QUINTA, 17 FEVEREIRO 2011 . CELSO MING - O ESTADO DE S.PAULO | |
A escalada dos preços da comida está aumentando a fervura política. O Banco Mundial já avisou que a escassez de alimentos empurrou 44 milhões de pessoas para abaixo da linha de pobreza. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, na condição de presidente rotativo do Grupo dos 20 (G-20) países mais ricos do mundo, quer intervenção para garantir a segurança alimentar. Por enquanto, Sarkozy e os críticos ainda vêm pondo força no diagnóstico errado, o de que a disparada dos preços está sendo provocada preponderantemente pela ação dos especuladores financeiros. Mas à medida que esse argumento vai sendo rebatido - até mesmo pelo governo brasileiro - duas consequências parecem inevitáveis. A primeira delas é a maior flexibilização para desenvolvimento e produção de culturas geneticamente modificadas (transgênicas), que ainda hoje encontram fortes resistências na Europa e também aqui no Brasil. A outra é o crescimento das pressões para proibir o desvio de grãos e de outros alimentos para a produção de biocombustíveis. Os Estados Unidos, por exemplo, canalizam mais de 100 milhões de toneladas de milho para a produção de etanol, o suficiente para alimentar 240 milhões de pessoas, nos cálculos do professor Kenneth Cassmann, da Universidade de Nebraska, citado em outra matéria do New York Times. A própria União Europeia usa óleos vegetais (especialmente de canola e girassol) para a produção de biodiesel. E o Brasil também tem lá seus fortes programas de etanol e biodiesel. No ano passado cerca de 335 milhões de toneladas de cana-de-açúcar foram usadas para a produção de etanol e mais não foram porque os próprios usineiros puxaram mais matéria-prima para suas fábricas de açúcar, cujos preços saltaram 72% no mercado internacional. Também por aqui 1,9 milhão de toneladas de óleo de soja deixaram de ser utilizadas na alimentação e foram empregadas na produção de 2,5 bilhões de litros de biodiesel. Por enquanto, o Brasil vem defendendo a produção de biocombustíveis a partir de matéria-prima alimentar com o argumento de que há espaço para os dois segmentos. Mas à medida que crescer a escassez de alimentos, maiores serão as pressões e mais vulnerável ficará o governo brasileiro. O crescimento da procura de proteína tanto vegetal como animal parece inexorável à medida que cresce a população dos países emergentes que ascendem à condição de consumidores. Desapareceram as montanhas de trigo e de manteiga nos países ricos que caracterizaram os anos de pós-guerra. Esta é uma extraordinária oportunidade para o Brasil. No entanto, um após o outro, os governos brasileiros renunciaram a ter uma política agrícola. A produção vai crescendo, sim, mas na base da inércia, estimulada apenas pelo que Deus manda, enfrentando custos predatórios e uma infraestrutura precária e desestimuladora. |
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
Comida ou biocombustível
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
Brasil mínimo
Por Roberto Malvezzi (Gogó)* |
No Brasil, para a maioria da população, tudo é mínimo: o salário, a renda, o Bolsa Família, até o Estado há pouco tempo atrás era para ser mínimo. A saúde e a educação talvez nem cheguem ao mínimo, mas o mínimo é a meta a ser conquistada.
Superar a fome, a sede, a miséria, sanear as cidades e implantar uma educação e saúde eficientes é possível mesmo dentro de um Estado capitalista. Portanto, por hora nem se discute a implantação de um Estado socialista, com a superação das injustiças estruturais. As próprias políticas do governo Lula, assim como o propósito de erradicação da miséria de Dilma, se dão dentro dos marcos da sociedade atual. Com o potencial de solos, água, sol, minerais e até mesmo tecnológico que temos, são metas que podem ser atingidas até dentro desse modelo.
Claro, por outro lado sobra o Brasil máximo: a renda concentrada, o patrimônio, a propriedade, além da concentração do poder, do saber e demais mecanismos que garantem a estruturação classista brasileira.
Talvez aqui resida o nó mais controverso entre as esquerdas nos últimos anos. Enquanto alguns setores desdenham essas conquistas mínimas, porque não mudam estruturalmente o Brasil, outros as defendem como se tivéssemos solucionado todos os problemas nacionais.
Vivendo na região semiárida há trinta anos, sabemos o quanto essas conquistas do Brasil mínimo foram e são importantes para nosso povo. Afinal, é melhor viver num capitalismo comendo e bebendo que morrendo à míngua de fome e sede, como literalmente acontecia até pouco tempo atrás.
Porém, contentar-se com o que está posto, é contentar-se com a sub cidadania. Chegará a hora, como acontece nas periferias francesas, que essas populações se rebelarão com o mínimo a que foram relegadas, enquanto outros desfrutam de todas as benesses da sociedade moderna.
