Médicos podem mentir para seus pacientes? Apesar de minhas inclinações consequencialistas, defendo uma medicina bem kantiana, que proíba profissionais de saúde de mentir quando diretamente questionados por pacientes competentes. Basicamente, o médico não pode esconder diagnósticos e prognósticos porque acha que a informação não será bem assimilada pelo doente.
Paro um pouco antes de converter esse princípio em regra absoluta. Como o leitor deve ter notado, tomei o cuidado de circunscrever o dever de transparência a situações em que o médico seja diretamente questionado. Fi-lo porque há pacientes que preferem ser poupados de más notícias. O bom médico é justamente aquele tem sensibilidade para perceber quanta informação o paciente quer receber e dispensá-la na dose exata.
Também limitei o dever de transparência a pacientes competentes. O New York Times publicou há pouco um belo artigo do médico Sandeep Jauhar, em que ele conta como precisou passar por cima de suas intuições e treinamento éticos e aprender a mentir para o pai, que sofria de Alzheimer. Com efeito, até os anos 1980 e 1990, o padrão da medicina americana era nunca mentir para pacientes demenciados, mas tentar reorientá-los para a realidade.
Não dava muito certo. Lembrar um paciente de Alzheimer que seu cônjuge morreu, por exemplo, é obrigá-lo a reviver essa angústia cada vez que ele pergunta pela pessoa, o que, dependendo do estado da memória, pode chegar a várias vezes por dia. Hoje já se aceita que o mais importante é evitar sofrimentos desnecessários. Em alguns países já há clínicas para demenciados que, evocando a aldeia Potemkin ou o filme "O Show de Truman", funcionam como cidades de faz de conta, em que os internos julgam levar uma vida autônoma quando, na verdade, são acompanhados de perto por enfermeiros que fingem ser moradores.
Se você fosse o paciente, qual abordagem preferiria, caro leitor?
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