As milícias parecem exercer mais controle sobre o território fluminense do que o governador do estado. Há algo de particularmente inquietante nesse fenômeno.
Intelectuais debatem desde sempre as condições que levaram ao surgimento do Estado. Uma ideia particularmente prolífica é a de contrato social, a noção de que as pessoas racionalmente aceitam abrir mão de determinadas liberdades em troca de objetivos comuns, fundando assim a moralidade e as instituições políticas. O contrato social está na base de obras de autores tão diversos como Hobbes, Locke, Rousseau e, mais modernamente, Rawls e Scanlon. Embora filosoficamente produtiva, a ideia de contrato social é historicamente falsa. Sabemos que os bons selvagens de Rousseau nunca se reuniram em grandes assembleias para criar países, sistemas éticos ou a própria política.
Um modelo historicamente mais verossímil (mas menos edificante) é o da bandidagem, proposto pelo economista Mancur Olson, ao qual já aludi aqui. A ideia central é que ladrões sempre tiraram e sempre tirarão o dinheiro das pessoas, mas há uma distinção importante entre o bandido itinerante e o estacionário. O primeiro rouba sua vítima e parte para o próximo povoado. Já o segundo, como diz o nome, não circula muito. Ele está sempre assaltando as mesmas pessoas.
É aí que a história sofre uma reviravolta. Se o bandido estacionário for minimamente esperto, ele percebe que lucrará mais se suas vítimas habituais tiverem sucesso econômico. Assim, ele passará a protegê-las de bandidos itinerantes. Aos poucos, procurará estimular produção, comércio etc. Um dia, seus capangas deixarão de ser considerados capangas e se tornarão coletores de impostos. Civilização é um processo incremental.
O que preocupa, no caso do Rio, é a inversão. Não estamos vendo bandidos sendo substituídos por agentes estatais, mas o próprio Estado degenerando em bandidagem.
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