Ao passar pela Marginal do Tietê e vias do entorno, paulistanos têm se deparado com a retirada de estruturas e se perguntado sobre o que ocorreu com o Pavilhão do Anhembi, na zona norte de São Paulo. Chegou-se até a especular sobre um destelhamento em um temporal, mas não: a desmontagem faz parte da remodelação e expansão do complexo. A obra tem dividido opiniões e gerado críticas por atingir uma construção pioneira e simbólica para a cidade.
A maioria dos restos do Pavilhão de Exposições virou sucata. As estruturas de alumínio são compactadas no local e destinadas a uma siderúrgica, não são mais parte da paisagem paulistana. A desmontagem vai se estender até o fim de novembro, mas nem tudo foi removido: uma parte foi mantida e funcionará como marquise de entrada do novo espaço de exposições.
A inauguração do novo pavilhão está prevista para o fim do primeiro semestre de 2024. A maioria dos espaços do Anhembi também será reaberta na mesma data, com exceção de uma arena de multiuso ainda a ser construída.
O complexo também foi renomeado como Distrito Anhembi pela concessionária que o assumiu por 30 anos, a francesa GL Events. A obra completa é estimada em R$ 1,5 bilhão, com o direcionamento de todas as entradas para a Avenida Olavo Fontoura.
A manutenção de uma parte da estrutura como marquise não é considerada suficiente por críticos. Fala-se que seria um “cenário” falso, por não valorizar a maior qualidade do pavilhão: a grande estrutura metálica, totalmente interconectada.
Na inauguração, em 1970, tratava-se de um símbolo da modernização nacional, fruto de um complexo trabalho de engenharia e arquitetura, com uma estrutura erguida de uma só vez (por guindastes) e proposta inédita.
Também foi a maior construção de alumínio do mundo, possível a partir de um cálculo que envolveu especialistas internacionais, especialmente o franco-canadense Cedric Marsh. O projeto arquitetônico é de Jorge Wilheim com Miguel Juliano e Silva e Massimo Fiocchi.
Diretor Geral do Distrito Anhembi, Rodolfo Andrade justifica que a mudança é necessária para a remodelação e adaptação do espaço a novos padrões de conforto, segurança contra incêndios e acessibilidade, tornando-se mais flexível.
“O Anhembi é um ícone no nosso setor, como o Maracanã é para o futebol. É um ícone, que tem história, mas que precisava de um upgrade”, diz. “Vai entrar em uma escala mundial”, completa.
A ideia é que o pavilhão possa receber eventos de todos os portes, com até cinco ao mesmo tempo. Fala-se em “simultaneidade, modularidade e multifuncionalidade”, características que o antigo não permitiria. “Quando se começou a fazer cálculos, não aguentava. Já não aguentava nem o sprinkler (do sistema contra incêndios)”, afirmou o diretor geral.
O novo pavilhão tem projeto do escritório francês Wilmotte & Associés, com colaboração da RAF Arquitetura, chamado a fim de promover uma “tropicalização” da proposta. A estrutura de alumínio e pés de galinha de aço remanescente e que funcionará de marquise será “acoplada” à nova construção.
A ideia é que a fachada externa se torne convidativa, com quiosques de alimentação e mobiliário variado abaixo da marquise. “A gente não passou uma borracha no que ele foi. Será o volume 2 do Anhembi, do novo Anhembi”, diz Andrade.
Assim como o pavilhão, a área ajardinada de autoria de Roberto Burle Marx será substituída por uma praça de convívio e alimentação. Já o Auditório Elis Regina, espaços antes utilizados pela São Paulo Turismo e outros também passam por um processo de demolição.
O Teatro Celso Furtado será mantido, com uma obra que envolve remodelações e restauro. A cúpula amarela será pintada de branco, a fim de permitir projeções mapeadas e afins, enquanto as mais de 2 mil poltronas estão em processo de restauração. “Será o original, mas mais plug and play”, descreve o diretor geral do Distrito Anhembi. O sambódromo também seguirá, com algumas alterações, como a derrubada das torres de jurados, que não integravam o projeto original, de Oscar Niemeyer.
