É obsceno que persista, no Brasil, um modelo de restrição de liberdade em que o condenado fique detido por tempo indeterminado e com comunicação limitada.
Na chamada medida de segurança, pessoas com transtornos mentais que tenham cometido crimes e sejam consideradas inimputáveis são abrigadas em hospitais de custódia e submetidas a tratamento psiquiátrico a mando do Judiciário.
Sem o eufemismo técnico, essas instituições são de fato manicômios, mantidos ao arrepio da Lei Antimanicomial, de 2001 —que estabelece, como alternativa, o atendimento de pacientes pela Rede de Atenção Psicossocial (Raps).
Outro problema é o extremo oposto. Com a falta de protocolos claros de tratamento e o punitivismo peculiar às cortes brasileiras, muitas vezes o Judiciário desconsidera o transtorno mental e escolhe a prisão comum—o que deve ser evitado, dado que também infringe direitos do apenado.
Em fevereiro deste ano, o Conselho Nacional de Justiça determinou o prazo de até maio de 2023 para a desativação das unidades, que, em 2022, abrigavam 1.869 pessoas.
É razoável que dúvidas e ponderações sejam levantadas neste momento. A Raps, por exemplo, deve ser preparada para atender esses pacientes com segurança.
Aos juízes de execução penal, ao lado de especialistas em saúde mental, cabe determinar a elaboração de projetos terapêuticos para cada indivíduo sob a custódia. Tarefa difícil, que exige articulação entre órgãos e recursos adequados.
Contudo, não impossível. Há 17 anos, Goiânia cumpre a Lei Antimanicomial por meio do Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (Paili). Apesar do nome controverso, seu sucesso se revela em dados: 928 pacientes passaram pelo programa com taxa de reincidência de apenas 5%.
Transpor projetos similares para estados com maior demanda, como São Paulo, requer aumento da capacidade de assistência do SUS e a criação de procedimentos interdisciplinares para o atendimento que garantam a segurança de profissionais e da população.
Os horrores que ilustram a história manicomial do Brasil —como o Hospital Colônia de Barbacena, desativado nos anos 1980, onde morreram cerca de 60 mil pessoas— deveriam acender o alerta de que, mesmo com desafios e preocupações legítimas, urge pôr fim a condenações penais nesse tipo de instituição psiquiátrica.
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