alumínio, sem falar no recipiente para colocar os restos de comida.
"A separação por materiais é uma bobagem. Não sei quem inventou essa história de cor pra lá, cor pra cá", avisa Maurício Waldman, autor do livro Lixo: cenários e desafios. Um grande número de embalagens, como a TetraPak, é um conglomerado de vários materiais: plástico, cartolina, alumínio. Para onde vai isso? E será que vale a pena lavar garrafas e recipientes de suco de frutas quando se sabe que é preciso pelo menos dois copos de água tratada para se limpar um copo sujo? Ou economizar água também não é procedimento ecológico?
Para Waldman, o correto seria juntar tudo que é reciclável num mesmo balaio. A separação deve ser processada nos centros de triagem, onde haverá mais conhecimento e recursos para separar os resíduos. Só em papéis e papelões, a triagem deve prever 14 tipos diferentes. Não há dúvidas de que a simplificação do processo incentivaria mais gente a separar o lixo.
O Brasil produz cerca de 154 mil toneladas de lixo por dia, das quais somente 12% são reaproveitados - três vezes menos do que na Alemanha e na Suécia, referências no tema. Levantamento do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre) mostra que apenas 443 municípios (8% do total) têm algum programa de coleta seletiva de resíduos (veja gráfico).
Apesar dos números inexpressivos, o momento nunca foi tão promissor. Em agosto passado foi sancionada a lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ela cria um marco regulatório e trabalha com o conceito de responsabilidade compartilhada.
Isso significa que todas as unidades da cadeia produtiva são responsáveis pelo lixo que produzem: sociedade, empresas, prefeituras e governos estaduais e federal. A lei define também que até 2014 os municípios estão obrigados a trabalhar com coleta seletiva e acabar com os lixões, onde os resíduos são despejados sem nenhuma triagem anterior.
"A perspectiva agora é de que o setor se profissionalize e comece a ser visto como uma oportunidade de negócio", explica Carlos Silva Filho, diretor executivo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o País perde R$ 8 bilhões por ano quando deixa de aproveitar os resíduos recicláveis que estão disponíveis.
Mas, para que a coisa avance, parece indispensável acabar com a excessiva separação doméstica e adotar o mais rapidamente possível a divisão em apenas dois tipos de lixo. /COLABOROU ISADORA PERON
São os catadores
Não dá para falar em reciclagem de lixo sem mencionar o trabalho dos catadores. Apesar de muitas vezes só serem notados quando "atrapalham" o trânsito com seus carrinhos, eles desempenham papel importante nesse processo.
Trabalho notável
Hoje há mais de 800 mil pessoas exercendo essa atividade no Brasil. Estima-se que cada um deles recolha por dia 500 quilos de materiais. De acordo com Carlos Silva Filho, diretor executivo da Abrelpe, entre 60% e 70% do lixo no País só é reciclado graças ao trabalho realizado pelos catadores.
Parte da história
A Política Nacional de Resíduos Sólidos faz 11 referências à participação dos catadores no País. A intenção é integrá-los ao sistema e oferecer condições mais dignas de trabalho. "A lei nos dedicou um capítulo inteiro. Isso quer dizer que fazemos parte desta história", diz Roberto Laureano, presidente do Movimento Nacional dos Catadores de Resíduos.

Vai fracassando

Celso Ming - O Estado de S.Paulo
À medida que a crise global vai refluindo fica mais difícil encontrar utilidade para esses encontros do Grupo dos 20 (G-20). Não há acordo sobre nada. Será que para sair alguma coisa daí é preciso que tudo volte a piorar?
A ideia de reunir os maiorais do mundo para discutir os grandes problemas surgiu em 1975, quando Valery Giscard D"Estaing era presidente da França. A globalização já tinha avançado e os governos dos Estados nacionais já não conseguiam dar conta deles. Foi então que os dirigentes de Estados Unidos, Canadá, Japão, Inglaterra, Alemanha, França e Itália passaram a se encontrar em caráter informal no que passou a ser chamado de Grupo dos Sete (G-7), para avaliar em conjunto os problemas e coordenar políticas.
A partir de 1997, foi incorporada a Rússia, já transformada pela Perestroika e pela queda do Muro de Berlim, e, assim, o G-7 virou G-8. A partir de 1999, os próprios senhores do mundo sentiram a necessidade de incorporar os emergentes, porque não poderiam definir políticas conjuntas sem o compromisso de China, Índia, Brasil e Argentina.
Em novembro de 2010, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, passou a exercer a presidência rotativa do G-20. E é prerrogativa do presidente apresentar a pauta das discussões. Sarkozy sempre se mostrou impressionado com o que chamou de grandes desequilíbrios globais e com a necessidade de redesenhar o sistema financeiro mundial. Segunda-feira, a ministra de Finanças da França, Christine Lagarde, sintetizou em entrevista as preocupações do seu governo: "A China poupa e exporta, a Europa consome, os Estados Unidos tomam dinheiro emprestado e consomem. Por acaso é este um modelo equilibrado?"
As propostas de Sarkozy pretenderam provocar uma revolução. Sugeriu a reforma do Sistema Monetário Internacional para que outras moedas, e não apenas o dólar, passassem à condição de reserva internacional de valor. Quis o nivelamento dos saldos em conta corrente dos principais países. Falou insistentemente em intervenção nos mercados internacionais de commodities para controlar o mercado de alimentos de modo a impedir disparadas de preços, como as de agora.
Desde logo se viu que não há consenso nem sequer em torno da identificação dos desequilíbrios globais e dos indicadores para medi-los. Despejo excessivo de moeda no mundo é uma fonte de desequilíbrios? Sim, claro que é. Mas os Estados Unidos não admitem que estejam emitindo moeda demais. Argumentam que assim agem para recolocar a locomotiva global em movimento e que os demais vagões terão tudo a ganhar quando isso acontecer.
Montanhas de reservas externas são, sim, um sinal de que há enormes superávits de um lado e gigantescos déficits de outro. Mas Japão, China e Brasil avisam que não tem cabimento limitar o volume de reservas, medida que seria outro jeito de exigir revalorização da própria moeda.
Os preços dos alimentos disparam e produzem distorções? Sim, mas Estados Unidos, Brasil e Argentina argumentam que não faz sentido controlar o mercado internacional de alimentos. E o que acabará sobrando será a proposta de dar mais transparência aos mercados internacionais de commodities, sem que se saiba o que fazer depois com essa transparência.
Enfim, o G-20, como fórum global para identificação de problemas e coordenação de políticas, vai fracassando.
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A escalada de preços atinge todas as matérias-primas e não apenas os alimentos. É o que mostra um dos mais respeitados indicadores de preços de commodities, o CRB.
Na contramão
O representante do Brasil e candidato ao cargo de diretor geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), José Graziano da Silva, defendeu ontem a proposta da França a favor da regulação do mercado de commodities alimentares. E, nessa defesa, assumiu posição contrária à do governo brasileiro.