A idade média no Antropoceno está subindo rapidamente. Isso é verdade nas economias mais avançadas e também nos países que ainda não chegaram lá.
A visão dominante das consequências é bastante pessimista. Pressupõe que, em torno dos 65 anos, as pessoas que beneficiavam a economia passam a subtraí-la de maneira quase invariável, sobretudo porque o envelhecimento populacional leva à explosão dos gastos em saúde, em função da prevalência crescente das doenças crônicas. Isso de fato está alinhado às experiências acumuladas.
No entanto, o cenário que se projeta da sua extrapolação parece-me francamente equivocado, posto que ignora tendências emergentes que apontam na direção contrária.
SOCIEDADE DO ENVELHECIMENTO VS. SOCIEDADE DA LONGEVIDADE
O principal equívoco de quem projeta uma "sociedade do envelhecimento" com amplos contingentes funcionalmente excluídos é considerar que o aumento da longevidade levará à manutenção da mortalidade per capita e da maneira dominante de lidar com a própria saúde.
Em contraste, tanto a invalidez por causas gerais quanto a porcentagem da vida com doenças crônicas incapacitantes têm caído ano a ano. David Cutler, professor de economia em Harvard, sintetizou bem: "Gastos médicos aumentam com a idade. Ao passo que isto é um truísmo, é também enganador em muitos sentidos. A velhice em si não está associada ao fenômeno. É a invalidez e a saúde declinante que estão. Conforme as pessoas envelhecem de forma sadia, os gastos não tendem a subir assim".
Em 2019, o autor e colaboradores publicaram uma análise focada no mercado americano, que reforçou este entendimento: "O crescimento dos gastos em saúde declinou em todas as áreas, exceto nos cuidados dentários. As maiores contribuições vieram de serviços hospitalares, clínicos e honorários médicos, mas gastos pós-agudos e medicamentos também ajudaram".
A queda foi puxada pelo manejo mais eficiente das doenças cardiovasculares, que tanto são as que mais matam no mundo quanto estão entre as mais sensíveis a mudanças de mentalidade.
Eu a enxergo em uma chave societária maior, que traz em seu cerne a possibilidade de desembarcarmos em uma sociedade da longevidade e não simplesmente do envelhecimento, como indicado pelos modelos mais tradicionais em economia da saúde.
Sua viabilização passa pelo expurgo de visões que recomendam resignação frente àquilo que o destino supostamente nos reserva. Não se trata de tarefa pequena, até porque estas visões fazem a ponte entre certas narrativas religiosas e o reducionismo genético que dominou as ciências biológicas até poucas décadas atrás.
Fatalismo, baixa compaixão com o eu futuro e crença de que o teto para o crescimento pessoal na maturidade é baixo inibem o empenho para mexer a tempo no vespeiro das atitudes que reduzem a pó as chances de se viver com vitalidade até as vésperas da morte (trajetória em J), como fumar, abraçar o sedentarismo, consumir-se em estresse e não fazer exames preventivos.
Pela via da negligência, surge um fenômeno bizarro: os anos a mais que vamos angariando, em função dos avanços da medicina e das tímidas mudanças comportamentais adotadas, não são saudados como oportunidade de renovação, mas como extensão da decadência —perspectiva esta que ninguém quer encarar e, como numa fábula, acaba se forçando a vivê-la.
A sociedade do envelhecimento é muito mais do que o reflexo da alocação crescente de investimentos em saúde, aposentadorias e outros mais. Ela é a manifestação do conformismo que transcende gerações e se espraia por todo o curso da vida projetada. Em sua trama, a postura dogmática é o ponto de encontro de indivíduos, empresas e governos.
O sujeito quer se aposentar o quanto antes porque sabe que a sua competitividade no mercado de trabalho declina rapidamente após os 55 anos. Ele está certo, as estatísticas mostram exatamente isso. Tentativas de mitigar o problema pela circunscrição de vieses e remodelagem atitudinal trazem consciência sobre o etarismo que, como todo preconceito, é raso e burro. Porém, ao acompanharmos as discussões de fronteira, percebemos que o buraco é bem mais profundo.
Conforme a gente se afasta do último período de formação sistemática em nossas vidas, o que para aqueles aos quais esta discussão "de classe média" se aplica é a graduação, a capacidade de se adaptar às transformações metodológicas de orientação produtiva cai. Enquanto isso, o estigma de que só há um movimento aceitável na carreira, para cima, segue forte como sempre.
O resultado está aí para todo o mundo ver: demissões e rechaço aos currículos enviados. O valor da improdutividade mal remunerada aumenta, o modelo da vida em três estágios (pré-produtivo, produtivo e aposentadoria/improdutivo) se cristaliza e a inevitabilidade do declínio físico e cognitivo é convertida em profecia autorrealizadora.
Em contraste, uma solução conhecida, o aprendizado continuado, é capaz de estimular a conectividade cerebral, evitando o declínio cognitivo, enquanto converte as tecnologias em ascensão em ferramentas do cotidiano. Ele tanto renova a competitividade do profissional quanto resgata o capital intelectual anteriormente acumulado, que volta a "pagar dividendos".
Em tese, é fácil criar uma rota própria de desenvolvimento na meia-idade. Há uma miríade de cursos online de baixo custo, ministrados por professores das grandes universidades do mundo, que também incluem grupos de discussão para as trocas entre pares. Na prática, funciona pouco.
A razão é institucional. A maioria das empresas não se preocupa em capitalizar em cima deste tipo de investimento pessoal por causa de atrasos alojados na cultura corporativa e, mais amplamente, na cultura nacional, como exemplificado pela vedação ao rebaixamento funcional (p. ex. diretor virar gerente), que não é gostoso, mas é essencial para que a saída superior do elevador corporativo não se reduza à área externa do prédio.
De maneira ainda mais crítica, o dogma central em educação permanece o de que todas as políticas de ensino, com exceção da educação tardia (EJA), devem mirar a juventude. Não é de estranhar que tantos entrem em pânico assoprando velinhas à sombra da inteligência artificial.
Vedações etaristas, como a expulsória aos 75 do serviço público, devem ser revistas, até porque o modelo de estabilidade generalizada que lhe inspirava já está sendo abandonado. Incentivos tributários para quem contrata e retém os profissionais sêniores que trabalham com informação precisam entrar em pauta e as trilhas da educação continuada têm que se conectar aos paradigmas da neurologia contemporânea sobre a prevenção do declínio cognitivo.
"Sociedade da longevidade" é o horizonte destas medidas e outras. É o aproveitamento do capital intelectual acumulado, o desenvolvimento de produtos que não sejam apenas cinzas ou azuis, para esse contingente populacional em ascensão e a redução dramática da mortalidade pela combinação de tecnologias médicas e evolução cultural.
Ela é uma virada na relação com a duração, que Andrew Scott, autor de um dos melhores livros no tema, compara com a que ocorreria se o dia deixasse de ter 24 horas e passasse a ter 32.
Em seu cerne estão os estágios múltiplos de desenvolvimento e subjetivação, as perspectivas de longo prazo na idade em que nossos pais estavam se aposentando, o foco maior na idade biológica em detrimento da cronológica e a consolidação de uma nova geração, os "perennials".
Eu não acredito que haverá uma transição homogênea para este novo modelo econômico e psicossocial, mas, que nos variados países, isto irá acontecer em momentos distintos, a partir de desafios locais. Ao final, a verdadeira vantagem competitiva não estará no mero aproveitamento das oportunidades oferecidas pela mão de obra jovem, mas na condução efetiva desta transição.
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