Ainda mais, com as mudanças nos paradigmas que estamos atravessando, ficará cada vez mais difícil pleitear o consumismo como parâmetro. De alguma forma, teremos que nos contentar com o que é fundamental, com um vida digna, descartando ter como meta a sociedade do luxo e do desperdício.
*Roberto Malvezzi (Gogó) é assessor da Comissão Pastoral da Terra.
**Publicado originalmente na edição 415 do Brasil de Fato - http://www.brasildefato.com.br/node/5648.
Superar a fome, a sede, a miséria, sanear as cidades e implantar uma educação e saúde eficientes é possível mesmo dentro de um Estado capitalista. Portanto, por hora nem se discute a implantação de um Estado socialista, com a superação das injustiças estruturais. As próprias políticas do governo Lula, assim como o propósito de erradicação da miséria de Dilma, se dão dentro dos marcos da sociedade atual. Com o potencial de solos, água, sol, minerais e até mesmo tecnológico que temos, são metas que podem ser atingidas até dentro desse modelo.
Claro, por outro lado sobra o Brasil máximo: a renda concentrada, o patrimônio, a propriedade, além da concentração do poder, do saber e demais mecanismos que garantem a estruturação classista brasileira.
Talvez aqui resida o nó mais controverso entre as esquerdas nos últimos anos. Enquanto alguns setores desdenham essas conquistas mínimas, porque não mudam estruturalmente o Brasil, outros as defendem como se tivéssemos solucionado todos os problemas nacionais.
Vivendo na região semiárida há trinta anos, sabemos o quanto essas conquistas do Brasil mínimo foram e são importantes para nosso povo. Afinal, é melhor viver num capitalismo comendo e bebendo que morrendo à míngua de fome e sede, como literalmente acontecia até pouco tempo atrás.
Porém, contentar-se com o que está posto, é contentar-se com a sub cidadania. Chegará a hora, como acontece nas periferias francesas, que essas populações se rebelarão com o mínimo a que foram relegadas, enquanto outros desfrutam de todas as benesses da sociedade moderna.
Ainda mais, com as mudanças nos paradigmas que estamos atravessando, ficará cada vez mais difícil pleitear o consumismo como parâmetro. De alguma forma, teremos que nos contentar com o que é fundamental, com um vida digna, descartando ter como meta a sociedade do luxo e do desperdício.
*Roberto Malvezzi (Gogó) é assessor da Comissão Pastoral da Terra.
**Publicado originalmente na edição 415 do Brasil de Fato - http://www.brasildefato.com.br/node/5648.
Aumenta consumo de combustíveis no Brasil, mas cai o consumo de etanol
17/02/2011 - 10h02 Por Sérgio Abranches, do Ecopolítica |
Cai demanda por etanol, cresce demanda por gasolina. Resultado da diferença óbvia entre um biocombustível que é produzido junto com uma commodity alimentar de valor no mercado global e um combustível fóssil, cujo preço é fixado por empresa dominante, quase monopolista, no mercado doméstico.
O preço do álcool/etanol terá sempre por referência o preço do açúcar dado pelo mercado internacional. O preço da gasolina é determinado pela Petrobrás e não pelo mercado. Se a demanda por açúcar estiver aquecida e elevar seus preços internacionais, os produtores aumentarão a produção de açúcar em detrimento da de álcool. Com menor oferta de álcool os preços sobem. Se o preço do álcool não compensa o diferencial de eficiência do biocombustível nos motores flex, o consumidor opta pela gasolina.
Por isso caiu a demanda por etanol, em 3% e aumentou a de gasolina, em 17,5%. Também subiu o consumo de óleo diesel, em 11%. O consumo total de combustíveis cresceu 8,4%. Gasolina cresceu mais que a queda do etanol não tanto por causa dos importados rodando só a gasolina. A razão principal dessa diferença é que todo o aumento de consumo dos novos automóveis flex foi atendido pela gasolina, que também cobriu a queda do consumo de etanol. Ou seja houve demanda nova atendida por gasolina e substituição de etanol por gasolina.
Tudo bem, até aí. Mera introdução à economia. O problema é que o governo apresenta o carro flex como a grande solução global para a redução das emissões de gases estufa. Já ouvi autoridade graúda dizer que se o mundo fizesse como nós, o problema estaria resolvido. Exageros à parte, o que está errado? A aposta em soluções únicas e mágicas na política energética. O etanol, em particular, e o biocombustível de primeira geração, em geral, não são a resposta definitiva, nem as melhores a longo prazo para o setor de transportes. Não exige “a” solução, pelo menos no horizonte tecnológico atual.
O mesmo problema existe na política para o setor elétrico: as mega-hidrelétricas, especialmente na Amazônia, não são a única, nem a melhor forma de ampliar a capacidade instalada. Nem as termelétricas fósseis a única alternativa a elas. A melhor política é de diversificação de fontes e redução efetiva da participação das fontes fósseis.
