No filme "Retratos Fantasmas", Kleber Mendonça Filho narra como o tempo transforma os lugares e as memórias coletivas da cidade.
O filme começa com imagens de lugares em Recife que foram demolidos e substituídos por arranha-céus.
Kleber traça uma cartografia sentimental que conta a história da cidade pelos lugares perdidos, desde as transformações em seu bairro de infância, Boa Viagem, até os antigos cinemas do centro, todos arruinados pelos negócios imobiliários.
O filme parece se inspirar no curta "Censura Livre", de Ivan Cordeiro, que durante a ditadura militar documentou melancolicamente as demolições que reduziram a escombros os antigos cinemas de bairro em Recife. As filmagens evocam as fantasmagorias dos encantos dos lugares apagados pelo desenvolvimento urbano.
Recentemente, a ameaça de destruição do anexo do Espaço Itaú de Cinema da rua Augusta suscitou debates sobre as demolições na cidade de São Paulo. Um dos últimos cinemas de rua foi comprado por uma incorporadora que pretende transformá-lo em um novo empreendimento imobiliário. Este é apenas um dos casos das demolições que assolam a cidade.
O crescimento dessas demolições é evidenciado nos registros da Secretaria Municipal de Urbanismo, que indicam que, entre 2018 e 2023, mais de 6.400 imóveis desapareceram para dar lugar à verticalização alucinada. Em 2020, ano crítico da pandemia de Covid-19, foram emitidos 1.363 alvarás de demolição, um recorde.
Após o confinamento social, surgiu uma cidade estranha àquela que existia antes da pandemia. São Paulo sofreu um dos maiores booms imobiliários de sua história, transformando-se em um gigantesco canteiro de obras e demolições.
Claude Lévi-Strauss escreveu em "Tristes Trópicos" que as cidades do Novo Mundo "vão do viço à decrepitude sem parar na idade avançada". Quando chega a São Paulo, em 1935, comenta que os paulistanos se vangloriavam de que construíam uma casa por hora. A cidade se desenvolvia a tal velocidade que era impossível obter seu mapa, pois cada semana demandaria uma nova edição.
São Paulo vivia febrilmente uma doença crônica de sede de renovação e, como alertou, sendo eternamente jovem, jamais será saudável.
Nesse cenário de modernização, os vestígios arquitetônicos de outros tempos eram demolidos. Diante dessa cidade, Mario de Andrade escreveu, angustiado: "Vagar assim, pelos mil caminhos de São Paulo, em busca de grandezas passadas, é trabalho de fome e de muita, muita amargura. Procura-se demais e encontra-se quase nada".
Atualmente, a "doença crônica" constatada por Lévi-Strauss se disseminou. A voracidade do mercado imobiliário para transformar cada metro quadrado da cidade em mais dinheiro é indiferente aos vínculos sensíveis e históricos que construímos com os lugares.
São Paulo, mais do que nunca, "cresce permanentemente em altura pela acumulação de seus próprios escombros que sustentam as construções novas", nas palavras do antropólogo.
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