O Bolsa Família completou 20 anos de existência na semana passada, um feito raro e digno de nota na errante história das políticas públicas brasileiras. Sua perenidade demonstra a força (eleitoral, inclusive) de um robusto programa de transferência de renda, bem como serve para que se constate o desafio que é superar a extrema pobreza em um país tão desigual quanto o Brasil.
Em um mundo ideal, um programa social bem-sucedido manteria um gasto relativamente estável ao longo dos anos ou mesmo tenderia a registrar uma progressiva redução com o passar do tempo. Infelizmente não é o caso. O Bolsa Família deve consumir R$ 175 bilhões neste ano, ante os R$ 30 bilhões que o governo federal gastava em 2019. Nesses quatro anos, o número de famílias atendidas subiu de 14 milhões para 21,5 milhões, enquanto o valor médio do benefício subiu de cerca de R$ 190 para quase R$ 700.
É inegável que a pandemia de covid-19 jogou milhões de pessoas em uma situação de extrema vulnerabilidade. Mas havia uma rede de proteção social a recorrer e, bem ou mal, um programa social consolidado há muitos anos. Ele certamente demandava aprimoramentos e ajustes, sobretudo para promover a emancipação e a inclusão produtiva, mas é inegável que também tinha suas virtudes.
A atabalhoada e eleitoreira criação do Auxílio Emergencial pelo governo Jair Bolsonaro começou a demolir as bases do Cadastro Único, porta de entrada dos programas sociais cuja existência precedia o próprio Bolsa Família. O Auxílio Brasil consolidou um processo de desconexão entre o Bolsa Família e o Sistema Único de Assistência Social (Suas), eliminando as necessárias contrapartidas que o benefício impunha às famílias, como a frequência escolar e o cumprimento do calendário de vacinação das crianças.
A antiga marca Bolsa Família voltou no início do terceiro mandato de Lula da Silva sem resolver as falhas do programa original e carregando os novos problemas criados pelos anos de bolsonarismo. Apesar do esforço para identificar fraudes, o número de famílias unipessoais continua relativamente alto, as filas para receber o benefício continuam a se formar mês a mês e milhares de pessoas vivem em situação de rua nos centros das principais cidades do País.
Em 2003, o programa tinha outra cara, um custo mais baixo, um alcance muito mais reduzido e proporcionava um benefício bem mais modesto. Mas nem o gigantismo que o Bolsa Família assumiu nos últimos anos foi capaz de dar fim à extrema pobreza, o que impõe a necessidade de avaliar seus resultados de maneira contínua, de sorte a atingir seus objetivos de uma forma mais eficaz.
Não há dúvida de que é possível fazer mais com menos, ou fazer melhor com o que já se tem. Já há um diagnóstico sobre o que deve ser feito. O piso de R$ 600 por família é uma distorção a ser corrigida. Em seu lugar, o Banco Mundial sugere um benefício calculado por membro da família e um valor adicional por criança ou jovem de até 18 anos.
Tal mudança reduziria o orçamento anual do programa para cerca de R$ 130 bilhões e resgataria seu foco, priorizando o pagamento do auxílio aos que mais precisam. A sobra de recursos poderia ser direcionada para o reforço de outros programas de assistência social e políticas direcionadas à primeira infância, à inclusão produtiva e aos idosos.
É necessário considerar a situação de cada família de forma individual. Há famílias que jamais conseguirão deixar a rede de assistência social, mas há também aquelas que precisam apenas de uma oportunidade para conquistar a independência. Para isso, é fundamental fortalecer o Cadastro Único e resgatar a articulação com os municípios, que sempre foram o elo mais próximo às famílias.
Há numerosos exemplos de crianças que eram atendidas pelo programa e que hoje são adultos autônomos, com bons empregos e negócios próprios. É preciso ouvi-los para saber como replicar suas histórias. Transformado em uma política de Estado permanente, o Bolsa Família tem todas as condições de deixar de ser um recurso eleitoreiro para se tornar um instrumento de transformação social.
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