No setor de transportes, o recurso a veículos elétricos e híbridos é uma resposta óbvia e crescente no mundo. Aqui, o governo cria todas as dificuldades possíveis, para evitar concorrência ao motor flex. A aposta em uma única solução gera dependência e não segurança. O resultado é que ficamos à mercê das oscilações do preço do açúcar no mercado internacional. E é preciso que se diga, com toda clareza: o aumento no consumo de gasolina e diesel elevou as emissões de gases estufa do setor de transportes e piorou a qualidade do ar das cidades. Prejuízos para o clima e a saúde pública.
No setor elétrico, é claro que já deveríamos ter proibido termelétricas a carvão, ao invés de estimulá-las com incentivos e transferir esses e outros incentivos aos combustíveis fósseis para a eletricidade eólica e solar. Deveríamos estimular, também, usinas baseadas na energia das ondas e marés. Isso poderia parecer esquisito há uma ou duas décadas atrás. Hoje, não recorrer a essas fontes significa ficar na retaguarda das principais economias do mundo, inclusive nossas congêneres emergentes como China e Índia. A matriz energética brasileira está ficando mais suja, mesmo com as hidrelétricas do Norte, e sem contar o impacto delas. Deveria e poder estar ficando mais limpa com a diversificação das fontes renováveis.
Esta não é uma política energética durável. Insustentável ela claramente é. Nem é uma resposta às nossas necessidades no contexto do processo de desenvolvimento e concorrência global que marcará o restante do século XXI.
O preço do álcool/etanol terá sempre por referência o preço do açúcar dado pelo mercado internacional. O preço da gasolina é determinado pela Petrobrás e não pelo mercado. Se a demanda por açúcar estiver aquecida e elevar seus preços internacionais, os produtores aumentarão a produção de açúcar em detrimento da de álcool. Com menor oferta de álcool os preços sobem. Se o preço do álcool não compensa o diferencial de eficiência do biocombustível nos motores flex, o consumidor opta pela gasolina.
Por isso caiu a demanda por etanol, em 3% e aumentou a de gasolina, em 17,5%. Também subiu o consumo de óleo diesel, em 11%. O consumo total de combustíveis cresceu 8,4%. Gasolina cresceu mais que a queda do etanol não tanto por causa dos importados rodando só a gasolina. A razão principal dessa diferença é que todo o aumento de consumo dos novos automóveis flex foi atendido pela gasolina, que também cobriu a queda do consumo de etanol. Ou seja houve demanda nova atendida por gasolina e substituição de etanol por gasolina.
Tudo bem, até aí. Mera introdução à economia. O problema é que o governo apresenta o carro flex como a grande solução global para a redução das emissões de gases estufa. Já ouvi autoridade graúda dizer que se o mundo fizesse como nós, o problema estaria resolvido. Exageros à parte, o que está errado? A aposta em soluções únicas e mágicas na política energética. O etanol, em particular, e o biocombustível de primeira geração, em geral, não são a resposta definitiva, nem as melhores a longo prazo para o setor de transportes. Não exige “a” solução, pelo menos no horizonte tecnológico atual.
O mesmo problema existe na política para o setor elétrico: as mega-hidrelétricas, especialmente na Amazônia, não são a única, nem a melhor forma de ampliar a capacidade instalada. Nem as termelétricas fósseis a única alternativa a elas. A melhor política é de diversificação de fontes e redução efetiva da participação das fontes fósseis.
No setor de transportes, o recurso a veículos elétricos e híbridos é uma resposta óbvia e crescente no mundo. Aqui, o governo cria todas as dificuldades possíveis, para evitar concorrência ao motor flex. A aposta em uma única solução gera dependência e não segurança. O resultado é que ficamos à mercê das oscilações do preço do açúcar no mercado internacional. E é preciso que se diga, com toda clareza: o aumento no consumo de gasolina e diesel elevou as emissões de gases estufa do setor de transportes e piorou a qualidade do ar das cidades. Prejuízos para o clima e a saúde pública.
No setor elétrico, é claro que já deveríamos ter proibido termelétricas a carvão, ao invés de estimulá-las com incentivos e transferir esses e outros incentivos aos combustíveis fósseis para a eletricidade eólica e solar. Deveríamos estimular, também, usinas baseadas na energia das ondas e marés. Isso poderia parecer esquisito há uma ou duas décadas atrás. Hoje, não recorrer a essas fontes significa ficar na retaguarda das principais economias do mundo, inclusive nossas congêneres emergentes como China e Índia. A matriz energética brasileira está ficando mais suja, mesmo com as hidrelétricas do Norte, e sem contar o impacto delas. Deveria e poder estar ficando mais limpa com a diversificação das fontes renováveis.
Esta não é uma política energética durável. Insustentável ela claramente é. Nem é uma resposta às nossas necessidades no contexto do processo de desenvolvimento e concorrência global que marcará o restante do século XXI.
(Envolverde/Ecopolítica)
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