No papel, é boa a proposta do ministro Fernando Haddad para um novo arcabouço fiscal. Ela põe uma trava a gastos desenfreados que governos ficam tentados a fazer em tempos de vacas gordas e assegura um mínimo de investimentos em caso de penúria. Seria uma forma arrojada de juntar a responsabilidade nas finanças públicas com as preocupações sociais. Se seus pressupostos se materializarem, o plano poderá zerar o déficit primário já no ano que vem. O problema, como sempre, é o "se".
Para funcionar, isto é, para não sofrer sabotagens variadas, incluindo aquelas oriundas do PT, a proposta exigiria fortes aumentos na arrecadação. E, se isso já não é muito fácil em condições normais, fica ainda mais difícil de fazer sem recorrer à criação de impostos ou aumento de alíquotas dos já existentes, como prometeu Haddad. A solução, como o próprio ministro já antecipou, seria fazer com que aqueles que hoje não pagam tributos ou pagam pouco passem a dar a sua justa contribuição.
É aí que a porca torce o rabo. O plano só terá sucesso se derrotar os muitos lobbies que mantêm e dilatam as benesses tributárias distribuídas a grupos influentes. E eu não creio que a administração Lula tenha a convicção e a força política necessárias para fazê-lo. Pelo contrário, é um governo com sérias debilidades no Congresso e que, por isso, está nas mãos do chamado centrão, cujos parlamentares são os campeões das isenções, renúncias e privilégios. Basta ver que a bancada da Bíblia se articula para ampliar as imunidades tributárias concedidas a templos, e há sinais de que o PT poderá apoiar a empreitada.
Minha impressão, pensando no "big picture", é que Lula cumpriu sua missão histórica já em outubro, ao impedir Bolsonaro de conquistar o segundo mandato, o que teria sido desastroso para o país. Não devemos esperar muito mais. O combate sério ao patrimonialismo, receio, ficará para outra gestão.
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