Com a pele vermelha por causa do sol, Paulo Sousa, 55, ouviu, sem se perturbar, que a entrevista para a emissora de TV teria de ser refeita. Algumas pessoas passaram por trás da câmara e "sujaram" a imagem.
"Tudo bem", respondeu, dando de ombros.
Era um momento especial. Ele estava a bordo do Pyxis Ocean, graneleiro que chegou ao Brasil na semana passada com suas duas velas de fibra de vidro, de 37,5 metros cada. Tripulantes e assessores mostravam a tecnologia à imprensa e autoridades. Sousa crê não haver hora melhor para ser presidente da divisão nacional da Cargill, a gigante multinacional de alimentos, com 650 navios fretados.
"A gente trabalha para isso. Não basta ser bom. Tem que ter sorte", disse ele à Folha.
Não é apenas sorte, claro. Em uma trajetória de 33 anos na empresa, ele foi contratado como trainee em 1990 e desde 2016 o líder da divisão de commodities agrícolas da América do Sul. Passou a acumular este cargo com a presidência a partir de 2019.
Fosse apenas pelo dinheiro, o executivo se preocuparia com outros assuntos que não a primeira viagem do Pyxis Ocean. Ele mesmo admite que o retorno financeiro não será imediato e não se sabe até se acontecerá. Trata-se de uma experiência. O presidente diz quanto a companhia investiu nas velas, desenvolvidas por duas empresas de tecnologia e em sociedade com a União Europeia.
O faturamento total da Cargill no último ano foi de US$ 176,7 bilhões (R$ 878,4 bilhões pela cotação atual). A operação no país ultrapassou os R$ 100 bilhões em 2022. São cerca de 11 mil funcionários no total.
A companhia é uma das maiores marcas no comércio global de soja e é relevante em outros grãos, como cevada, milho e trigo. Do seu escritório, no oitavo andar de prédio a poucos metros do Shopping Morumbi, zona sul da capital, ele comanda 23 fábricas que processam óleos, extrato de tomate, maioneses, molhos e azeites.
Há marcas populares que o consumidor final nem imagina que são da Cargill, como os molhos tomate Elefante e Pomarola e o óleo Liza.
Ela opera no açúcar e etanol e possui terminais nos portos de Miritituba, Paranaguá, Porto Velho, Santarém e Santos.
A experiência do Pyxis Ocean, para Sousa, por enquanto, não é uma questão de lucro. É perspectiva para o futuro. Existe a sensação de estar à frente de algo inovador, de liderar um movimento mundial que busca saídas para descarbonizar a indústria naval.
"Estamos tentando descobrir ainda o percentual de redução [de combustível após a primeira viagem do navio]. Está todo mundo atrás disso. Temos que fazer esse esforço para melhorar. Todos estão na busca pelo combustível renovável. É um momento muito importante", diz.
Pelas longas distâncias, velocidade das embarcações e tempo necessário para as viagens, as emissões de carbono da indústria naval são as que mais preocupam na meta de zerar as emissões até 2050, estipuladas pelo Acordo de Paris. O combustível usado, chamado de heavy fuel, é, como o próprio nome sugere, considerado pesado e extremamente poluente.
Conseguir um espaço em sua agenda pode ser difícil, mas não para falar sobre o funcionamento das duas velas instaladas no graneleiro. Ele passa longo tempo a conversar com o capitão Suraj Vaidaya para entender em que circunstâncias as velas foram usadas, como eram os controles no navio e a maximização de potência.
Pouco importa que seja uma solução temporária. A tecnologia chamada de WindWings não vai resolver o problema da indústria a longo prazo, insiste ele, para acabar com as emissões de carbono. Mas vai fazer empresas como a Cargill ganharem tempo na procura pelo combustível renovável, o objetivo maior.
"Quando isso acontecer, será a solução. É o que todos querem e estamos participando disso."
É como se ele gostasse de ser desafiado com informações novas ou questões que não havia pensado antes. Como a se a procura por ventos que ajudem a poupar diesel pode fazer mudar as rotas marítimas no transporte de cargas.
"Se você olhar para o passado, para as rotas marítimas usadas [na chamada era das grandes navegações, entre os séculos XV e XVII) antes, não mudaram tanto assim. São basicamente as mesmas", constata.
A curiosidade é natural para quem já fez muitas coisas diferentes, não só dentro da Cargill. Na multinacional, foi o trader de soja em Genebra, na Suíça. Segundo sua assessoria, "participou ativamente das transformações de mercado que levaram a China de exportadora a importadora de soja, respondendo por aproximadamente dois terços do comércio global deste grão."
Foi a cabeça do estabelecimento da Cargill em regiões do Centro-Oeste. Ocupou o cargo de gerente nacional de logística e depois, ficou encarregado da área de grãos e gerenciamento de riscos. Em 2010, passou a chefiar as operações brasileiras de commodities e processamento de soja.
Não era esse o plano inicial do executivo quase sósia de Alan Shearer, histórico atacante inglês e maior artilheiro da história da Premier League. Sua formação é de zootecnia. Depois fez MBA em administração pela FGV (Fundação Getúlio Vargas),
Antes disso, trabalhou na Folha no final da década de 1980.
"Escrevi textos no caderno de agro e no de veículos. Posso te chamar de colega, então. Mas depois fui fazer administração e entrei na Cargill", diz, por perceber que tinha mais talento para fazer do que para escrever.
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