quarta-feira, 25 de outubro de 2023

O Rio pede uma Polícia Federal, Elio Gaspari, FSP (definitivo)

 No mesmo dia em que as milícias do Rio dominaram parte da cidade e queimaram pelo menos 35 ônibus, o então terceiro homem da Agência Brasileira de Inteligência revelou que os US$ 171,8 mil que tinha em casa eram uma poupança familiar. A segurança pública nacional está bichada. Como disse Ricardo Cappelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça, esse problema não será resolvido com uma "bala de prata".

Do jeito que estão as coisas, talvez seja melhor esperar por um armeiro capaz de fabricar uma bala parecida. Ela poderá vir da valorização da Polícia Federal e da paulatina federalização de alguns crimes.

Carcaça de um dos ônibus incendiados na zona oeste do Rio - Eduardo Anizelli-23.out.23/Folhapress

O exemplo viria do Federal Bureau of Investigation americano. À primeira vista, é um mau exemplo. Ele nasceu numa repartição de polícia política, entregue a um sujeito detestável que ficou à sua frente por 37 anos, até sua morte, em 1972.

J. Edgar Hoover perseguiu negros e esquerdistas. Grampeou centenas de personalidades. Com seus dossiês, intimidava artistas e políticos (inclusive presidentes). Ele fez tudo isso, mas profissionalizou sua polícia e quebrou a espinha dorsal de quadrilhas que assombravam os Estados Unidos. Mestre da manipulação política, em 1934, no governo de Franklin Roosevelt, Hoover, ampliou sua jurisdição, federalizando crimes que estavam nas esferas estaduais. Quando ele morreu, os Estados Unidos tinham um polícia federal e ela se livrou de suas obsessões.

Com esse nome, a Polícia Federal brasileira apareceu em 1967. Tinha uma estrutura pobre e, aos poucos, profissionalizou-se, sem os grandes escândalos que povoaram as polícias estaduais. Não é um FBI, mas está muito acima da média de quase todas as Polícias Civis ou Militares. No Rio de Janeiro, ela não confia nas conexões e nas informações de suas congêneres.

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Quando um governador como Cláudio Castro, do Rio, diz que sua polícia combate o crime "dia e noite, sete dias por semana", a Polícia Federal ri. Na sua estrutura, políticos estaduais podem até influenciar nomeações, mas nunca têm a audácia de proclamar esse poder, como se faz na segurança do Rio.

A PF não é uma bala de prata, mas pode vir a ser uma coisa parecida. O miliciano que foi morto pela polícia do Rio, disparando a resposta do crime, era um foragido de presídio estadual. O governador Castro, triunfante, anunciou que os presos de segunda-feira iriam para cadeias federais. Não lhe ocorreu dizer como o bandido conseguiu fugir.

Os poderosos de Brasília gostam de anunciar planos mirabolantes ou demófobos. Durante a presepada da intervenção militar no Rio, em 2018, por pouco não foi adiante uma medida que permitia mandados de prisão e buscas coletivas, para ruas inteiras. Um general foi a um quartel da PM e não recebeu continência imediata da tropa. Naqueles dias, a vereadora Marielle Franco perguntava: "Quantos mais precisam morrer?" Ela foi assassinada horas depois.

Como repete o repórter Otávio Guedes, está em curso um processo de "mexicanização" do Brasil. O tráfico associou-se a milícias e ambos infiltraram-se primeiro nas polícias, depois em alguns (ainda poucos) cargos da magistratura.

Depois que a milícia barbarizou no Rio, o governador disse que telefonou para o ministro da Justiça, e o doutor Flávio Dino revelou que viajaria para a cidade em companhia de Ricardo Cappelli. Pura coreografia do poder.

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