quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Musical de Elis Regina volta a São Paulo e quer explicar seu papel a novas gerações, FSP

 Ubiratan Brasil

SÃO PAULO

Ao acompanhar o delírio do público ao final de um show de Elis Regina no Rio de Janeiro nos anos 1970, o diretor Dennis Carvalho, que se tornou um amigo próximo da cantora no fim de sua vida, fez uma pergunta. "Como é a sensação de ser tão idolatrada?"

Elis não pensou muito para responder. "Não acredito muito nisso, bicho, pois sou baixinha e vesga", disse.

Confissões rasgadas como essa inspiraram Carvalho a dirigir "Elis, o Musical", espetáculo que volta aos palcos de São Paulo em edição especial comemorativa de uma década desde sua estreia.

Elis, o Musical
Laila Garin em cena da peça 'Elis, o Musical' - Divulgação

A peça, que estreia no Teatro Sérgio Cardoso, acompanha os quase 37 anos de vida de Elis, uma mulher que amou intensamente e deixou rastros profundos na trajetória daqueles com quem conviveu.

"Ela era inquieta em relação ao que acontecia no mundo. Não era apenas uma cantora. E isso contagia quem a rodeava", diz Carvalho, que comanda um elenco formado por 15 intérpretes e liderados por Laila Garin, que retoma o papel que a projetou em 2013.

Depois de um longo período de testes com cerca de 300 candidatas, a escolha de Laila representava uma primeira vitória em um projeto que retrata um mito da MPB, uma mulher de personalidade incandescente, complexa, repleta de aptidões e sentimentos contraditórios, como define um dos filhos da cantora, João Marcello Bôscolli.

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Não bastasse ter vivido uma trajetória intensa, Elis, que morreu em 1982 depois que a combinação de cocaína com bebida alcoólica provocou uma parada cardíaca, era dona de raras qualidades vocais, incluindo afinação impecável, timbre rico e maleável, além de senso de ritmo e dicção limpa, como define a pesquisadora Nubia Melhem Santos. É um desafio para quem decidisse encarnar a personagem.

"Ao revisitar Elis, revisito a mim mesma", afirma Garin, que canta 42 canções ao longo do espetáculo, integralmente ou em trechos. "Hoje retomo o estudo que ficou gravado no meu corpo. Como ela, canto com minhas vísceras, criando um caminho pessoal. Mas me sinto tecnicamente mais bem preparada do que há dez anos, consigo usar a voz mais grave como a de Elis sem me cansar."

O maior desafio não está no palco, mas na plateia, segundo a atriz. Em relação a 2013, as preferências musicais agora se pulverizam e, graças à internet, há muitos astros e cada nicho não reconhece o outro. Qual seria, então, o espaço ocupado hoje por Elis?

"Certamente teremos os fãs mais velhos na plateia, mas o desafio é fisgar o interesse dos mais jovens, que podem se sentir atraídos pela história das atitudes de Elis", responde a atriz.

A busca começa dentro do próprio elenco que é formado por jovens que não chegaram a ver o musical há dez anos e tampouco conhecem o trabalho da cantora. Há apenas algumas permanências —entre elas a de Cláudio Lins, que continua com o papel de César Camargo Mariano, segundo marido de Elis e pai da cantora Maria Rita.

Para alguns, foi preciso, por exemplo, detalhar a importância de "O Bêbado e a Equilibrista" como o hino da anistia. "Por isso, acredito que a canção mais importante agora seja 'Como Nossos Pais', de Belchior, especialmente quando mostra que o mundo está mais hipócrita, com o mesmo tipo de ídolos que, de revolucionários, se transformaram em pastores ou enriqueceram", diz a atriz.

A atriz de 45 anos buscou inspiração dentro de casa. "Sou filha da geração de Elis. Olho o mundo retratado no espetáculo da mesma forma que minha mãe, Nadja Miranda, que viveu a ditadura militar, defendeu os direitos civis em maio de 1968, foi presa e torturada. Uma mulher que soube lidar com política e drogas, ou seja, o mesmo ambiente de Elis, que ainda é exemplo de franqueza e autenticidade."

O espetáculo apenas cita o fim trágico da cantora e termina com a reprodução de uma célebre entrevista de Elis à TV Cultura, cena em que Dennis Carvalho e Nelson Motta, autor do roteiro ao lado de Patrícia Andrade, compilaram frases ditas por Elis ao longo dos anos.

"Ela sabia ser ácida, daí o apelido de Pimentinha", afirma o diretor, que aprovou o uso da inteligência artificial para proporcionar um dueto de Elis com Maria Rita em uma polêmica campanha da Volkswagen "Reproduziu uma emoção que era típica de Elis", acrescenta ele, que conta com a colaboração de Guilherme Logullo na direção do espetáculo.

ELIS, A MUSICAL

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