Falta menos de um ano para as eleições que vão escolher os prefeitos das cidades brasileiras, o cargo público com maior impacto direto na nossa vida cotidiana.
Em um livro famoso, "If Mayors Ruled the World", o analista político Benjamin Barber expôs a importância dos prefeitos. Ao contrário de presidentes, obrigados a construir narrativas, os prefeitos das grandes cidades do mundo têm a obrigação de serem pragmáticos e resolver problemas. Para ele, as grandes discussões ideológicas que levam à cisão no nível nacional perdem força diante dos desafios cotidianos das cidades: garantir que os passageiros embarquem nos ônibus, as crianças tenham aulas e que a água chegue às torneiras.
Se os prefeitos de cidades brasileiras lidam cotidianamente com a desigualdade e falta de verbas, nas metrópoles os problemas mudam de tamanho. Rio, Brasília, Recife, Belo Horizonte ou Salvador carregam desafios únicos.
São Paulo, pela escala, ganha o desafio adicional da complexidade. Aqui, quem ocupa o cargo de prefeito tem que lidar com os problemas grandes, os enormes e os minúsculos, tudo ao mesmo tempo. Para piorar, há um certo desânimo com o futuro, que contrasta com aquilo que a cidade tem de melhor, a energia das pessoas. Como resgatar essa energia?
A um ano da eleição, talvez esta seja a última oportunidade para uma coluna que, não sem uma dose proposital de ingenuidade, não fale de candidatos, mas de princípios.
Num hipotético curriculum para o preenchimento da vaga de prefeito, se é para sonhar, permito-me sonhar com candidato que junte senão todas, pelo menos várias dessas características e atitudes:
Abraçar as contradições. São Paulo sempre terá conflitos. É no modo como a prefeitura se dispõe a resolver esses conflitos que se mede a saúda da cidade.
Não ter pudor em manter bons projetos criados por gestões anteriores, sejam as ciclovias, sejam os projetos de reurbanização de favelas, nem medo de começar algo que vá além de seu mandato.
Ter laços sensoriais com a cidade. Parece óbvio, mas difícil imaginar alguém que consiga entender a cidade sem frequentar a rua, estádios, bares, igrejas, espaços públicos, que não ande a pé até a padaria, que não conheça a história do centro, que não pegue um ônibus para ir ao Ibirapuera ou o metrô para visitar um parente.
Conhecer as boas experiências. Não há mérito em inventar soluções mirabolantes sem conhecer projetos que deram certo. A inclusão de Bogotá, as propostas de Paris sobre a crise climática, a luta de Palermo contra o crime organizado, a segurança viária de Estocolmo, o Instituto de Urbanismo de Curitiba, as iniciativas de Fortaleza em mobilidade ativa, o foco na educação de Sobral.
Disposição para melhorar o funcionamento da gigantesca e fragmentada estrutura de 120 mil servidores públicos, otimizando, organizando, liderando, controlando, ouvindo e comunicando sua visão com clareza, delegando sem medo de perder poder.
Liderança na conversa com as demais cidades da Grande São Paulo e com o governo estadual, que tem voz ativa na segurança, nos transportes, na educação e na gestão de recursos hídricos.
Exigir qualidade nos diagnósticos, sem medo de mudar de ideia quando os dados mostrarem que algo está dando errado.
Apreciar o valor da participação popular, audiências públicas, plebiscitos, discussões, votações populares e conselhos. Projetos só funcionam quando são legitimados pelos usuários.
Nada de dogmatismo. Da discussão sobre o Minhocão, à tarifa zero, da Cracolândia ao resultado urbanístico da verticalização desenfreada, passando pela concessão de terminais e parques, os temas polêmicos exigem debates com cenários antagônicos, debates abertos e inspiradores.
Buscar ajuda onde ela puder ser encontrada: na academia, nas empresas, nas organizações não governamentais, nos movimentos sociais, a inteligência e a disposição para resolver os problemas da cidade.
Negociar aberta e exaustivamente com a Câmara Municipal, dando tempo para que projetos importantes possam ser discutidos, mexidos e testados, ao contrário do que aconteceu no recente Plano Diretor.
Descentralizar a gestão. Todo mundo fala em descentralização, mas poucos dão o passo de empoderar as sub-prefeituras para aumentar a agilidade e a proximidade com os bairros.
Balancear escalas. São Paulo precisa de grandes projetos, claro, mas também precisa de alguém que ache graça em tapar um bueiro.
Ter uma visão de cidade. Em vez do genérico "educação e saúde", perguntas específicas. Como se dará a convivência entre os diferentes? Como estimular uma cidade que se abra para a rua, estimula o encontro e oferece oportunidades? Como nos preparar para a mudança climática?
Compromisso com a redução da desigualdade, na moradia, no transporte, no acesso aos serviços e espaços públicos. Como integrar os vários planos para dotar as periferias de um choque de urbanidade?
Gostar de ser prefeito. O ex-prefeito de Filadélfia Michael Nutter escreveu há alguns anos um livro, "O Melhor Trabalho do Mundo", sobre o desafio de ser um prefeito. Gostaria de ver alguém que gostasse tanto de ser prefeito que isso fosse um objetivo em si, não um passo para outros voos na política.
É muito? Claro que é, mas por que não exigir que uma cidade com o tamanho, o passado e a importância de São Paulo tenha uma liderança que trafegue pelos problemas pequenos e os grandes, catalisando as forças da cidade em direção a um objetivo comum e, que, paradoxalmente, se abra para as diferenças?
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