Nestes tempos estranhos, o mundo começa a piorar cada vez que pensamos que está melhorando. Seu futuro, por isso, parece não ser outro senão mais sombrio do que o presente. Uma sucessão impiedosa de eventos atormenta pessoas mais sensíveis e fortalece essa percepção: pandemia, guerras, degradação ambiental, aquecimento global, atentados, crises políticas, crises econômicas e crises sociais, além de imprevisíveis dramas familiares. Nos momentos de distensão, circunstâncias excepcionais são substituídas por problemas “normais”, aqueles que nós tornamos normais porque tacitamente os aceitamos ou porque os reproduzimos ano após ano.
O Brasil, por exemplo, parece ter sido condenado a um crescimento lento, em ritmo insuficiente para reduzir suas imensas desigualdades sociais. Não conseguimos resolver problemas que, surgidos nas últimas décadas, ficaram mais graves e hoje demandam soluções heroicas. São os nossos problemas “normais”.
Um dos mais notórios é a crise fiscal que, quando não se agrava, paralisa políticas públicas. Depois do teto de gastos, surge o arcabouço fiscal, uma forma engenhosa para, ao mesmo tempo, abrir uma rota de alcance de superávit primário e preservar a capacidade de investimentos do setor público. Mas os que há muito tempo criticam o tamanho do Estado brasileiro continuam a duvidar da eficácia da política fiscal. Só concordarão com ela quando tiverem a certeza de que obtiveram aquilo que sempre exigiram: um drástico corte de gastos, ainda que à custa da perda da qualidade dos serviços públicos, sobretudo os voltados para os mais necessitados.
A inflação, mesmo muito baixa para os padrões históricos do Brasil – boa parte dos brasileiros não consegue imaginar a vida sob uma inflação de cerca de 1.900% ao ano, como a registrada em 1989 –, continua a impor restrições à política monetária. E, como se diz entre os operadores do mercado financeiro, continua a semear dúvidas sobre a estabilidade econômica indispensável à tomada de decisões a respeito de investimentos de longo prazo de maturação.
E a indústria, que foi motor do crescimento por décadas, perdeu dinamismo e, aparentemente, também sua capacidade de reação, como que a determinar que o Brasil se consolide como país exportador de produtos do agronegócio.
A guerra de Israel contra o Hamas acrescenta temores a um cenário internacional já sombrio por causa da invasão da Ucrânia pela Rússia, conflito iniciado há 20 meses e que pode durar ainda bom tempo. Algum impacto haverá de sentir a economia mundial, caso a situação no Oriente Médio se agrave ou se prolongue, mas não se sabe qual nem de que intensidade. Recentes dados sobre a economia chinesa, que durante anos impulsionou a economia mundial, são animadores, mas problemas que provocaram a paralisia da China persistem e recomendam prudência.
É neste mundo coberto de dúvidas e receios que surge uma informação discreta, mas auspiciosa. Em sua mais recente projeção para a economia mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) elevou a expectativa de crescimento do Brasil em 2023 para 3,1%. Não é um número excepcional, mas é muito melhor do que o de abril, quando o FMI previa expansão de apenas 0,8%.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, observou que o Brasil foi o país que mereceu a maior revisão para cima nas expectativas de crescimento entre abril e outubro. Com a nova previsão, o Brasil poderá voltar a ocupar a nona posição entre as maiores economias mundiais, que detinha antes da pandemia.
Ainda que boa, a informação não nega uma triste constatação. O Brasil parou de crescer com vigor e regularidade há muitos anos e não há garantias de que o resultado de 2023, se confirmado, se repetirá nos anos seguintes. Nossa posição só vai melhorar neste ano porque o resto do mundo terá, em média, desempenho pior do que o nosso.
Depois de anos em que se consolidaram críticas à excessiva presença do Estado nas atividades econômicas, à ineficiência e à disfuncionalidade do sistema tributário, ao peso do setor público nos custos de produção e nos orçamentos domésticos e à falta de competição no mercado doméstico, a percepção que se evidencia é de que nos esquecemos de que os brasileiros só poderão viver melhor se o País crescer.
Não que o controle pela sociedade do tamanho do Estado e a exigência de sua eficiência e eficácia sejam despiciendos. O cidadão tem o direito e o dever de exigir que o Estado cumpra seu papel a um custo que a sociedade possa cobrir. Mas o crescimento deixou de ser prioritário.
Será que não temos competência para, ao mesmo tempo, enfrentar os problemas emergentes e preparar um futuro melhor para os jovens e para as crianças? Mais de uma geração foi incapaz de dar respostas adequadas a essa questão. Não teremos nos conformado também à ideia de que a estagnação é normal? Talvez não tenhamos mais tempo a perder.
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JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!) (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)
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