Crítico de cinema de O Imparcial, em Araraquara, em um sábado de 1954 fui para Tamoio, onde Carlos Coimbra dirigia o filme Armas da Vingança.
Havia no elenco uma cantora da Tupi, Silvana Marçal, morena, sensualíssima. Ficamos amigos. Uma tarde, recebi um telefonema dela dizendo que iria a Araraquara assistir a um filme. “Você me acompanha?” Encontrei-a no Cine Paratodos, hoje templo religioso.
Terminada a sessão, o centro deserto, sem saber o que fazer, vimos o confortável hall do Hotel Municipal, decidimos esperar ali. Sentamo-nos. Então apareceu o dono do hotel. “São hospedes?” Não. “E o que fazem aqui?” Expliquei: Esta moça é da TV Tupi, está fazendo um filme em Tamoio, fomos ao cinema, esperamos o jipe que vem buscá-la. “Atriz?” O sujeito se enfureceu, babando feroz: “Atriz? Sei o que é atriz! Em meu hotel? Caiam fora! Fora! Vão lá para a Rua Oito”. Era a rua dos bordéis. Atordoados, fomos saindo, ele vociferou: “Aqui é lugar de respeito!”.
Para você
Saímos estupefatos e de repente explodimos em uma gargalhada. Rimos muito. O dono do hotel estava a nos olhar, pasmo. Ainda ríamos quando o jipe chegou e Silvana partiu. Ela morreu há décadas. O melhor veio agora.
Erguido em 1919, o Hotel Municipal foi orgulho da cidade por décadas. Ali se hospedaram os presidentes Epitácio Pessoa e Fernando Henrique Cardoso. E o poeta Coelho Neto, o paisagista Burle Marx, o compositor Villa-Lobos, os Alimondas, músicos clássicos, cantores como Jorge Goulart e Marlene, nomes como Tônia Carrero, Paulo Autran, Anselmo Duarte, Alberto Ruschel, Eliana Macedo, dos musicais da Atlântida. Havia ainda o requinte do bar na esquina, hoje loja. Por anos, reuniram-se ali jovens como Hugo Fortes, depois advogado de alta estirpe; Luis Roberto Salinas Fortes, filósofo, tradutor de Sartre; Sidney Sanches, que nos anos 1990 foi presidente do Supremo Tribunal Federal e assinou o impeachment de Collor. Sem esquecer o Zé Celso.
Veio um período de decadência, o hotel foi minguando até chegar à restauração, em que se associaram poder público e empresários. Hoje, voltou ao apogeu, a cada ano abriga os escritores que chegam para a Festa Literária da Morada do Sol. Quantas vezes, o CEO do hotel, Juliano Karam, me ajudou a autografar centenas de livros que seriam doados às escolas? Quando vou à minha terra, fico no hotel. O apartamento em que me hospedo tem na porta, desde a primeira semana de outubro, uma bela etiqueta de madeira com meu nome. Homenagem ao escritor da terra. Cada vez que pego a chave penso em Silvana. Ela está vendo, e rindo.
PS: Hoje, as 15 horas, autografo meu livro infantil, Só Sei Que Nasci, na Livraria da Vila da Fradique.
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