segunda-feira, 23 de outubro de 2023

'Não basta ser bom, tem que ter sorte', diz executivo que busca descarbonizar indústria naval, FSP

 Alex Sabino

PARANAGUÁ

Com a pele vermelha por causa do sol, Paulo Sousa, 55, ouviu, sem se perturbar, que a entrevista para a emissora de TV teria de ser refeita. Algumas pessoas passaram por trás da câmara e "sujaram" a imagem.

"Tudo bem", respondeu, dando de ombros.

Era um momento especial. Ele estava a bordo do Pyxis Ocean, graneleiro que chegou ao Brasil na semana passada com suas duas velas de fibra de vidro, de 37,5 metros cada. Tripulantes e assessores mostravam a tecnologia à imprensa e autoridades. Sousa crê não haver hora melhor para ser presidente da divisão nacional da Cargill, a gigante multinacional de alimentos, com 650 navios fretados.

Paulo Sousa, presidente da Cargill, em frente às velas de fibra de vidro no navio Pyxis Ocean
Paulo Sousa, presidente da Cargill, em frente às velas de fibra de vidro no navio Pyxis Ocean - Marco Máximo/Kibacana

"A gente trabalha para isso. Não basta ser bom. Tem que ter sorte", disse ele à Folha.

Não é apenas sorte, claro. Em uma trajetória de 33 anos na empresa, ele foi contratado como trainee em 1990 e desde 2016 o líder da divisão de commodities agrícolas da América do Sul. Passou a acumular este cargo com a presidência a partir de 2019.

Fosse apenas pelo dinheiro, o executivo se preocuparia com outros assuntos que não a primeira viagem do Pyxis Ocean. Ele mesmo admite que o retorno financeiro não será imediato e não se sabe até se acontecerá. Trata-se de uma experiência. O presidente diz quanto a companhia investiu nas velas, desenvolvidas por duas empresas de tecnologia e em sociedade com a União Europeia.

PUBLICIDADE

O faturamento total da Cargill no último ano foi de US$ 176,7 bilhões (R$ 878,4 bilhões pela cotação atual). A operação no país ultrapassou os R$ 100 bilhões em 2022. São cerca de 11 mil funcionários no total.

A companhia é uma das maiores marcas no comércio global de soja e é relevante em outros grãos, como cevada, milho e trigo. Do seu escritório, no oitavo andar de prédio a poucos metros do Shopping Morumbi, zona sul da capital, ele comanda 23 fábricas que processam óleos, extrato de tomate, maioneses, molhos e azeites.

Há marcas populares que o consumidor final nem imagina que são da Cargill, como os molhos tomate Elefante e Pomarola e o óleo Liza.

Ela opera no açúcar e etanol e possui terminais nos portos de Miritituba, Paranaguá, Porto Velho, Santarém e Santos.

A experiência do Pyxis Ocean, para Sousa, por enquanto, não é uma questão de lucro. É perspectiva para o futuro. Existe a sensação de estar à frente de algo inovador, de liderar um movimento mundial que busca saídas para descarbonizar a indústria naval.

"Estamos tentando descobrir ainda o percentual de redução [de combustível após a primeira viagem do navio]. Está todo mundo atrás disso. Temos que fazer esse esforço para melhorar. Todos estão na busca pelo combustível renovável. É um momento muito importante", diz.

Pelas longas distâncias, velocidade das embarcações e tempo necessário para as viagens, as emissões de carbono da indústria naval são as que mais preocupam na meta de zerar as emissões até 2050, estipuladas pelo Acordo de Paris. O combustível usado, chamado de heavy fuel, é, como o próprio nome sugere, considerado pesado e extremamente poluente.

Conseguir um espaço em sua agenda pode ser difícil, mas não para falar sobre o funcionamento das duas velas instaladas no graneleiro. Ele passa longo tempo a conversar com o capitão Suraj Vaidaya para entender em que circunstâncias as velas foram usadas, como eram os controles no navio e a maximização de potência.

Pouco importa que seja uma solução temporária. A tecnologia chamada de WindWings não vai resolver o problema da indústria a longo prazo, insiste ele, para acabar com as emissões de carbono. Mas vai fazer empresas como a Cargill ganharem tempo na procura pelo combustível renovável, o objetivo maior.

"Quando isso acontecer, será a solução. É o que todos querem e estamos participando disso."

É como se ele gostasse de ser desafiado com informações novas ou questões que não havia pensado antes. Como a se a procura por ventos que ajudem a poupar diesel pode fazer mudar as rotas marítimas no transporte de cargas.

"Se você olhar para o passado, para as rotas marítimas usadas [na chamada era das grandes navegações, entre os séculos XV e XVII) antes, não mudaram tanto assim. São basicamente as mesmas", constata.

A curiosidade é natural para quem já fez muitas coisas diferentes, não só dentro da Cargill. Na multinacional, foi o trader de soja em Genebra, na Suíça. Segundo sua assessoria, "participou ativamente das transformações de mercado que levaram a China de exportadora a importadora de soja, respondendo por aproximadamente dois terços do comércio global deste grão."

Paulo Sousa, presidente da Cargill, conversa com o capitão do Pyxis Ocean, Suraj Vaidya
Paulo Sousa conversa com o capitão do Pyxis Ocean, Suraj Vaidya - Marco Máximo/Kibacana

Foi a cabeça do estabelecimento da Cargill em regiões do Centro-Oeste. Ocupou o cargo de gerente nacional de logística e depois, ficou encarregado da área de grãos e gerenciamento de riscos. Em 2010, passou a chefiar as operações brasileiras de commodities e processamento de soja.

Não era esse o plano inicial do executivo quase sósia de Alan Shearer, histórico atacante inglês e maior artilheiro da história da Premier League. Sua formação é de zootecnia. Depois fez MBA em administração pela FGV (Fundação Getúlio Vargas),

Antes disso, trabalhou na Folha no final da década de 1980.

"Escrevi textos no caderno de agro e no de veículos. Posso te chamar de colega, então. Mas depois fui fazer administração e entrei na Cargill", diz, por perceber que tinha mais talento para fazer do que para escrever.

Nenhum comentário: