domingo, 22 de outubro de 2023

Antonio Prata - Whindersson e Vinicius de Moraes, FSP

 A notícia é velha, mas eu também, de modo que estamos quites: da noite pro dia, todas as minhas redes sociais passaram a falar sobre os tropeços amorosos de Luísa Sonza e Chico Moedas. Não soubesse eu quem é Luísa Sonza e ia achar que o casal era personagem d’A Praça é Nossa: uma mulher que se faz de desentendida e um homem que só pensa em dinheiro.

O leitor um pouco mais antenado deve ter ficado boquiaberto com o parágrafo anterior. "Não soubesse eu quem é Luísa Sonza" soa assim como se eu estivesse posando de sabido, tipo "não soubesse eu falar alemão" ou "não soubesse eu navegar pela posição das estrelas".

Luísa Sonza é uma das cantoras mais famosas do Brasil: eis aí mais uma notícia velha, mas como já falei, sou velho --velho e de esquerda. Nós, velhos de esquerda, ainda achamos que música popular brasileira é Vinicius cantando com Maria Creuza. Aí morre um sertanejo num acidente de carro, há uma comoção popular e a gente percebe que tem um abismo entre esse "popular" da comoção e o "popular" do LP –o nome desse abismo é Brasil.

A ilustração de Adams Carvalho, publicada na Folha de São Paulo no dia 22 de Outubro de 2023, mostra o desenho de um homem de boné e camiseta listrada conversando com uma mulher de cabelos loiros em um praça, aludindo à uma cena genérica do programa "A Praça é Nossa"
Adams Carvalho

Curiosamente, em vez de fazer desses acontecimentos momentos epifânicos e nos debruçarmos sobre o país para tentar entender quem são essas pessoas e as pessoas que gostam dessas pessoas, torcemos o nariz. Depois o Bolsonaro é eleito e a gente fica que nem barata tonta: "meu Deus! Meu Deus! O que aconteceu?!". Aconteceu que enquanto lamentávamos que o proletariado não ouve Vinicius de Moraes com Maria Creuza, "Lá fora, amor/ Uma rosa morreu/ Uma festa acabou/ Nosso barco partiu/(...) O tempo passou na janela/ E só Carolina não viu".

Podem me chamar de Carolina. Pensando bem, a esquerda hoje tem mesmo algo de carola. O Gregório Duvivier disse algo assim numa entrevista. Antigamente a direita era séria e a esquerda puxava o tapete. Agora é a esquerda quem faz o papel de bedel do mundo: enquanto discutimos pronomes masculinos e femininos com nossos umbigos, a direita se diverte. ("Não têm graça nenhuma esses humoristas politicamente incorretos!", bradamos. Não têm mesmo. Mas os que os assistem pensam diferente. Já a esquerda não empolga ninguém, só enquadra).

A notícia da Luísa Sonza me levou pro verbete dela na Wikipedia, onde fui dar com o Whindersson. Me dei conta de que sei, há muitos anos, quem é o Whindersson, mas nunca tinha visto nada dele. Com uma década de atraso, fui assistir a um de seus stand-ups no Netflix.

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É bom demais. Mistura de certa narrativa popular nordestina com aquela turma do stand-up americano que não monta piada como quem faz um origami perfeito (nada contra o origami perfeito), mas usa a vida como material, muitas vezes sem punch-line, expondo as próprias misérias diante da multidão. Lenny Bruce. George Carlin. Richard Pryor. (Com menos violência, verdade). Como é que eu não conhecia o Whindersson?!

Não conhecia porque vivo nessa bolha meio intelectual, meio de esquerda da zona oeste de São Paulo/ zona sul do Rio que venera um sujeito que fez um curta mudo preto e branco assistido por 37 pessoas e ignora um dos maiores comediantes do Brasil. Nada contra os curtas mudos preto e branco vistos por 37 pessoas, o problema é essas 37 pessoas (36 mais eu) não conhecerem o Whindersson. Vamos acordar, Carolina? Já passou da hora: o mundo continua passando na janela e só Carolina não vê.


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