A GL Events é responsável por outros 59 espaços de eventos em diferentes países. Entre os brasileiros, estão o São Paulo Expo e o Riocentro, mas o Anhembi é visto como o maior ativo. O grupo já demonstrava interesse no complexo paulistano desde 2015, ao apresentar uma manifestação de interesse após um chamamento da gestão Fernando Haddad (PT) durante estudos para a concessão.
Pós-doutoranda e autora de uma tese sobre o Complexo do Anhembi, a arquiteta e urbanista Raissa de Oliveira questiona os argumentos da GL Events e critica a desmontagem do pavilhão. Ela compara a derrubada da estrutura com o de uma Torre Eiffel, pelas inovações tecnológicas que envolvia, embora nunca tenha sido valorizada à altura. “Toda essa história mostra também um processo de esquecimento, daquela história ‘da grana que ergue e destrói coisas belas’”, diz.
A pesquisadora defende que existiriam alternativas para melhorar a estrutura sem a necessidade de derrubá-la, que deveriam ser adotadas mesmo que mais custosas. “Não deveria haver essa opção demolir. Ou seja, o mais caro e o mais barato deveria ser a partir de um dado inicial: manter a estrutura existente. Condição essa que deveria ser exigida pelo Estado”, destaca.
Arquivamento do tombamento do Anhembi foi contestado
O contrato de concessão foi assinado em 2021, na gestão Ricardo Nunes (MDB). A GL Events venceu a licitação em 2020, com uma proposta de pagamento de R$ 53,7 milhões à Prefeitura, além de repasses de uma parte do lucro anual.
Uma tentativa anterior saiu fracassada ao buscar a privatização, que não atraiu interessados em 2019. Além disso, o processo de desestatização ficou parado até aquele ano por uma ação civil pública que barrava a demolição do complexo.
A ação envolvia o pedido de tombamento do Anhembi, negado pelo conselho municipal de patrimônio cultural em 2017, durante a gestão João Doria (PSDB). A decisão ocorreu em um processo controverso e acusado de interferências externas, o que foi negado pelo poder público à época.
O pedido de preservação tinha parecer favorável dos técnicos do Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), que costuma ser acatado nas decisões, mas foi negado pelo conselho. O parecer falava do papel do Anhembi como “nova centralidade urbana, que concretizou um plano de desenvolvimento para o país”, com “primazia profissional ligada à construção brasileira” e “valor cultural, paisagístico, arquitetônico, turístico e afetivo”.
O departamento paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/SP) chegou a emitir uma carta aberta, na qual dizia que “as demandas e agendas da preservação do patrimônio vêm sendo colocadas sistematicamente em segundo plano pelos conselhos, privilegiando pautas de interesses privados”. A organização destacava que o processo tinha “estudos consistentes” das áreas técnicas.
Uma ação civil pública chegou a ser movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), com decisões favoráveis na esfera estadual. Em 2019, a demolição do complexo foi liberada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
“O procedimento da municipalidade questionado na ação civil pública tramitou regularmente no Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), tendo a decisão final, pelo não tombamento do parque, sido tomada pela unanimidade dos representantes que ali têm assento”, disse o ministro João Otávio de Noronha na decisão.
Como foi a inauguração do Pavilhão do Anhembi nas páginas do Estadão?
“Anhembi, onde o futuro chegou”, destacava o Estadão em julho de 1970, meses antes da inauguração. Em novembro, perto da abertura oficial, outra matéria falava na “obra ousada” e de necessidade vital, diante do crescimento da indústria paulista e necessidade de um espaço que o Pavilhão da Bienal, no Parque Ibirapuera, não mais comportava. “A grande estrutura de alumínio, parecendo obra de ficção”, descrevia o texto sobre o pavilhão.
A monumentalidade era frequentemente destacada pelos envolvidos. Em um anúncio de quatro páginas no Estadão, em junho de 1970, o Centro Interamericano de Feiras e Salões Parque Anhembi mostrava uma imensa imagem do pavilhão e questionava: “Coisa de louco ou coisa de brasileiro?”, seguido de uma lista com o nome de envolvidos no projeto.
A pedra fundamental do então chamado Parque Anhembi foi lançada em 1968, dois meses antes do início da obra. A construção utilizou basicamente incentivos fiscais da Embratur. O projeto original nunca foi totalmente entregue, como a parte da praça pública.
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